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O preço de uma montanha III

Reuniões com empresários, ambientalistas, diretores de parques e órgãos ambientais podem ser o primeiro passo rumo à mineração sustentável no Espírito Santo.

15 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás

Seguindo em busca de soluções para o problema da extração irregular de granito nas montanhas do Espírito Santo, o Instituto Estadual de Meio Ambiente – Iema, órgão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Seama, realizou, nos últimos dias 9 e 10 de dezembro, duas reuniões para discutir a questão com quem mais entende do assunto: os mineradores. O resultado, se não passar de mera declaração de intenções e for, realmente, posto em prática, pode ser a luz no fim do túnel.

Caminhando junto

Realizadas em Castelo e em Venda Nova do Imigrante, dois municípios próximos aos parques estaduais de Forno Grande e Pedra Azul, as reuniões não pretendiam tratar do problema em toda a sua extensão (territorial, mesmo). O objetivo era debater, tão-somente, como conciliar as extrações com a existência dessas duas unidades de conservação. É uma meta ambiciosa: apenas na zona de amortecimento dessas duas UCs existem cerca de 80 lavras de rochas ornamentais (aproximadamente 400 registradas no Estado, fora as clandestinas, que podem chagar a quase o dobro desse número). A grande maioria delas, hoje, não observa as normas de extração que visam minimizar os impactos da exploração mineral. O impacto visual e ambiental é enorme.

Nos encontros forma feitas explanações sobre a legislação ambiental relacionada à extração mineral; sobre os impactos ambientais causados pela atividade; sobre as unidades de conservação da região e a fauna e a flora que elas abrigam; sobre as atividades – como o turismo e a agropecuária – que podem substituir a mineração enquanto fonte de renda; e sobre os meios que podem ser utilizados para minimizar o impacto ambiental da extração de rochas e para facilitar a recuperação ambiental da área degradada. Falou-se, também, sobre a própria mineração e sobre as riquezas, os empregos e a renda que a atividade gera, hoje, no Espírito Santo.

Mas pelo menos para quem foi aos encontros, existe hoje uma esperança de mudar esse quadro. O que se viu foi uma convergência rara – embora imersa, muitas vezes, em argumentos estapafúrdios – entre os discursos de mineradores (que compareceram em grande número), ambientalistas e montanhistas, no sentido de que se parar a extração de granito e mármore na região não é – infelizmente – uma alternativa realista, esta deverá ser feita rigorosamente nos limites da legislação ambiental. Ou seja – e esse foi o discurso, acreditem, do presidente do Sindirocha, o sindicato dos mineradores, presente nas reuniões: quem se adequar à lei, poderá continuar a exploração e quem a infringir, deverá ser punido rigorosamente, inclusive com a prisão. Trata-se de um momento raro. Se o clima que antecedeu as reuniões era carregado de uma sensível tensão – havia vazado um boato de que o encontro serviria para anunciar o fim da atividade mineradora na região – ao final o que se via eram mineradores e montanhistas trocando elogios e cartões de visita; ambientalistas e donos de mineradoras trocando idéias sobre turismo e tapinhas amistosos nos ombros.

Foi anunciado, ainda, pelo Iema, que a Assembléia Legislativa do Espírito Santo acabara de promulgar um projeto de lei que visa facilitar a fiscalização sobre a procedência das rochas que circulam por dentro do Estado e acabam nos teares capixabas – onde os blocos são processados e cortados em placas. Nesse ponto, há um problema. O Espírito Santo recebe, também, rochas do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e da Bahia, para serem exportadas pelo porto de Vitória e ao menos que estes três Estados também se comprometam a certificar a procedência de suas rochas, a nova legislação ficará praticamente sem condições de ser aplicada. Pensando nisso, e por sugestão do próprio Iema, o montanhista e ex-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Rio de Janeiro, André Ilha – que também esteve presente na primeira das reuniões, defendendo o turismo como alternativa de renda à mineração – encaminhou cópia da lei capixaba para o Deputado Estadual Carlos Minc, do Rio de Janeiro, com o objetivo de incentivar a criação de algo similar por aqui. Aguardemos notícias.

Formato novo, idéia velha

As reuniões promovidas pelo Iema lembram muito as audiências públicas, inseridas nos processos de licenciamento brasileiros para levar à análise do público em geral – especialmente àquelas pessoas direta ou indiretamente atingidas – os projetos cuja implementação poderá causar danos ambientais significativos. Criadas pela Resolução CONAMA n° 9/87, são o instrumento através do qual se dá publicidade aos Estudos Prévios de Impacto Ambiental, conforme determinado no art. 225, § 1°, IV, da Constituição Federal.

Mesmo sendo apenas obrigatórias nos estados cujas legislações assim determinem – ou quando requeridas pelo Ministério Público, por entidade civil ou por, pelo menos, 50 cidadãos – costumam ser uma rara oportunidade para a comunidade e a Administração Pública trocarem idéias sobre um determinado empreendimento. Não obstante, são pouquíssimo aproveitadas no Brasil, onde muitas vezes são encaradas como um verdadeiro castigo tanto pelos empreendedores – que temem ter seus projetos criticados e rejeitados pela população – quanto pelos órgãos licenciadores. As suas atas, juntamente com o RIMA, podem ser usadas como base para a aprovação ou não de um projeto pelo licenciador.

A iniciativa dos órgãos ambientais capixabas, embora não voltadas para o licenciamento de nenhum projeto específico, tiveram, mais ou menos, a mesma função das audiências públicas: unir todos os envolvidos pelo problema na busca de um caminho que torne a atividade mineradora viável no entorno das unidades de conservação, pelo menos naquela região. Na pior das hipóteses, os mineradores saíram de lá sabendo um pouquinho mais sobre meio ambiente e com a consciência de que existem alternativas para se ganhar a vida em um lugar tão rico em recursos naturais, à destruição desses mesmos recursos. Na melhor das hipóteses, esses mesmos mineradores saíram de lá sensibilizados e o que se viu foi o início de um importantíssimo processo de reeducação ambiental, que pode levar à salvação das belezas naturais e do potencial turístico do Espírito Santo.

Os verdadeiros efeitos devem estar em algum ponto entre esses dois extremos. Ninguém vai, de uma hora para a outra, por livre e espontânea vontade, começar a cumprir rigorosamente a legislação ambiental. Isso quer dizer que, embora o trabalho dos órgãos ambientais possa ter se tornado um pouquinho mais fácil com a compreensão dos mineradores acerca do problema e com o compromisso do próprio Sindirochas de apoiar a punição de quem desrespeitar as leis, não será nada simples. Ainda há muito a ser feito para que o que foi dito nesses dois dias de conversas não se torne apenas letra morta, em um pedaço de papel que só será usado para angariar votos em alguma propaganda de TV.

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