Colunas

A toque de caixa

Está no Congresso um projeto que dá no máximo 180 dias para sair a licença de obras que melhorem a qualidade ambiental. Cheira bem. Mas pode pegar mal.

11 de novembro de 2004 · 20 anos atrás

Atualmente sob exame na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, o projeto de lei nº 4.265/04, do deputado Julio Lopes pode ser uma boa alternativa para acelerar projetos de melhoria ambiental, mas dá todos os sinais de que vai causar polêmica.

O texto do projeto pretende inserir na Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente, um parágrafo limitando em seis meses o prazo para o licenciamento da implementação e execução de atividades e empreendimentos “destinados a recuperar, melhorar ou manter a qualidade dos recursos hídricos, das praias, do solo, e do ar”.

Como explica o deputado na exposição dos motivos, a medida tende a beneficiar o meio ambiente, impedindo que se arraste por anos a fio o processo para a autorização de obras que, em princípio, o meio ambiente pede com urgência. Segundo ele, demorado como costuma ser, o licenciamento ambiental, concebido para proteger o meio ambiente de danos desnecessários, acaba tendo efeito contrário.

Isso porque todas as obras das quais decorre algum impacto ambiental passam pelo mesmo processo de licenciamento, o que atrasa por exemplo a instalação de estações para tratamento de esgotos, emissários, usinas de separação e compostagem do lixo e aterros sanitários. Se fizerem mesmo o que prometem, essas obras deveriam ser realizadas o mais rápido possível, pois tendem a melhorar o precário sistema de tratamento sanitário das cidades brasileiras. A justificativa do projeto lembra que só no ano 2000 Belo Horizonte ganhou a primeira estação de tratamento, com capacidade para filtrar um quinto do que produz a rede de esgotos da capital mineira.

Atualmente, depois de receber todos os documentos de que necessita para licenciar um projeto de considerável impacto ambiental, o IBAMA tem até dezoito meses para responder, concedendo a licença prévia e as licenças de instalação e de operação. Parece muito tempo, mas nem sempre é. É claro que seria bom liberar o mais depressa possível os projetos que prometem melhorar a qualidade ou reduzir o impacto ambiental da presença humana. O problema é sabe saber se eles vão fazer isso mesmo. Isso recomenda cautela e atenção aos detalhes. Uma estação de tratamento de esgotos mal feita ou mal projetada pode provocar danos ambientais até maiores que os do esgoto in natura. Num grande empreendimento, uma tubulação que se rompe pode lançar, de uma só vez, toneladas de esgoto no ambiente. É o tipo do vazamento que vai parar nas primeiras páginas dos jornais quando já é tarde.

O licenciamento ambiental é um dos mais valiosos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente e, durante o processo, inúmeros aspectos deveriam ser considerados e verificados. Um licenciamento ambiental feito a toque de caixa pode causar problemas de difícil ou impossível reversão. Está aí o caso da Usina Hidrelétrica de Barra Grande que não me deixa mentir. Concedido com base num Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente escancaradamente fraudulento, a usina recebeu a licença de instalação do IBAMA, que pelo visto não foi ao local, um trecho do rio Pelotas, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde há matas primárias e campos naturais protegidos por lei, para ver se o que estava no papel correspondia à realidade.

Se pelo menos nesse caso o IBAMA mostrou que foi capaz de fazer o serviço direito num ano e meio, é difícil acreditar que o faria no prazo de seis meses. Sempre existirá o risco de se licenciar um projeto sobre premissas equivocadas. Relatórios de impacto ambiental podem ser manipulados para dar a impressão de que uma obra traz benefícios ambientais quando, na verdade, isso não ocorre. Esse risco provavelmente aumenta com a pressa.

O jeito é deixar tudo como está? Não. Uma forma de minimizar o risco de fraudes seria criar melhores instrumentos para punir os envolvidos na elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental incompleto, mentiroso ou fraudulento. A Lei nº 9.605/98, dos crimes ambientais, por exemplo, deveria trazer menção expressa a essa conduta, transformando-a em crime. Se ela pune como criminoso quem introduz no Brasil espécime animal sem a devida licença, deveria punir, com rigor redobrado, quem, através de fraude, quem tapeia as autoridades como no caso de Barra Grande ou as autoridades que se deixam facilmente. Aí, sim: a pressa poderia ser amiga da perfeição.

Leia também

Reportagens
27 de dezembro de 2024

Poluição química de plásticos alcançou os mais antigos animais da Terra

Estudos identificaram que proteínas geradas nas próprias esponjas marinhas eliminam essas substâncias prejudiciais

Reportagens
26 de dezembro de 2024

2024 é o primeiro ano em que a temperatura média da Terra deve ultrapassar 1,5ºC

Acordo de Paris não está perdido, diz serviço climatológico europeu. Confira a galeria de imagens com os principais eventos extremos de 2024

Salada Verde
26 de dezembro de 2024

Obra milionária ameaça sítio arqueológico e o Parna da Chapada dos Guimarães, no MT

Pesquisadores, moradores e empresários descrevem em documentário os prejuízos da intervenção no Portão do Inferno

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.