Na última semana de outubro, o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro publicou, pela primeira vez em sua história, estatísticas consolidadas sobre crimes e infrações ambientais. Entre os ilícitos catalogados estão atividades poluidoras, crimes contra a fauna e a flora, pesca ilegal e extração de areia.
Quando li a notícia, recapitulei mentalmente o que conheço sobre a história do policiamento ambiental no Rio. Comecei por me lembrar do caso de um Coronel que, entre uma cerveja e outra, contou-me que, ainda tenente, participara de uma ação para desbaratar uma quadrilha de PMs corruptos. No decorrer da missão houve troca de tiros e ameaças de morte. O relator terminou o episódio muito estressado e com dificuldades para dormir e trabalhar. Como prêmio ganhou uma remoção para Columbandê, onde foi lotado no então Batalhão Florestal (BPFMA), onde o comando da corporação acreditava que ele “poderia descansar”.
Iniciei minha vida na conservação nesse mesmo período. Nessa época o (antigo) Batalhão Florestal da PM Fluminense era considerado um lugar para férias dos oficiais estressados e de punição para os praças indisciplinados ou corruptos. Não sou capaz de dizer quanto a fama tinha de verdade. Essa história já tem cerca de 20 anos. O que posso relatar de experiência própria é que desde que tive meu primeiro contato com a Unidade Policial, só vi a situação melhorar. Conheci o Batalhão Florestal em 1998, quando recém-nomeado Chefe do Parque Nacional da Floresta da Tijuca visitei o Tenente-coronel Meinicke, que era o seu comandante.
Desde essa apresentação oficial nunca me decepcionei com o apoio que a PM deu ao Parque da Tijuca. A Prefeitura havia cedido 28 Guardas Municipais para atuarem junto aos servidores do IBAMA, que então era o órgão encarregado da Unidade de Conservação. Esse contingente recebeu um treinamento intensivo de modo a capacitar seus integrantes como guardas-parque, que incluiu combate a incêndios florestais, atendimento ao visitante, eliminação de espécies exóticas invasoras e fiscalização. Uma vez terminado o período de treinamento, todos os dias um grupo composto por pelo menos três deles saía a campo em busca de vestígios de caçadores. Uma vez encontrados rastros, não descansávamos até saber se havia ranchos ou acampamentos. Localizadas essas estruturas, acionávamos o Batalhão Florestal, que jamais falhou em nos apoiar. Em dois anos desmontamos setenta acampamentos.
Depois que saí do Parque, segui acompanhando o trabalho da Unidade pelos jornais e pelos relatos de meus antigos colegas de trabalho. Nunca tive razões para críticas. Só para elogios.
Devido ao histórico de bons serviços prestados pelo Batalhão Florestal, quando, em 2012, o então Secretário de Ambiente Carlos Minc anunciou sua extinção, eu e muita gente temeu pelo desmantelamento total do policiamento ostensivo na área ambiental. Não poderíamos estar mais errados: Minc sabia muito bem o que estava fazendo. A mudança foi para melhor. Não tardou para que qualquer dúvida fosse dissipada. Longe de ser desbaratado, o contingente de PMs do Rio dedicado ao meio ambiente subiu um degrau na hierarquia da Polícia Militar e se transformou no Comando de Policiamento Ambiental. Isso significou deixar de estar subordinado a um comando intermediário para responder diretamente ao Comandante-Geral. Analogamente, sua Chefia passou a ser de Coronel full e não mais de Tenente-coronel.
Tudo isso, contudo, poderia significar pouco mais do que firulas burocráticas. Não foi o caso. A mudança significou uma reinvenção do organograma. As companhias do antigo BPFMA foram extintas. Em seu lugar, inspiradas no sucesso das UPPs, foram criadas sete Unidades de Polícia Ambiental, as UPAms. Cinco dessas UPAms são hoje sediadas em Unidades de Conservação estaduais (Parques estaduais da Pedra Branca, Desengano, Três Picos e Tiririca e Reserva da Juatinga); uma UPAm é destinada exclusivamente ao patrulhamento marítimo, lacustre e fluvial e a outra é móvel, podendo ser deslocada para qualquer região do Estado de acordo com a necessidade.
A tacada foi de mestre. Experiências anteriores, como a do Parque Nacional do Iguaçu e a do Parque Estadual das Dunas, no Rio Grande do Norte já haviam demonstrado que o aquartelamento de Policiais Militares dentro de unidades de conservação produz uma relação de pertencimento entre os policiais e a UC onde estão sediados. Além disso, o momento não poderia ter sido melhor, pois coincidiu com a criação pelo INEA da profissão Guarda-Parques no Estado do Rio. O contato diuturno entre policiais e guardas-parque gerou uma sinergia positiva entre os dois contingentes, maximizando os resultados das atividades de fiscalização e repressão aos crimes dentro e no entorno das respectivas áreas protegidas.
Para primeiro comandante do CPAM foi nomeado o Coronel PM Eduardo Frederico Cabral de Oliveira. Não foi um apadrinhamento, muito menos um “prêmio para descansar”. O oficial era talhado para o cargo. Já tinha larga experiência na área, tendo ele mesmo comandado o antigo BPFMA, bem como o Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (BPTur) cujo trabalho envolve muito conhecimento das unidades de conservação no Rio de Janeiro, já que elas chegam a receber mais de quatro milhões de visitantes por ano.
