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Os dois anos do Ministério do Meio Ambiente do Peru

O Peru foi o último país da Amazônia a estabelecer seu ministério. Mas apesar de sua pouca idade, o órgão conseguiu recuperar parte do atraso.

20 de maio de 2010 · 14 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

O ministro Antonio Brack
O ministro Antonio Brack

O Ministério do Meio Ambiente do Peru vai completar em breve dois anos de existência. Está em sua infância, não há dúvidas, mas tem se mostrado uma criança precoce. Apesar de sua pouca idade, conseguiu fazer com que o Peru recuperasse significantemente parte do atraso que possui em relação a outros países nessa área. Este texto trata sobre isto e também do enorme desafio que seu ministro, Antonio Brack, enfrenta para derrotar a praga da mineração ilegal de ouro (garimpo) na parte mais rica, mais bonita e melhor preservada até agora da Amazônia peruana.

O Peru foi o último país, entre os que possuem um médio ou grande território de Floresta Amazônica, a estabelecer seu Ministério do Meio Ambiente. A Venezuela foi o primeiro país (1976), seguido pelo Brasil (1985, ainda que na realidade existisse desde 1973 como Secretaria Especial do Meio Ambiente). Mais tarde, na década de 1990 a Bolívia criou o seu próprio (1993, mesmo que tenha sido eliminado e reconstruído de novo recentemente), Colômbia (1993) e Equador (1996).

Até 2008, o Peru contava apenas com o um Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conam), cuja capacidade decisória era mínima. O presidente Alan García, pressionado pela persistência do governo americano para que se criasse uma instituição ambiental mais efetiva para aprovar o Tratado de Livre Comércio, finalmente aceitou fazer o que os seus antecessores, Fujimori e Toledo, descartaram. O próprio Conam (criado em 1994) também foi resultado de uma condição do Banco Interamericano de Desenvolvimento para financiar obras do governo de Fujimori. E assim, na V Cúpula da América Latina, Caribe e União Européia, em 15 de maio de 2008, foi anunciada a criação do Ministério do Meio Ambiente no Peru, ato complementado in loco pelo juramento do seu primeiro ministro, o Dr. Antonio Brack.

O nascimento do Ministério não foi fácil. Foram dados poucos recursos, um reduzido orçamento e ainda tiraram o que seria seu principal instrumento, ou seja, o Instituto Nacional de Recursos Naturais (Inrena), um equivalente ao IBAMA brasileiro, que se transformou em Ministério da Agricultura sob outro nome. Do Inrena, apenas as áreas protegidas permaneceram no novo Ministério, onde receberam a patente de Serviço Nacional de Áreas Naturais Protegidas pelo Estado (Sernanp). A exploração e conservação das florestas e, em geral da flora e da fauna, permaneceram na Agricultura, junto com os recursos hídricos e a responsabilidade pela conservação dos solos. Recebeu, em troca, o pouco que tinha a Conam para aplicar a ambiciosa legislação ambiental, e assim mesmo, se enquadrou sob a sua responsabilidade o Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia, o Serviço Geofísico do Peru e o Instituto de Investigação da Amazônia Peruana. Essas são instituições úteis e respeitáveis, essencialmente dedicadas a investigação científica e menos vinculadas diretamente ao tema ambiental que o que ficou na Agricultura.

Nessas circunstâncias, era de se esperar que o novo Ministério tivesse progredido pouco e que não pudesse enfrentar os inúmeros e grandes problemas ambientais que o país possui. Parecia ser, e realmente era, uma decisão do tipo “bem… se tanto insistem…”, apenas para satisfazer as pressões e melhorar a imagem externa do país. Uma situação parecida com a que motivou o Presidente Collor de Mello, do Brasil, a nomear o pitoresco José Lutzemberg, como Ministro do Meio Ambiente, na prévia da realização da grande Conferência sobre Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992. Na verdade, por mais que muitos considerassem Brack a pessoa ideal para o posto, não havia muitos que apostassem em seu êxito. Ainda que tão ou mais famoso que Lutzemberg, a quem Collor teve de destituir do cargo em função de sua fracassada gestão, e também para evitar fracassos nos preparativos da Conferência já mencionada, o igualmente popular e germânico Brack, mostrou-se muito mais esperto do que previam os pessimistas, tanto que também superou as expectativas dos otimistas, sobrevivendo bem a muitos ataques e com uma gestão que colecionou êxitos importantes.

