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Empreendedorismo, qualidade indispensável

Assim como em outras áreas, o campo ambiental depende de pessoas criativas e com vontade de mudar o mundo. 

29 de abril de 2010 · 15 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

O interesse pelo empreendedorismo tem aumentado em diversos setores. As instituições sem fins lucrativos foram precursoras, tendo como destaque a Ashoka, que há quase 30 anos identifica mundo afora pessoas que levam sonhos ambiciosos adiante com criatividade e empenho, para que os resultados beneficiem a coletividade. Seu fundador, o visionário Bill Drayton, sempre percebeu o valor de um empreendedor, que chama de fellow, e o define como alguém capaz de mudar o mundo a partir de uma idéia criativa. Os fellows da Ashoka trabalham em diversos campos, incluindo educação, saúde, injustiças sociais como discriminação racial ou equidade de gênero, e meio ambiente. A lista de fellows inclui muitos ambientalistas brasileiros que têm dado contribuições significativas nas mais diversas regiões do Pais.

Observando os empreendedores por muitos anos, percebo que eles partem de uma utopia e implementam suas idéias passo a passo com energia e determinação, qualidades que buscam incessantemente para alcançar resultados bem sucedidos. Criam soluções para problemas que parecem impossíveis de serem solucionados, ousam sair da zona de conforto na qual a maioria prefere permanecer e, ao buscarem novos caminhos, ampliam suas visões do que pode ser alcançado e de como chegar lá. Aprendem a não aceitar o “não” como resposta e também a driblar os percalços que encontram em seus caminhos. Por essas características são muitas vezes chamados de excêntricos e até de malucos. Mas, são desses malucos que o mundo agora mais precisa, e ainda bem que a moda de valorizá-los vem crescendo.

“Empreendedorismo não se limita ao terceiro setor, existe em lideranças cujo desempenho se destaca pela criatividade, flexibilidade e poder de adaptação. “

Avina, outra organização que apóia o empreendedor, por muitos anos caminhou lado a lado com Ashoka para criar um grupo também espalhado por várias partes do mundo, mais especificamente na America Latina. A história da Avina merece ser contada, pois seu fundador é um empresário de grande sucesso, Stephan Schmidheiny, que resolveu apoiar “líderes” que desenvolvem projetos em diversas áreas socioambientais. Por ele mesmo ser um empreendedor de destaque, Schmidheiny ousou ir além do que sua família lhe proporcionou, tendo a coragem de descontinuar a fabricação de produtos danosos ao meio ambiente. Porém, para a surpresa de sua família, e possivelmente dele próprio, acabou por criar um império maior do que aquele que herdara, e resolveu dar uma contribuição ao mundo por meio dos empreendedores que passou a selecionar e apoiar. Por perceber qualidades em cada setor, criou pontes de integração entre o mundo empresarial e as ONGs, com o objetivo de propiciar uma troca de aprendizado mútuo. Por isso, parte dos recursos alocados aos “lideres Avina” sempre foram condicionados a uma contrapartida que precisava advir de alguma empresa nacional. Conseguiu, assim, estimular seus “lideres” a contagiarem, com sua paixão por alguma causa, empresários bem sucedidos que, por sua vez, compartilham com os empreendedores conhecimentos sobre gestão, os incentivando a manterem foco para que atinjam resultados concretos, mensuráveis e ainda mais eficientes. No Brasil, Avina tem ajudado direta ou indiretamente a promover inúmeras parcerias, o que prova ser possível integrar esferas que antes raramente se mesclavam.

O empreendedor não é valorizado apenas no mundo das organizações sem fins lucrativos, mas também no setor privado, principalmente dentre as empresas que ousam criar teias de relacionamento sem restringir seus funcionários a permanecerem em cargos fixos e funções determinadas. Cada vez mais se destacam as companhias que ousam inovar e abandonam organogramas hierárquicos, por exemplo, e incentivam trocas diretas entre profissionais e setores, o que favorece a consecução de trabalhos com visões multifacetadas e resultados mais condizentes com a complexidade que caracteriza a atualidade. Talvez seja esse conjunto de características de um empreendedor que o torne indispensável no cenário ambiental atual, onde os desafios enfrentados são crescentes e nada simples de serem resolvidos.

Portanto, o empreendedorismo não se limita ao terceiro setor, mas a lideranças cujo desempenho se destaca pela criatividade, flexibilidade e poder de adaptação. Esses traços fazem diferença em qualquer campo de atuação, e a administração empresarial moderna se dedica a identificar e estimular o desenvolvimento de profissionais com esse perfil. Já nas organizações de fins ideais, como as ONGs, características como essas são quase indispensáveis, uma vez que é o propósito de mudar determinadas realidades, sejam sociais ou ambientais, que serve de estímulo para que um empreendedor crie uma organização, ou outros se juntem às já existentes com fins com os quais se identificam.

