Rio de Janeiro — Nas mais de quatro décadas dedicadas à conservação da natureza, o Almirante Ibsen de Gusmão Câmara se tornou um dos decanos do ambientalismo brasileiro. Lúcido, ativo e crítico, aos 90 anos, Ibsen recebeu do Ministério do Meio Ambiente uma homenagem especial nesta quinta-feira, dia 5, por sua dedicação às causas ambientais.
O empenho de Ibsen ocorreu quando pouco se falava de meio ambiente no país. Ele liderou a campanha contra a caça de baleias no Brasil e também foi um grande defensor das Unidades de Conservação, com papel de destaque na criação de parques e reservas na Amazônia. Sua história foi contada por Marcos Sá Correa no livro “Água mole em pedra dura: dez histórias da luta pelo meio ambiente”, de 2006.
A participação de Ibsen foi fundamental também na criação de Unidades de Conservação marinhas, como a Reserva Biológica Atol das Rocas, em 1979, o primeiro Parque Nacional Marinho do país. Atuou também por Abrolhos, em 1983, e por Fernando de Noronha, criado em 1987.
Após entrar para a reserva, presidiu a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), foi conselheiro por mais de 10 anos no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), além de contribuir para a criação de uma dezena de ONGs.
“Em um determinado ponto da minha vida comecei a perceber as barbaridades que eram feitas e isso me levou cada vez mais a me envolver [com o meio ambiente]. Mantenho meu interesse até hoje, estudo todos os dias e acompanho as revistas científicas. Quero estar em dia com o que está acontecendo. Me assusto demais pelo que está havendo no mundo em termos de destruição da vida. Estamos passando por uma das crises ambientais e biológicas mais séries e intensas dos últimos 65 milhões de anos. A humanidade não está percebendo o que está fazendo”, disse durante o encontro desta quinta.
“Eu fiz o que pude, não fiz o que quis, mas o que pude e espero ter dado alguma contribuição. Feliz por saber que há pessoas que apreciam alguma coisa que eu fiz. A juventude é a esperança das coisas melhorarem”, afirmou o almirante em conversa com ((o))eco. “Posso dizer que metade da minha vida, me dediquei à causa ambiental. A minha vocação ambientalista foi porque eu gostava de natureza. Na Marinha, eu colaborava dentro das possibilidades, me dediquei integralmente a partir de 1981, quando me aposentei”, contou.Ibsen aproveitou a homenagem para renovar o compromisso com a causa: “Se a sorte me permitir, continuarei colaborando com o conservacionismo. Pretendo até os últimos dias da minha vida continuar na conservação”.
Testemunha da história
Como militar da Marinha, Ibsen comandou uma flotilha de navios no rio Amazonas e realizou patrulhas ao longo de todo o rio e pelos seus afluentes. O então jovem oficial se deparou com um avançado nível de desmatamento nas áreas por onde navegou. Desde então, passou a manter contato com organizações conservacionistas. Naquela época, na década de 40, pouco se sabia do desastre ambiental que o homem estava ocasionando.
Ibsen acompanhou a trajetória do movimento ambientalista e da política ambiental no Brasil. Em balanço, afirmou existir uma maioria interessada na preservação ambiental, mas que mesmo assim a destruição aumentou. “As pessoas tomam consciência que estamos fazendo uma devastação, mas nossa força não é suficiente para represar isso. Comparando na época quando comecei, o número de pessoas interessadas é infinitamente maior”.
Embora considere que o Brasil “avançou bem” dentro do cenário mundial, não poupa críticas ao chamado desenvolvimento sustentável. Na sua opinião, desenvolvimento e sustentabilidade ainda são incompatíveis. “Uso sustentável para mim é brincadeira, nada mais é que refrear um pouco o ritmo de destruição. Isso não satisfaz”.
Para Ibsen, sem as atuais Unidades de Conservação, “não iria sobrar nada” para conservar no país. Por isso, defende que o Brasil precisa criar ainda mais áreas protegidas, mesmo reconhecendo a dificuldade de resguardá-las e proteger a sua biodiversidade. Sem contar a “pressão violenta” do setor agrícola contra a conservação.
Mais UCs marinhas
A criação de mais unidades costeiras e marinhas ainda é motivo de preocupação. “São pouquíssimas, isso é um problema mundial. Essa é uma área que precisamos avançar muito”, disse Ibsen. Enquanto no mundo há pouco mais de 3% das áreas marinhas nacionais protegidas, o Brasil tem cerca de 1%.
A iminente exploração em larga escala do petróleo na camada pré-sal também é motivo o alarma: “Meu grande receio é que haja um vazamento na camada pré-sal e seja incontrolável. No Golfo do México a 1.500 metros de profundidade, levou-se muito tempo para controlar. Nós vamos conseguir controlar a 7 mil metros? Tenho receio disso. É preciso o máximo de cautela”.
Um ambientalista no poder
Na opinião do secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Roberto Cavalcanti, Ibsen soube se utilizar de um trunfo: ele transitava muito bem nas esferas de poder e de tomada de decisão.
“Pelas características do governo na época e pela sua formação, o almirante Ibsen tinha e tem um acesso que pouquíssimos ambientalistas tinham, além de uma grande credibilidade e ter estudado intensamente o assunto. Foi um momento essencial, uma época que as universidades brasileiras estavam começando a oferecer cursos na área de ecologia”, disse Cavalcanti. “Ibsen foi capaz de trazer questões ambientais para o centro do governo”.
Sua carreira de militar ocorreu, em boa parte, durante o período a ditadura. De 1974 a 1979, no governo de Ernesto Geisel, ocupou o cargo de vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Isso não impediu que ele obtivesse a admiração até de ambientalistas de esquerda.
Após quatro décadas de militância ambiental, ele continua sendo carinhosamente chamado de “Almirante”.
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