Desde que o conceito de economia verde foi formalizado por um documento do Programa de Meio Ambiente da ONU, em 2008, há uma intensa discussão sobre o que é e como transformar esse conceito em práticas de mercado.
Para oferecer consistência a esse debate, o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e o Insper elaboraram uma série de dez diálogos com especialistas, economistas, acadêmicos e empreendedores, para esmiuçar o conceito e oferecer caminhos a serem trilhados pelos mais diversos atores, da economia e da sociedade, em uma transição para a economia verde sustentável.
O primeiro diálogo, em maio de 2024, reuniu Luciane Moessa de Souza, especialista em finanças sustentáveis na Soluções Inclusivas e Sustentáveis (SIS), Tulio Notini, que trabalha na Yunus Negócios Sociais, Denise Hills, conselheira do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e Adriano Scarpa, gerente de Mudança do Clima na Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). O pano de fundo dessa primeira edição foi o Plano de Transformação Ecológica apresentado pelo governo federal e os novos instrumentos que estão sendo debatidos no Congresso Nacional.
Logo na abertura, Priscila Claro, diretora do Insper e líder do Centro de Sustentabilidade da entidade, deixou claro que, apesar das complexidades envolvidas no desenvolvimento dos mecanismos que compõem a economia verde, o lema deve ser o bordão “não vamos deixar ninguém para trás”, em um alerta sobre o implícito combate à desigualdade que deve pautar a construção dessa nova economia.
Carolina Mattar, diretora executiva do IDS, reforçou a necessidade de ser estabelecida, em todos os processos que compõem a estruturação da economia verde, a meta de universalizar os direitos sociais e os benefícios de uma economia inclusiva e com maior capacidade distributiva. Ela explicou que o Plano de Transformação Ecológica, lançado dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), hoje está organizado em seis eixos prioritários.
O primeiro é finanças sustentáveis, que prevê a regulamentação do mercado de crédito de carbono, dos títulos soberanos sustentáveis, do Fundo Clima, dos tributos de incentivos sustentáveis e dos incentivos verdes para investidores. O segundo é o eixo de adensamento tecnológico, que estimula incentivos e recursos para pesquisa, desenvolvimento e investimentos numa economia de baixo carbono.
O terceiro eixo é o de bioeconomia e sistemas agroalimentares, que propõe ampliação na produção de artigos com origem em recursos naturais para exportação, incentivos para maior produtividade da agricultura familiar, investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área de biotecnologia, pagamento por serviços ambientais e restauro de matas nativas, além da integração do Plano Safra ao Plano ABC (agricultura de baixo carbono).
O quarto é o eixo de transição energética, com incentivos à redução das emissões de carbono, fomento ao hidrogênio verde e à descarbonização de frotas com a diminuição da utilização de combustíveis fósseis.
O quinto é o eixo de economia circular, que prevê a mudança nos padrões de produção e consumo, com ações de logística reversa, ampliação da coleta seletiva e da tecnologia para tratamento de resíduos, além do uso de biodigestores e aumento da cobertura de saneamento básico.
E, por último, o eixo de nova infraestrutura verde, que propõe medidas de adaptação às mudanças climáticas em obras públicas, em especial para redução de riscos de desastres naturais e programas específicos voltados para municípios vulneráveis.
Todas essas metas devem dar prioridade ao alinhamento a políticas de inclusão social e à capacidade de alavancar investimentos públicos e atrair o capital privado.
O objetivo dos Diálogos Setoriais para uma Transição Econômica Verde Sustentável é debater com setores estratégicos da economia e entender como eles vêm se adaptando a partir dessa nova realidade das mudanças climáticas.
Para os próximos Diálogos, o IDS e o Insper pretendem abordar experiências e inovações com as melhores práticas nos setores de agricultura e pecuária, reflorestamento, energia, transporte, construção civil, indústrias de transformação, serviços, saneamento básico e resíduos sólidos.
Esse esforço de abordagem multissetorial é importante e necessário para que a transição para a economia verde seja orgânica e sinérgica.
O eixo da economia florestal
Um dos temas abordados nesse primeiro Diálogo foi a economia florestal, uma vertente importante para a oferta de matérias primas para diversas indústrias, além de colaborar com a ampliação do estoque de carbono retirado da atmosfera.
