E esse mês tivemos a Black Friday. Sem falar na questão ética dos jeitinhos onde muitos produtos custam a metade do dobro, esse é um evento com impacto ambiental grande. Que fique claro que não sou contra o comércio ou torço contra a economia do país – agora virou moda ser tachado de antipatriota quando se questiona algo publicamente – ao contrário; acho que precisamos incluir a sustentabilidade ambiental como um dos pilares da nossa economia.
Mas é preciso internalizar esse discurso. De nada adianta saber sobre a importância da biodiversidade, dos benefícios que ela traz (os chamados serviços ecossistêmicos), do quão atual é considerar o risco climático e as oportunidades de negócios oriundas da bioeconomia, se não incluirmos isso de forma clara e objetiva nos programas de governo, no planejamento estratégico das empresas e no fluxo de caixa dos negócios.
Os números a favor dessa inclusão falam por si só: mais de 400 milhões de reais por ano são entregues aos municípios brasileiros por meio do ICMS ecológico (uma política de repasse fiscal adotada por vários estados do Brasil), o ecoturismo alavanca 2,2 bilhões de reais por ano (e sempre dizemos que podemos ser muito melhor no ecoturismo), o corte seletivo de madeira legal gera 2,25 bilhões de reais por ano para a economia do país. Na Amazônia, o volume de recursos oriundos do comércio de produtos não madeireiros já é 10 vezes maior que o da soja plantada por lá.
Quando o governo federal diz que o Brasil tem que receber, no mínimo, 10 bilhões de dólares por ano como compensação por proteger florestas, ele precisa dar garantias aos outros países e aos investidores de que o ambiente (sobretudo florestas) pelos quais eles pagam para continuar em terras tupiniquins, de fato continuará ali.
Contudo, sem garantias não há como investir. Me parece uma conclusão lógica de uma matemática primária; mas não é essa a mensagem que o governo tem passado. Para mim, o foco está no lugar errado. Recursos de fora são bem-vindos, mas temos o enorme dever de casa de fortalecer nossa bioeconomia interna e fomentar práticas sustentáveis no campo e nas cidades. Mas ao contrário, aqui debaixo da linha do Equador parece ocorrer uma Black Friday dos grileiros, dos que desmatam ilegalmente, de quem polui o ar e os corpos d’água. Deu a louca no patrão: queima total de florestas, petróleo… liberou geral; até o licenciamento está mais barato.
Vejam que tudo isso acontece em uma esfera macro. Mas a Black Friday é para o consumidor final e o que importa é comprar barato. Não importa se o cidadão de fato precisa daquele produto, não importa se ele tem baixa qualidade comparado com outros similares, não faz diferença se vamos acumular toneladas de resíduos daqui a um ano, um mês… está barato! Compre, compre, compre.
Até 2050 a expectativa é que 70% das pessoas do mundo vivam em cidades. Isso gera um volume de resíduos gigantesco que acaba em lixões, aterros ou redes de água e esgoto. Finalmente, vão parar no oceano. E as pessoas custam a entender a diferença entre um produto reciclável e a possibilidade real dele ser reciclado. No Brasil, apenas 3% do lixo não orgânico é, de fato, reciclado. Aliás, reciclar é sempre a última opção. Lembra dos cinco Rs? Recusar, repensar, reduzir, reutilizar e reciclar. Sem dúvida, os dois primeiros são os que fazem mais diferença.
Quer mais dados: o equivalente a um caminhão de lixo por minuto é despejado no mar. Há estimativas que afirmam que em 2050 teremos mais plástico que peixes no oceano. O microplástico já está no nosso sal marinho, comprado no supermercado e consumido em casa. Tem muita coisa errada no mundo e enquanto a sociedade não mudar seus hábitos de consumo, enquanto o consumismo for sinônimo de status social (compro, logo existo), não vamos sair da insustentabilidade da sociedade brasileira e mundial.
Meu conselho? Compre conscientemente. Reflita sobre suas reais necessidades, sua compra, a embalagem do seu produto, de quem você compra, onde é feito o que você comprou, de onde vem a matéria prima para o seu produto… é um exame de autoconsciência, eu sei. Mas é preciso.
Para não dizer que sou radical, confesso que vou comprar na Black Friday. Mas já fiz meu autoexame e decidi comprar livros. E desculpem a coluna com vários assuntos, mas é Black Friday e minha associação livre está à preço de banana.
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Isso devia ser dito pras pessoas que vivem de avião o ano todo falando asneira em tudo quanto é lugar, já que gostam de falar em "pegada"… Mas geralmente acaba caindo em cima do seu Francisco que quer trocar o celular.