A partir de 2000, a Fundação Schwab, organização suíça fundada por Hilde e Klaus Schwab, conhecida por organizar o Fórum Econômico Mundial, passou a identificar empreendedores internacionalmente. Até o momento, aproximadamente 160 profissionais fazem parte do grupo, que no Brasil cabe à Folha de São Paulo a responsabilidade do processo de seleção. No início de abril, em Cartagena, Colômbia, foi realizado o último Fórum Econômico Mundial com foco na América Latina e, na ocasião, foi possível perceber como muitos empreendedores socioambientais interagem com empresários, buscando juntos soluções para problemas concretos nos mais diversos campos, muitos historicamente conflitantes como mineração, por exemplo. O desequilíbrio de gênero também foi contemplado, já que a falta de acesso das mulheres a postos de comando no mundo empresarial é uma característica internacional (e o Brasil tem um dos piores índices quando comparado a outros países).

“Mesmo que o intercâmbio entre o setor privado e as ONGs esteja em voga e que se bem conduzido pode ser benéfico para todos, na prática alguns cuidados precisam ser tomados. Em uma parceria, por exemplo, o diálogo deve ser aberto e transparente, de modo a se evitar que um dite as regras ao outro”

Meio ambiente teve um destaque especial no Fórum de Cartagena, o que aparentemente foi novidade, assim como o número de participantes que atraiu para as discussões sobre o tema. A busca por formas de se incentivar o desmatamento evitado foi discutida com detalhes e o mecanismo de REDD (que inglês é a abreviação para Redução de Emissões para Desmatamento e Degradação Ambiental), acabou por gerar um manifesto que fará parte das recomendações do evento. Outro encontro que atraiu um grande número de participantes, “Aumentando Retornos em Investimento Social” foi promovido pela Sra. Hilde Schwab e apresentado por profissionais das áreas de educação, saúde, políticas públicas e meio ambiente.

As experiências serviram para demonstrar como a questão ambiental é central ao bem estar, visto que a própria sustentabilidade planetária se encontra em jogo neste momento. Ficou clara a preocupação e o desejo de muitos representantes dos países Latino Americanos, como o Vice-Presidente Colombiano Francisco Santos, que fez parte do grupo temático de meio ambiente, de somarem esforços para proteger o que resta das florestas Amazônicas, por exemplo, já que as pressões estão cada vez maiores, principalmente quando ainda existem políticos e tomadores de decisão que insistem em manterem visões de curto prazo, sem perceberem que sustentabilidade é a bola da vez.

Mesmo que o intercâmbio entre o setor privado e as ONGs esteja em voga e que se bem conduzido pode ser benéfico para todos, na prática alguns cuidados precisam ser tomados. Em uma parceria, por exemplo, o diálogo deve ser aberto e transparente, de modo a se evitar que um dite as regras ao outro, ou que qualquer das partes abra mão de seus princípios em troca de aprovação ou apoio. A parceria deve fortalecer e reforçar a missão pela qual se está trabalhando, sem imposições de conteúdo ou de como se chegar aos resultados almejados, mas com trocas de idéias e aconselhamentos mútuos quando pertinente.

Portanto, uma empresa não deve ser apenas repassadora de recursos, pois o envolvimento com a causa com a qual está se associando por meio da organização parceira pode trazer satisfações, muito além daquelas que ajudam a cumprir sua responsabilidade socioambiental e que vá lhes garantir uma boa imagem pública. Quando o empreendedor trabalha de forma participativa e incentiva outros a crescerem e seguirem seus próprios sonhos, acaba por atrair adeptos, e é por isso que muitas ONGs têm mais pedidos de gente querendo juntar-se a elas do que pessoas querendo sair.

Existe uma busca crescente, principalmente entre os jovens, de pessoas almejando contribuir com algo que faça diferença e que resulte em realidades socialmente mais justas e ambientalmente mais sustentáveis. É este o alento que deve nutrir nossas esperanças em face aos desafios que enfrentamos hoje. Cabe, então, aos empreendedores também a tarefa de incentivar outros a ousarem sonhar, buscando qualidade no que fazem para que passem a inspirar credibilidade e confiança. Só assim poderemos conquistar mais e mais adeptos às causas que dão um senso de satisfação pessoal de que a vida vale a pena, e de que tudo é possível quando se quer chegar a algum lugar.  

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