O convidado para falar sobre essa área foi Adriano Scarpa, gerente de Mudança do Clima na Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). Ele explicou que o mercado de floresta plantada pode ser um vetor de sustentabilidade muito importante, a partir do uso de madeira como matéria-prima para diversos setores da economia, como a substituição de aço e concreto em obras de construção civil. “Ainda há um certo preconceito, mas esse material é muito utilizado em estruturas nos Estados Unidos e na Europa”, contou. Para ele, será necessária uma renovação de conceitos em arquitetura e engenharia para incorporar esse material renovável e seguro nos projetos.
Adriano apontou que, quando a madeira é utilizada para projetos arquitetônicos, mobiliários e outros usos não destrutivos, o carbono contido no material fica aprisionado durante todo o ciclo de vida, o que pode levar décadas ou, em alguns casos, centenas de anos. “Além disso, os resíduos do manejo da indústria florestal podem ser utilizados para a geração de energia limpa”, destacou.
Outro fator apontado por Adriano é que os compromissos assumidos pelo Brasil em suas NDCs, apresentadas no Acordo de Paris, preveem a restauração de grandes áreas degradadas nos diversos biomas brasileiros. A indústria florestal pode ter um papel fundamental no desenvolvimento de projetos de restauração e regeneração de ambientes degradados. No entanto, ele lembrou que já existem inúmeros projetos de adaptação às mudanças climáticas que não saíram do papel, basicamente porque, mesmo com a criação de fundos específicos, os financiamentos não chegaram na ponta, onde as pessoas e empresas efetivamente trabalham, para promover a economia verde.
O papel das finanças sustentáveis
O financiamento de projetos e de sistemas produtivos de baixo carbono, inclusivos e com foco na construção da economia verde, depende de instrumentos capazes de oferecer os recursos financeiros necessários para os empreendimentos e a um custo suportável para os empreendedores. Para conversar sobre isso, esta primeira edição dos Diálogos Setoriais trouxe Luciane Moessa de Souza, especialista em finanças sustentáveis na Soluções Inclusivas e Sustentáveis (SIS). Ela é autora de diversos livros e artigos sobre o tema, como o livro Sistema Financeiro e Desenvolvimento Sustentável, no qual aborda regulação, autorregulação, boas práticas, propostas de aprimoramento e de parâmetros para responsabilização e externalidades causadas por atividades financiadas.
Ela apontou que apenas 5% das organizações do mercado financeiro não precisam de regulação para atuar no jogo da economia verde, mas o restante tem de ter incentivos e direcionamento para aportar recursos nesse mercado. Um dos principais vetores para um mercado responsável é a presença em bolsa de valores, já que nesse mercado existem regras determinadas pelo próprio mercado, que regulam as atividades das empresas. No entanto, enquanto o Brasil tem pouco mais de 400 empresas listadas na B3, a Malásia, com menos de 20% da população do Brasil, tem três mil empresas listadas em bolsas de valores. E a presença no mercado de capitais talvez seja o vetor mais importante para a transição para a economia verde.
Outro setor do mercado financeiro que não pode ficar de fora dessa transição, e é um vetor estruturante, é o mercado de seguros, explicou Luciane. “São as seguradoras que vão segurar o rojão dos prejuízos causados pela emergência climática, pelas ondas de calor excessivo, pelos temporais, enchentes e toda ordem de perdas econômicas por conta das alterações de biomas e ecossistemas”, destacou.
Luciane também reforçou a necessidade de uma visão mais integrada das questões ambientais e climáticas, com a inclusão das perdas em biodiversidade quando se fala em clima, carbono, desmatamento e poluição. Para ela, o foco apenas em clima carrega uma certa miopia em relação a outros fatores da degradação dos ecossistemas e biomas, incluindo os sistemas hídricos de rios e oceanos. Tudo isso deve estar na conta da oferta de financiamento para a economia verde.
Uma economia social
Este primeiro Diálogo Setorial apresentou a oportunidade de mostrar as diversas faces da construção da economia verde. Há questões de modelos de produção, de gestão de materiais, de fatores climáticos e ambientais, mas há, também, a necessidade de se criar um modelo de oferta de trabalho e geração de renda para uma sociedade complexa e crescente. Algumas estimativas apontam que os atuais oito bilhões de pessoas no planeta deverão chegar próximo a dez bilhões até 2050.
