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As novidades científicas nas florestas amazônicas

Árvores velhas absorvem carbono em maior quantidade e rapidez do que as jovens. Descobertas assim continuam a surpreender os cientistas.

23 de janeiro de 2014 · 10 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Espécies de palmeira “hiper-dominante”, [i]Euterpe precatória [/i]. Foto:
Espécies de palmeira “hiper-dominante”, [i]Euterpe precatória [/i]. Foto:

Sócrates teria dito “só sei que não sei nada”. As revelações diárias da ciência agilmente veiculadas pela Internet nos inundam com descobertas que nos fazem repensar o que acreditávamos e, muitas vezes, descobrir que estávamos errados. Nos últimos meses foram divulgadas várias novidades importantes para a conservação e bom uso das florestas tropicais, em especial as da Amazônia, que contradizem o que acreditávamos saber. Sócrates estava certo.

O último fato a ser revelado foi que árvores grandes e maduras, ou simplesmente velhas, não só mantêm boa velocidade de crescimento como também absorvem gás carbônico mais rápida e intensamente do que árvores menores ou mais jovens. A pesquisa incluiu 403 espécies de árvore e mais de 650 mil exemplares delas. Isto é exatamente oposto ao que se acreditava e até justificou desmatamentos sob o argumento que plantações de árvores de rápido crescimento (florestais ou frutíferas) ou, a vegetação florestal nova ou capoeiras, tiravam maior quantidade e mais rapidamente o carbono da atmosfera. De fato, argumentava-se que as antigas florestas amazônicas, com suas centenárias árvores gigantes, embora reconhecidas como reservatórios de carbono, eram mais ou menos neutras com relação à fixação atual e futura de carbono. Se a novidade, como parece, for aplicável às condições amazônicas representa um argumento adicional muito importante para preservar as florestas antigas. É preciso dizer que isso era suspeitado por uns poucos cientistas, mas não haviam sido produzidas evidências contundentes do fato.

Outra descoberta interessante é a demonstração de que menos de 2% das espécies dominam metade do numero de árvores na maior parte da Amazônia. A bacia amazônica abrigaria ao redor de 16 mil espécies de árvores e palmeiras, mas apenas 227 seriam responsáveis por quase metade do número das espécies arbóreas e palmáceas com mais de 10 cm de diâmetro, o que corresponde a apenas 1,4% do total. Os pesquisadores chamaram a essas espécies de “hiper-dominantes” e, dentre elas, palmeiras como Euterpe precatoria são as plantas erguidas mais comuns. Das arbóreas, as espécies mais frequentes pertencem aos gêneros Licania, Metrodea, Rinerea, Protium, Brosimum, Hevea, Eperua e Trattinnikia. Há outras palmeiras muito comuns dos géneros Iriartea, Euterpe, Socratea e Astrocaryum (ver o amplo artigo de Hugo Mogollon publicado em ((o))eco, de 25/10/2013). Isso confirmou cientificamente o que os engenheiros florestais que trabalham na Amazônia já sabiam faz décadas. Com efeito, os inventários florestais com fins de manejo detectaram que somente umas poucas espécies de árvores aportam a maior parte do volume de madeira disponível na floresta. Por exemplo, já em 1975 foi publicado, no Peru, que das 175 espécies madeiráveis consideradas nos inventários apenas 17 (menos de 10%) aportam 43% do volume total de madeira.

Também o ano passado foi ratificado o que já se sabia muito bem. A extração florestal seletiva, conhecida como “desnatação” é muitas vezes considerada inócua. Entretanto, é muito impactante para o ecossistema florestal, não só pelas árvores aproveitadas e as clareiras abertas, mas também pelo enorme distúrbio que a operação ocasiona, além da caça associada a ela. Ainda assim, é a mais usada e frequentemente recomendada.

A importância destes dados é a de permitir orientar a exploração sustentável da floresta. Em vez de correr atrás apenas das espécies “nobres” — que não são abundantes e, por isso, acabam comercialmente extintas –, dever-se-ia focar na promoção do aproveitamento de estudos tecnológicos, novos usos e mercado das mais abundantes em número e volume. Com efeito, um grande problema da exploração sustentável das florestas amazônicas é o baixo volume por hectare de muitas madeiras atualmente comerciais. Isso é proposto há décadas, mas os interesses econômicos predominantes nunca permitiram implementar essas alternativas.

Plantio em ilhas e o colete do Pirarucu

Um recente estudo sobre o pirarucu demonstrou que ele é dotado de um colete composto, como uma armadura natural, que o protege dos dentes dos predadores, inclusive das piranhas.

Outro trabalho importante foi feito na Costa Rica demonstrando que para regenerar florestas nativas, por exemplo, em áreas de pastos degradados, é muito melhor fazer plantios do tipo “ilha”, ou seja, vários pequenos blocos isolados – de uns 100 metros quadrados — no lugar de plantar toda a área como é usual. Em menos de uma década, os blocos ficam recobertos por uma densa floresta secundaria, pondo para trabalhar a fauna dispersora de sementes e o vento, a um custo várias vezes menor do que o reflorestamento convencional. Tampouco, isto é realmente novo e vem sendo preconizado muitas vezes, mas tem sido sistematicamente descartado pelas empresas que lucram recompondo, de modo tradicional e muito mais caro, a vegetação nas áreas de preservação permanente que foram destruídas.

Igualmente interessante é a constante descoberta de novas espécies de animais e plantas na Amazônia, outra vez justificando a necessidade de manter extensas áreas protegidas. Foi revelado que, de 2010 a 2013, foram descobertas 441 novas espécies de animais nessa região. Nos últimos meses, parece ter-se confirmado outra espécie de anta e outra de pirarucu. Ou seja, está se descobrindo que até animais conspícuos, como os mencionados, são bem menos conhecidos do que se acredita.

E não se trata apenas de novas espécies para a ciência. Um recente estudo sobre o pirarucu demonstrou que ele é dotado de um colete composto, como uma armadura natural, que o protege dos dentes dos predadores, inclusive das piranhas. Trata-se de uma estrutura dura no exterior e flexível no interior, que não perde em nada para os coletes à prova de bala ou, pela descrição dos autores, para as armaduras dos cavalheiros medievais. Esta descoberta, apenas uma dentre centenas feitas num só ano, revelam a importância de manter amostras viáveis da biodiversidade, já que, cedo ou tarde, sempre se revelam novos benefícios para a humanidade.

O que foi aqui sucintamente resenhado é apenas uma amostra do que há na Internet. Tudo isso e muito mais — tanto as notas informativas como a própria publicação — se obtém tranquilamente, sentado no lar e sem maior esforço. É uma das grandes vantagens com que nos brinda a tecnologia atual. Além de demonstrar a validade do dito do Sócrates, esta seleção de novidades também ratifica que muitas vezes o que se “descobre”, na realidade, é uma demonstração cientifica do que já era conhecido. São poucas as descobertas que surgem da nada.

Outro fato importante é que quase todas essas revelações foram feitas por cientistas estrangeiros que, claro, as publicaram em inglês. Isso confirma o lamentável descaso que os governantes dos países amazônicos outorgam a ciência e a tecnologia. Mas, não impede o aproveitamento de resultados para melhorar o nosso futuro.

 

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