Das surpresas do clima quem pode falar por todos os políticos com conhecimento de causa são os faraós egípcios. Eles, como o ex-presidente Lula, agiam como enviados do céu à terra. E, ao contrário do ex-presidente Lula, não falam desde que saíram de cena, a não ser por intermédio de escribas e hieroglifos.
Mas, como encarnações do sol, se o sol fracassava lá em cima eram arrancados do trono cá embaixo, surrados e cuspidos no fundo do Nilo. Tudo porque o rio deixava de inundar o delta que nutria seu reino agrícola. Lá, o regime político mudava conforme o regime do rio. Tornava-se violento e insurreto até o Nilo voltar à normalidade, irrigando uma nova dinastia.
As vítimas dessas tragédias políticas e climáticas não tinham, na época, como saber que as cheias do Nilo eram regidas pelas chuvas de monção do Sudeste Asiático, que por sua vez dependiam de ventos conjurados pela temperatura das águas no Oceano Pacífico, do outro lado da terra, na costa da América do Sul, um lugar mais distante que o sol do cotidiano egípcio.
O remédio é responsabilizar homens públicos como pessoas físicas pelos crimes que cometem contra a vida. Às vezes em série, como acaba de acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro. |
O culpado da desordem era um fenômeno natural que só entrou há duas décadas no noticiário internacional, com o nome de El Niño. Mas deixar o clima fazer seus estragos à solta, em Tebas ou Menfis, tinha custo político, porque da regularidade do rio dependiam vidas humanas. O preço era injusto, cruel e exorbitante. Como é injusto, e talvez seja também cruel e exorbitante, que hoje não se processe no Brasil, por homicídio culposo, o político que patrocina baixas evitáveis e supérfluas em encostas carcomidas e vales entulhados por ocupações criminosas.
No dia em que um prefeito, olhando as nuvens no horizonte, enxergar a mais remota possibilidade de ir para a cadeia pelas mortes que poderia impedir e incentivou, as cidades brasileiras deixariam aos poucos de ser quase todas, como são, feias, vulneráveis e decrépitas. De graça, ou com o dinheiro virtual do PAC, os políticos não consertarão nunca a desordem que os elege.
Não adianta ameaçá-los com ações contra o Estado ou a administração pública, porque o Estado e a administração pública, na hora de pagar a conta, somos nós, os contribuintes. O remédio é responsabilizar homens públicos como pessoas físicas pelos crimes que cometem contra a vida. Às vezes em série, como acaba de acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro.
O resto é conversa fiada. Ou, pior, papo de verão em voo de helicóptero, que nessas ocasiões poupa às autoridades até o incômodo de sujar os sapatos na lama. Pobres faraós. O longo e virtuoso caminho civilizatório que nos separa de seu linchamento está nos levando de volta à impunidade anárquica das entressafras dinásticas, quando a favelização lambia até as suntuosas muralhas de Luxor.
Linchar um político não é a mesma coisa que malhar seus projetos. E os brasileiros estão perdendo mais uma chance de bater com força no projeto de lei número 1.876/99, que o deputado Aldo Rabelo transfigurou, para enquadrar o Código Florestal nos princípios do fato consumado. Ele reduz à metade as áreas de preservação em margens de rio, dispensa da reserva legal propriedades pequenas ou médias e consolida os desmatamentos ilegais. Nunca foi tão fácil saber aonde ele quer chegar com isso, folheando as fotografias aéreas das avalanches em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Dá para ver nas imagens o que havia antes nos pontos mais atingidos. É o que o novo Código Florestal vai produzir no campo. Mais disso.
Leia também

Primeira doação da Irlanda ao Fundo Amazônia totaliza R$ 91 milhões
Anúncio foi feito pelo ministro irlandês de Transportes, Sean Canney, ao lado da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente; Doação será feita ao longo dos próximos 3 anos →

STF quer que Congresso assegure participação de indígenas nos ganhos de Belo Monte
Em decisão liminar, ministro Flávio Dino determinou que Congresso aprove, em 24 meses, uma lei que garanta participação das comunidades afetadas nos resultados da hidrelétrica →

O sargaço na Riviera mudou a carreira científica de Rosa para sempre
Bióloga se especializou nos estudos sobre a alga e hoje calcula que limpeza do sargaço em um quilômetro de praia pode custar até um milhão de dólares por ano →