Colunas

Agronegócio poderá ficar em situação tão desconfortável quanto o Direito Ambiental em 2019

Surpresas poderão ocorrer, de modo a desagradar em igual proporção setores que até aqui pareciam antagonizar no cenário político e acadêmico

6 de janeiro de 2019 · 6 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

Soja, o principal produto exportado pelo Brasil. Foto: Pixabay.

O pregão da Bolsa de Chicago mostrava-se estável em 25 de outubro de 2018, retratando o momento de calmaria no mercado internacional da soja. Analistas de mercado da Agência Resource Mercosul (ARC) asseveravam que a estabilidade decorria da falta de notícias que pudessem alimentar uma tendência diversa em curto-prazo. O foco do mercado estava nos resultados de produtividade dos campos nos EUA e no progresso de plantio no Brasil. Problemas pontuais com a nova safra norte-americana do grão, em razão do excesso de umidade em parte das lavouras, acabava acarretando perda de peso e qualidade. Enquanto isso, no Brasil, a semeadura evoluía de forma bastante satisfatória e eventuais percalços eram apenas pontuais.

Questões como esta não podem mais ser ignoradas pelos profissionais da área do Direito Ambiental, que deverão estar atentos à evolução legislativa, jurisprudencial e doutrinária que poderá ocorrer ao longo dos próximos anos no Brasil. É de se prever que será dado menor destaque a temas relacionados à proteção da biodiversidade (áreas RAMSAR, proteção de espécies ameaçadas de extinção e assuntos correlatos) e, ao mesmo tempo, realçada a interface com tudo o que disser respeito à atividade agronegocial. Isto significa que o Direito Ambiental deverá cada vez mais voltar-se à compreensão do sistema agroindustrial, à teoria da agricultura empresarial, à gestão de risco da produção agrária e às questões jurídicas que permeiam a obtenção de linhas de crédito para investimento na área rural. Isto sem nos olvidarmos de temas já tradicionais – cadastro ambiental rural (CAR), áreas de preservação permanente, legislação sobre biotecnologia, agrotóxicos etc.

Fato é que esta tendência não nasceu hoje e vem sendo gestada há pelo menos duas décadas. São cada vez mais aprofundados os estudos jurídicos a respeito do papel desempenhado pela agricultura na economia brasileira, contudo sem a imprescindível participação da doutrina mais abalizada do Direito Ambiental. O Direito Agrário, bastante difundido já nas décadas de 1960 e 1970, transmudou-se em Direito do Agronegócio e passou a conviver de forma nem sempre muito harmoniosa com o Direito Ambiental.

De qualquer forma, está hoje cada vez mais difundida a expressão “Direito Agroambiental”, havendo concursos públicos de ingresso na Magistratura que tratam, num mesmo tópico, do estudo das regulações econômicas e comerciais atinentes à atividade agro-silvo-pastoril ao lado de questões relacionadas, por exemplo, ao sistema nacional de unidades de conservação.

“Não há dúvida, no setor do Agronegócio, que qualquer distanciamento político do Brasil com a maior potência econômica do mundo oriental poderá quebrar esse círculo virtuoso (para o setor ruralista) experimentado ultimamente em nosso país.”

Cabe lembrar que, já em agosto de 2014, o Instituto Nacional de Recuperação Empresarial realizava em São Paulo o “Congresso Internacional Direito do Agronegócio – Perspectivas do Setor Rural no Mercado Globalizado”, que contou com a participação do então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini (autor do livro “Ética Ambiental” e membro da Câmara Especial de Meio Ambiente do TJSP em sua primeira formação). Numa leitura apressada, poderia parecer que o novo Governo Federal, aparentemente, estaria mais voltado a prestigiar o Direito do Agronegócio do que o Direito Ambiental. Todavia, surpresas poderão ocorrer, de modo a desagradar em igual proporção setores que até aqui pareciam antagonizar no cenário político e acadêmico.

