Estocolmo – Como aumentar a produção de alimentos em um mundo em que a água se torna cada vez mais escassa? Essa foi a pergunta que dominou a 21ª Semana Mundial da Água, terminada na última sexta (dia 26) na cidade de Estocolmo, na Suécia. O documento final do evento, que será enviado à secretaria-executiva da Rio+20 – a Conferência Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano marcada para 2012 –, sugere que os governos devem assumir meta de aumentar em 20% a eficiência no uso da água na agricultura.
O setor agropecuário é o maior consumidor de água em todo planeta. Enquanto o uso doméstico responde por aproximadamente 10%, a produção de alimentos, através de irrigação, drena 70% da água doce existente (o restante é consumido na indústria). O crescimento das áreas irrigadas, por outro lado, foi um dos principais fatores que garantiram o suprimento de alimentos em décadas de explosão demográfica. Nos últimos 50 anos, a população global dobrou de tamanho, enquanto o total áreas ocupadas pela agricultura cresceu apenas 12% – revelando o enorme ganho de produtividade.
Entretanto, mesmo com o avanço da tecnologia agrícola, o cenário para as próximas décadas representa um enorme desafio, demonstrou em Estocolmo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). De acordo com as últimas projeções, até 2050, a população mundial deverá alcançar 9 bilhões de habitantes (hoje somos 7 bilhões) e com isso, a demanda por alimentos, subir 70%.
No atual modelo de produção, onde as áreas irrigadas têm grande importância, o consumo de água cresceria 55% para suprir a demanda de alimentos. Se isso de fato ocorrer, a demanda global por água pode ser maior do que a oferta em apenas 20 anos.
O diretor do programa de Recursos Naturais da FAO, Alexander Müller, explica que dois fatores ainda tornam a relação água e agricultura mais complicada no futuro próximo.
O primeiro deles é o crescimento do consumo de proteína animal nos países em desenvolvimento. Economias emergentes, como Brasil e a China consomem mais carne ao passo que se tornam mais prósperas. A produção de carne é uma das atividades mais intensivas no uso de água. Para se ter um quilo de carne de vaca, por exemplo, são necessários 15 mil litros de água.
O outro problema apontado por Müller é a competição pelo uso da água entre a agricultura e a energia. Biocombustíveis estão sendo produzidos não só no Brasil, mas também na África e na Ásia, além da grande produção nos EUA. “Quando discutimos como alimentar o mundo, temos que olhar todos os aspectos: 100 quilos de cereais alimentam uma pessoa por um ano inteiro, mas produzem combustível para encher um tanque” frisa Müller.
Ecossistemas saudáveis
Durante a Semana Mundial da Água, um dos pontos discutidos foi a necessidade de se intererromper a perda de ecossistemas importantes para a manutenção do ciclo hidrológico no planeta. De acordo com relatório “Ecossistemas para a Água e a Segurança Alimentar”, lançado durante o encontro em Estocolmo, investimentos em conservação de nascentes e áreas úmidas ao redor do mundo podem ser mais efetivos, além de mais baratos, do que colocar dinheiro em infra-estruturas tradicionais, como barragens e canais de transposição.
O instrumento defendido pela ONU para se aumentar investimentos em proteção de mananciais são os chamados pagamentos por serviços ambientais. Embora muito falados, são poucos os exemplos em que o instrumento já está implementado. Na prática, pagamentos por serviços ambientais são compensações a proprietários de terra que conservam nascentes e outras fontes essenciais para o suprimento de água.
“Sistemas agrícolas que respeitam os ecossistemas não apenas provêm comida, fribra e produtos animas, eles também geram serviços como mitigação de enchentes, recarga de aquíferos, controle de erosão e são habitats para plantas, aves, peixes e outras espécies”, disse o chefe do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, Achim Steiner.
A novidade do relatório lançado em Estocolmo é que ele não apenas defende a conservação dos ambientes intocados (“pristinos” na linguagem do documento), mas pede mais estudos sobre culturas ou práticas agrícolas que mais contribuem para o ciclo hidrológico. Sistemas agroflorestais, por exemplo, contribuiriam para a infiltração de água no solo, uma vez que a cobertura de árvores convive com espécies de alimentos ou rebanhos de animais.
No momento em que a discussão sobre as mudanças no Código Florestal esquenta no Senado, novos relatórios da ONU lançados durante a Semana Mundial da Água sustentam que a conservação de ecossistemas e investimentos em reflorestamento serão essenciais para garantir a segurança alimentar mundial.
Autor do capítulo sobre Água e Economia Verde , no compêndio que é preparado pela ONU para a Rio+20, a reunião sobre desenvolvimento sustentável que ocorre no Brasil no ano que vem, o australiano Mike Young, professor do Instituto de Meio Ambiente da Universidade de Adelaide, acha que o Brasil pode ser um laboratório sobre como produzir alimentos de maneira sustentável.
“Nossos estudos mostram que um país como o Brasil terá crescimento mais rápido se conservar seus recursos naturais”, ele disse em entrevista ((o))eco. Segundo ele, a tendência global é incluir o preço de commodities naturais, entre elas a água, nas negociações internacionais. Neste caso a vantagem para o Brasil seria imediata, acredita Young. Clique para ler o capítulo sobre Água e Economia Verde.
*O repórter viajou a convite da organização da Semana Mundial da Água.
Saiba Mais
Semana Mundial da Água
Entrevista com Alexander Müller sobre segurança alimentar e água
Relatório “Ecossistemas para Água e Segurança Alimentar”
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