Para trazer esse olhar de uma economia também alinhada com as necessidades das pessoas, os Diálogos Setoriais do IDS e Insper convidaram Tulio Notini, que trabalha com a Yunus Social Business, organização que tem como lema “usar os negócios para erradicar a pobreza”. Tulio explicou que o fomento a negócios de impacto representa, inclusive, o estímulo à inovação necessária para que as empresas e os modelos de produção e consumo saiam da letargia do business as usual para um novo formato que leve em conta tudo o que já se falou nesse Diálogo, mas, ainda, as necessidades das pessoas como agentes e beneficiários da transformação.
Há setores que já estão trabalhando com a economia verde, mas a sociedade ainda não reconheceu seu valor. “Os coletores de recicláveis urbanos estão na ponta de uma economia circular, mas não recebem o proporcional ao impacto do bem que exercem sobre as cidades”, ressaltou Tulio. E, como eles, há muitos outros setores que já estão atuando na transição e que precisam de apoio real da sociedade e do mercado.
“É preciso mobilizar capitais em um modelo de finanças híbridas”, explicou. Ele apontou que é preciso destinar recursos para setores que não têm acesso a capital competitivo. É fundamental atender essa necessidade de recursos para apoiar as atividades que já estão na vanguarda da transição há tempos. E o apoio deve incluir modelagens de gestão e negócios, de forma a ampliar a escala.
Diversos fundos já foram pensados nessa direção, de oferecer recursos para atividades de alto impacto social e baixo retorno econômico. Esse desafio deve estar no âmago da construção da economia verde, concluiu Tulio.
A experiência no mundo real
Um dos grandes desafios da economia verde é conciliar a economia real com a economia necessária. Esse desafio vem sendo enfrentado há anos em diversos departamentos de organismos financeiros e empresas de todos os portes. Uma pessoa que passou por diversas fases dessa experiência é Denise Hills, que tem um histórico profissional invejável no campo da sustentabilidade. Segundo seu perfil no Linkedin, ela é executiva experiente com trabalhos no setor financeiro, em estratégia, planejamento de negócios, inovação e sustentabilidade, especialmente em ODS, mudanças climáticas, direitos humanos, e empoderamento das mulheres. Também já atuou no Pacto Global e tem em seu histórico cargos de gestão no Itaú e na Natura.
Ela falou de sua experiência em controladoria de organização financeira, onde as externalidades ainda não ganharam uma linha nas planilhas financeiras. E citou o exemplo do professor Eduardo Gianetti, para quem as externalidades acabam impactando positivamente no PIB, uma vez que desastres são vetores de reconstrução e elevação dos fluxos de capitais, não importando os custos sociais e ambientais.
No entanto, ela alertou sobre a necessidade de se manter o otimismo, porque, mesmo que as coisas pareçam estagnadas, elas estão em movimento. “Trabalhei em setores que, anos atrás, ainda estavam engatinhando em conceitos complexos de sustentabilidade e medição de impactos que hoje já estão regulados por meio de um trabalho conjunto entre empresas, setor público e sociedade”, ressaltou a executiva. “Quando eu trabalhava no Itaú, liderava programas de microcrédito para mulheres empreendedoras, todos eles menores do que a gente gostaria e todos eles tornaram-se possíveis, quando pareciam impossíveis”, observou. Ela contou que viveu essas experiências positivas e, por isso, acredita que estamos vivendo uma dinâmica transformadora, tanto nas empresas quanto no setor financeiro. “Acho que um olhar linear da economia ainda desconsidera o impacto de uma economia em fluxo”, disse.
A existência de um projeto como esses Diálogos Setoriais, uma união entre uma organização social como o IDS e uma escola de negócios do porte do Insper, já é a prova de que estamos vivendo uma realidade em fluxo, explicou a diretora do Insper, Priscila Claro. Dez anos atrás, isso seria impensável. Hoje, essa é uma ação profundamente transformadora, não apenas do ponto de vista acadêmico, mas pela ação coordenada de incidência em políticas públicas. Ainda há muitas inconsistências a serem identificadas e encaminhadas.
Os dez diálogos da Economia Verde
O IDS vem realizando o debate sobre economia verde em parceria com o Insper desde 2023, quando aconteceu um primeiro evento presencial. Este ano e em 2025, serão produzidos mais nove encontros e as agendas serão divulgadas oportunamente por meio das redes do IDS e do Insper.
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