Há alguns dias (02.01.2019), a Secretaria de Comércio Exterior informou que nosso país exportou um recorde de quase 84 milhões de toneladas de soja em grão em 2018. Referido órgão destacou também a ocorrência de aumento nas vendas de café, mas quedas expressivas nas de açúcar e milho após safras menores. Segundo o site G1, houve uma elevação de 23,1% no volume de soja exportado no ano passado, em comparação com 2017. Os números indicam a pujança da atividade desenvolvida pelos sojicultores brasileiros, que “impulsionaram as vendas no último ano na esteira do maior apetite da China, que taxou a oleaginosa norte-americana em razão de uma série de disputas comerciais e teve de se voltar ao produto sul-americano para suprir a demanda doméstica”.

Não há dúvida, no setor do Agronegócio, que qualquer distanciamento político do Brasil com a maior potência econômica do mundo oriental poderá quebrar esse círculo virtuoso (para o setor ruralista) experimentado ultimamente em nosso país. Prossegue o veículo jornalístico no seguinte entendimento: “Os negócios entre as duas maiores economias do mundo voltaram a ocorrer no fim de 2018, graças a uma trégua na guerra comercial, mas ainda em ritmo lento. Também favoreceram as exportações brasileiras uma safra histórica de cerca de 120 milhões de toneladas de soja” (Fonte: G1).

Não é demais lembrar que, em 2017, foi o setor agropecuário brasileiro o maior responsável pelo crescimento em 1% do PIB (seu crescimento de 13% correspondeu a 7/10 daquele 1%, alcançando o melhor resultado anual da série histórica iniciada em 1996).

Nesse contexto, é preciso atentar para os efeitos que advirão da orientação a ser adotada pelo atual Governo Federal em sua política internacional de aproximação com os Estados Unidos e Israel. Isto porque está muito claro que o governo Donald Trump vem ostensivamente tomando medidas protecionistas em favor do setor agrícola de seu país e não se deve esperar que irá permitir que o Brasil continue a se beneficiar da maré favorável às exportações de soja para a China em detrimento do agronegócio dos EUA. A China não se compadecerá com vacilações de seus aliados comerciais por conta de delírios ideológicos. Decisões tomadas de afogadilho, por razões puramente ideológicas e religiosas (turismo para Jerusalém por fiéis de igrejas neopentecostais) poderão ter um custo elevadíssimo para o setor ruralista brasileiro, sem que isso reverta em qualquer benefício para a proteção da biodiversidade ou para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Seria, sem dúvida, o pior cenário para o país.

 

Leia Também 

A quem aproveita acabar com a biodiversidade?  

Discurso ambiental num país bipolar: o que a ararinha-azul tem a ver com estas eleições?

Temer consegue retirar os “entraves ambientais” apontados por Lula

 

Leia também

Colunas
14 de maio de 2018

Temer consegue retirar os “entraves ambientais” apontados por Lula

Passaram-se doze anos e finalmente os “entraves ao crescimento” começam a ser desmontados, a partir da publicação da Lei n. 13.655/2018

Colunas
16 de outubro de 2018

Discurso ambiental num país bipolar: o que a ararinha-azul tem a ver com estas eleições?

De nossa parte, trata-se apenas de verificar, dentre as opções apresentadas no cardápio eleitoral, qual é aquela que oferece menos risco à vida no planeta Terra

Colunas
7 de novembro de 2018

A quem aproveita acabar com a biodiversidade?  

Está na hora de unir de todos aqueles que desejam legar aos seus filhos e netos um país ecologicamente equilibrado, apto a oferecer uma sadia qualidade de vida

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 3

  1. Paulo diz:

    O que vale é o dindin, não importa de onde virá, desde que eu ganhe também. Não esqueçam quem são os grandes produtores de armas.


  2. Eder diz:

    Puramente ideológico é se aliar com ditaduras. Se alinhar com quem respeita a democracia é ideologia, então que seja.


    1. Tio Sam diz:

      No comercio internacional não existem aliados, no máximo interesses comerciais mútuos. Todos querem ganhar…, em benefício próprio os EUA apoiam ditaduras mundo afora, quando lhes convém é claro… o resto é demagogia …