O National Environmental Policy Act – NEPA, que define a política ambiental dos Estados Unidos e é a principal lei daquele país sobre o tema, deverá ser modificado em breve. Segundo noticiou o Washington Post do último dia 6 de janeiro, um grupo de congressistas (NEPA Task Force) já foi definido para averiguar quais são os pontos da lei – de 1970 – que devem ser atualizados, com o objetivo de tornar sua aplicação mais ágil e para que ela deixe de ser um empecilho desnecessário a alguns projetos.
A iniciativa deixou alguns ambientalistas de cabelos em pé, já que o NEPA é a lei que controla as atividades federais de significativo impacto ambiental nos EUA, obrigando as agências governamentais a elaborarem estudos prévios de impacto ambiental e a submeterem seus projetos ao crivo do público. Ela é tão abrangente que, segundo a reportagem do jornal, o governo dos EUA realiza 50 mil estudos ambientais prévios por ano. A modificação de uma norma assim, se malfeita, portanto, é motivo suficiente para fazer soar o alarme dos ambientalistas. Ainda mais se considerarmos o caminho que têm tomado as mais recentes medidas ambientais da administração Bush. Mas há, afinal, motivo para preocupação?
O NEPA, em resumo
O NEPA, mais do que uma lei específica sobre um determinado assunto ambiental, é uma exposição de princípios que devem ser seguidos pela Administração quando da implementação de projetos com relativo impacto ambiental. Justamente por esse motivo, hoje com 36 anos – recém-completados, já que ela foi promulgada no dia 1º de janeiro de 1970 –, ainda é chamada de “Constituição Ambiental” dos EUA. Além disso, sua importância é considerada enorme justamente pelo fato de que ela traz a possibilidade de participação ativa ao público atingido por um determinado projeto governamental.
Mas nem tudo são flores. Após mais de três décadas de valiosos serviços – o NEPA foi concebido, em regime de urgência, para refrear os impactos ambientais que o crescimento industrial e a corrida armamentista nuclear trouxeram para os EUA após a Segunda Guerra Mundial – o NEPA é apontado hoje como a origem de uma burocracia excessiva e contraproducente e de confusões e distorções quanto a seus termos, além de originar um número desmedido de processos judiciais. Isso tudo, alegam os defensores da modificação da lei, tem atrapalhado a implementação de projetos importantes, inclusive de uma barragem que poderia ter salvado Nova Orleans da fúria do furacão Katrina.
Outro ponto atacado é a freqüência com que as exigências estabelecidas no NEPA sobrepõem-se a exigências encontradas em outras normas ambientais. Ou seja, com freqüência, para atenderem a todas as determinações legais, os empreendedores acabam fazendo o mesmo estudo mais de uma vez. Isso gera ainda mais problemas: os relatórios finais de avaliação e impacto ambiental, atualmente têm, em média, 742 páginas (dados de 2000). Dependendo do projeto, chegam a ter milhares. Com isso, demoram muito mais tempo para serem elaborados, tornando-se vagos. Isso acaba impedindo que o público em geral tenha acesso a todo o seu conteúdo, seja por falta de tempo ou de paciência.
O custo que as agências devem incorrer para adequarem-se ao NEPA também tem sido um argumento muito utilizado pelos que defendem a reforma da lei. Ele vem crescendo a cada ano, atingindo atualmente a média de US$ 7 milhões.
Esses são apenas alguns dos argumentos a favor da reforma do NEPA. Outros que poderiam ser citados são a falta de coordenação entre as agências do governo, que contribui para um atraso ainda maior na conclusão dos trabalhos.
Mais problemas ou soluções?
Todos esses problemas, em tese, apontam para a necessidade de atualizar a lei. O que causa temor nos ambientalistas, no entanto, é a maneira como essa atualização será feita (lembrando-se, mais uma vez, que a administração Bush, nos últimos tempos, apresentou projetos legislativos para aumentar a quantidade de gases poluentes que podem ser lançados pelos parques industriais nos EUA e para reduzir o consideravelmente o número de indústrias que têm que apresentar relatórios anuais de despejo de poluentes, entre outras pérolas).