Eduardo não tardou a dizer a que veio. De pronto estabeleceu uma ponte sólida com o Secretário Minc na Secretaria do Ambiente e como então Diretor de áreas protegidas do INEA, André Ilha. Buscou interagir com a Coordenadoria Integrada de Combate aos Crimes Ambientais (CICCA) e procurou o ICMBio para colocar o CPAm à disposição para atuar mesmo dentro das Unidades de Conservação federais, sempre que necessário. Dessa última iniciativa, nasceu o projeto de se implementar uma UPAm no Parque Nacional de Itatiaia, que posteriormente, por razões burocráticas, não avançou.
Eduardo também trouxe para o CPAm a bagagem que adquiriu quando comandou a Academia D. João VI, Escola de Formação de Oficiais da PM Fluminense. Não estou falando de malas, mas da convicção da importância do treinamento continuado. Desde que assumiu o CPAm, semanalmente, uma manhã é reservada para que seus oficiais e graduados tenham alguma atividade de capacitação. São palestras de parceiros da área ambiental ou cursos específicos, como de GPS, sobre a lei o SNUC ou, ainda, sobre manejo de espécies exóticas invasoras.
Outra melhora implementada por Eduardo foi a criação de concurso interno na PM para a admissão de novos integrantes do CPAm, sejam eles soldados ou oficiais. Hoje a área ambiental da PM não é mais local de punição ou descanso. Quem quiser servir ali tem que ser aprovado em uma prova e demonstrar que já tem algum conhecimento prévio que o credencie para trabalhar com assuntos relacionados à preservação da natureza. Essa modificação na forma de ingresso na Unidade em poucos anos mudou o perfil da tropa ali lotada. Hoje, mais de dois terços dos subordinados de Eduardo têm formação em biologia, geografia, veterinária ou áreas afins.
Conheci a sede do Comando em meados de agosto passado quando, a convite do Coronel Eduardo, fui dar uma palestra para seus oficiais sobre a Trilha Transcarioca. A preocupação do CPAm com as trilhas de longo curso Transcarioca e Caminhos da Serra do Mar não era nova. Meses antes, o Coronel me procurara para que eu o ajudasse a montar viagem de estudos à África com foco nas operações contra caça no Quênia e Zimbábue e com o intuito de conhecer (e aprender com) o esquema de segurança aplicado pela Polícia sul-africana na trilha de longo curso (Hoerikwaggo).
Eduardo não só teve a iniciativa de buscar se capacitar na África, como também convidou e recrutou companheiros de viagem. Quando desembarcou na Cidade do Cabo estava acompanhado de doze pessoas, entre oficiais da Polícia Militar de Brasília, guardas-parques do Rio, Chefes de UC e do competente coordenador da Cicca, José Maurício Padrone.
Terminado o périplo africano, Eduardo começou a colocar em prática um plano de segurança para a Trilha Transcarioca, cujo piloto foi testado no terreno durante a Copa do Mundo e que já começa a ser executado no terreno.
Outro pilar importante do CPAm é a convicção de seus oficiais que os resultados só virão a partir de uma grande interação com os parceiros. Assim visitas são bem vindas à sede do Comando. Entre outros grupos, já estiveram lá em diferentes oportunidades os Chefes de Unidade de Conservação da Coordenaria Regional do ICMBio no Rio de Janeiro (CR 8) e os líderes voluntários do recente mutirão de sinalização da Trilha Transcarioca.
Essas visitas servem para que a Sociedade Civil, bem como outras instituições de Governo, saibam o que o CPAm tem a oferecer e vice-versa, aumentando as sinergias em prol da conservação. Não é pouco. Além das UPAms a estrutura do Comando conta com um núcleo de veterinários, uma equipe de educação ambiental e uma área de inteligência, para quem a informação vinda dos Chefes de Unidades de Conservação e dos montanhistas que cruzam as trilhas cariocas é matéria prima importante. São essas as pessoas que estão no campo todos os dias que observam indícios iniciais de crimes tais como caça, coleta de palmito, invasões e desmatamento. Para o CPAm, a interação entre montanhistas e a PM é fundamental, pois quanto antes as denúncias chegarem às UPAms, mais rápidas serão as ações de repressão aos respectivos ilícitos ambientais.
A sala da equipe de inteligência do CPAm faz lembrar um filme de James Bond, chaveiros com micro filmadoras, canetas que tiram fotografias e toda a sorte de bugigangas que permitem ao agente infiltrado colher informações de qualidade para subsidiar as ações, facilitando as prisões em flagrante.
Para o Coronel, entretanto, o ideal é que essas prisões não precisassem acontecer. Por isso, o CPAm tem uma oficial dedicada exclusivamente a planejar e executar tarefas de educação ambiental. São mais de cem palestras, cursos e oficinas planejadas e executadas todos os anos, para que a redução no número de prisões não seja um sinal de perda de eficiência da Polícia, mas sim do aumento da consciência ambiental dos cidadãos.
O resultado de tanta capacitação e dedicação à atividade fim é uma tropa motivada, eficiente e apaixonada pelo que faz. Por isso ninguém se surpreendeu quando oficiais do CPAm, de folga, apareceram para trabalhar como voluntários no mutirão da Trilha Transcarioca. Eles gostam tanto do que fazem, que procuram a natureza até para passar suas horas livres.
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