Brack nasceu em Villa Rica, em plena Amazônia peruana, e filho de uma família de colonos alemães. Desde sempre teve vocação para biologia, campo no que obteve doutorado em Würzburg, Alemanha. De volta ao Peru no começo dos anos 1970, trabalhou para o serviço florestal onde foi responsável pela fauna silvestre, e logo pelo excelente programa de recuperação vicunha. Nos anos 1980 e 1990, ele foi empregado pela ONU, no marco do Tratado de Cooperação Amazônica e, mais recentemente, se converteu a um consultor autônomo. Mas o mais importante da vida de Brack parte de sua enorme curiosidade científica ligada diretamente ao campo e, de outra, sua incomum capacidade de se comunicar pela fala, e principalmente pela escrita, conseguindo explicar com simplicidade assuntos complexos. E assim, foi convidado a dirigir uma série na TV (“La Buena Tierra”) que tem sido um sucesso de audiência nacional e que o transformou em um David Suzuki peruano.

Além disso, Brack é autor de 23 livros, dos quais muitos são científicos, mas que em sua maioria são obras de ensinamentos ecológicos muito utilizados em escolas e universidades. Com essas qualidades não cabe dúvida que ele foi um candidato de luxo para inaugurar o Ministério do Meio Ambiente. Ainda mais somada a sua simpatia, otimismo e uma capacidade ilimitada de fazer brincadeiras cabíveis a cada situação.

A lista de realizações desse Ministério é considerável. Não somente conseguiu organizar-se (o Ministério já conta com uma estrutura complexa, incluindo os vice-ministérios) e se equipar razoavelmente, o que por si só já deve ser muito considerado, uma vez que partiu praticamente com nada, sendo que concedeu tão brevemente uma série de desejos insatisfeitos a longo tempo, tais como a criação do mencionado Sernanp, ou seja, uma autoridade semi-autônoma para os parques nacionais e outras áreas protegidas como a Reserva Comum Matsé, e também conseguiu quadruplicar os investimentos destinados o mesmo, além de iniciar a aplicação de idéias como a de capacitação indígena para manejar e conservar as florestas. No aspecto central de suas funções de controle e licenciamento ambiental, com muito esforço e jogo de cintura, o Ministério já concretizou o estabelecimento e funcionamento do Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Oefa), buscando alcançar funções que antes eram realizadas pelos mesmos ministérios que promoviam as obras e a exploração dos recursos, como o de Energia e Mineração. Também desenvolveu propostas legislativas que têm sido aprovadas pelo Congresso e emitiu inúmeros dispositivos que permitem por em prática a ampla legislação relativa ao meio ambiente. O novo Ministério também conta com investimentos alternos, entre outros, uma doação (uns US$7 milhões de dólares) da Alemanha e um empréstimo de uns US$40 milhões de dólares do Japão, especialmente para reduzir o desmatamento desnecessário, com o utópico propósito de alcançar um “desmatamento correto”. E claro o que foi mencionado não é tudo. Pode-se adicionar idéias originais e de grande potencial, como a de integrar indígenas ao serviço de guarda florestal, guarda de parques e de caça, tanto em áreas públicas, como especialmente, em seus próprios territórios, formas inovadoras de reciclagem de resíduos, entre muitas outras.

LEIA O ARTIGO COMPLETO EM O ECO AMAZONIA

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