O relatório preliminar do grupo de congressistas designado para avaliar a real situação da lei – este relatório está disponível para o público, que é estimulado a fazer comentários e sugestões, no site – parece bastante sensato e equilibrado (vale a pena dar uma olhada). Elaborado após sete audiências públicas, em diversos estados, o relatório, embora ao final de suas 30 páginas chegue à conclusão de que é, realmente, necessária a atualização do NEPA, desmistifica, sem qualquer constrangimento, alguns dos argumentos pró-reforma.
Por exemplo: o trabalho do grupo derruba a idéia de que o processo de licenciamento previsto no NEPA geraria um sem-número de processos judiciais sem sentido, que em muitos casos serviriam apenas para atrapalhar, propositalmente, o desenvolvimento de determinados projetos. Como fica claro no documento, isso não é verdade. Em 2004, apenas 156 processos judiciais foram ajuizados com base no NEPA. Desses, em apenas 11 foram concedidas medidas liminares que obstaram o andamento de algum procedimento administrativo. Em 2003, esse número caiu para 128 processos, com 6 liminares. Em 2002, 150 processos e 27 liminares. Ou seja: se considerarmos que 50 mil procedimentos de licenciamento são iniciados, a cada ano, com base na lei, o percentual deles que acaba nos tribunais é ínfimo, em torno de 0,2%. Isso reforça a tese dos ambientalistas de que o problema não está na lei em si, mas na forma como ela vem sendo implementada.
No final, o relatório traz sugestões preliminares sobre como resolver os principais problemas por ele apontados. Algumas sugestões são bastante razoáveis, como melhorar a definição de certos conceitos-chave; o estabelecimento de prazos para a conclusão de cada fase dos procedimentos; limitar o número de páginas dos relatórios de impacto ambiental; e a criação de grupos de estudo sobre a interação do NEPA com outras legislações ambientais.
Outras, com certeza, causarão polêmica. Por exemplo, a sugestão de que se criem critérios mais justos – no sentido de apertados – para o cabimento de ações judiciais relacionadas aos procedimentos da lei (sugestão essa que se propõe a resolver um problema que o próprio relatório demonstra não existir); ou a sugestão de que as “alternativas viáveis” que todos os projetos são obrigados a considerar em seus processos de licenciamento, sejam limitadas àquelas “técnica e economicamente viáveis” (que, com certeza, colocará ambientalistas exigindo valores e soluções técnicas em níveis demasiadamente elevados e empreendedores e agências puxando-os demasiadamente “para baixo”).
Alguns ambientalistas têm se queixado da linguagem utilizada no relatório. Segundo eles, ela seria muito vaga, dando abertura a distorções e abusos na hora da implementação que poderiam minar os princípios fundamentais contidos na lei.
O processo e as discussões seguem. Já que nós, os brasileiros, não somos convidados a dar pitaco na internet sobre o relatório (por não sermos diretamente atingidos pelos desdobramentos desse processo), nos resta aguardar as cenas dos próximos capítulos.
Leia também
Três COPs e uma solução: povos tradicionais precisam estar no centro do debate
É crucial buscar um olhar integrado que considere e valorize a gestão, governança e conservação de forma holística, especialmente dos territórios coletivos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais →
Supremo barra a emissão automática de licenças para empreendimentos de médio porte na Bahia
Liberadas eletronicamente, as permissões foram criadas em governos estaduais e apoiadas por empresariado e agronegócio →
Justiça ambiental: A luta pela vida na América Latina
Quando esvaziamos o debate ambiental e o reduzimos à "crise climática", corremos o risco de nos distanciar do ponto central: o uso indiscriminado da natureza como recurso →