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Mega-acidentes ambientais: insuficiência na prevenção e na aferição de reparações

Em meio à ameaça de aprovação da PEC 65, especialistas em direito ambiental debatem como melhorar mecanismo para evitar desastres e melhorar a qualidade das reparações.

30 de maio de 2016 · 9 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

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Vilarejo de Bento Rodrigues, destruído pelo rompimento da barragem do Fundão, em novembro de 2015. Foto: Senado Brasileiro

 

Na manhã e na tarde do dia 20 de maio, a Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil – APRODAB realizou seu primeiro workshop do ano sobre “Mega-acidentes e Direito Ambiental”, evento preparatório para o 14º Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito Ambiental, que ocorrerá nos dias 28 e 29 de outubro de 2016, em Vitória – ES.

O encontro se deu no Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, entidade co-promotora do evento. Com aproximadamente trinta debatedores, incluindo advogados públicos e privados e membros do Ministério Público, além dos professores de Direito Ambiental da entidade promotora, foram lembrados alguns dentre muitos grandes desastres ambientais na história do planeta, tais como a tragédia de Minamata (Japão, 1956) os acidentes de Seveso (Itália, 1976), Three Mile Island (EUA, 1979), Chernobil (Ucrânia, 1986), Goiânia (Brasil, 1987), Deep Horizon (Golfo do México, 2010) e, obviamente, Mariana (Brasil, 2015). Os debates se desenvolveram em torno de dois grandes eixos: prevenção de acidentes e sua reparação.

Mecanismos de prevenção

A maior preocupação demonstrada pelos participantes disse respeito à ameaça de aprovação da PEC 65/2012, do Senado Federal, que acrescenta um § 7º ao art. 225 da Constituição Federal e que, criando um verdadeiro imbroglio jurídico, confunde institutos e procedimentos e, em última análise, detona o sistema de licenciamento ambiental, transformando a simples apresentação do estudo de impacto ambiental em “autorização” para a execução de obra:

“§ 7º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente”.

Atente-se que a PEC 65 transforma a simples apresentação do EIA em licenças prévia e de instalação. Essa proposta, mais do que temerária, seria o sepultamento do próprio Direito Ambiental Brasileiro.

Se a redação do dispositivo é precária e dúbia, o mesmo não se pode dizer da justificação apresentada pelo autor da emenda: evitar que prefeitos sejam prejudicados pelos seus adversários políticos com a paralisação de obras públicas ambientalmente impactantes.

Nos últimos dias, redações alternativas procuram amenizar a agressividade da proposta do Senador Acir Gurcacz, introduzindo atenuantes. Uma delas foi acrescer à mera “apresentação” do EIA, também a sua “aprovação”. Resta compreender a natureza jurídica dessa tal “aprovação” do Estudo de Impacto Ambiental. Este é, como como o nome já diz, apenas um estudo exigido em algumas hipóteses para o desenvolvimento válido do processo administrativo de licenciamento ambiental. O estudo não é o processo administrativo e nem muito menos é uma decisão administrativa.

Outra proposta atenuante foi a de limitar as suspensões e cancelamentos para o âmbito administrativo. Ou seja, em prevalecendo esta nova redação, o Congresso Nacional estaria aquiescendo com a existência de um Poder Judiciário no país e admitindo a suspensão ou cancelamento por determinação judicial… Como na velha história: “colocaram o bode na sala”.

O mais preocupante, em toda essa discussão é que a PEC esteja tramitando num momento em que o país e o mundo ainda não se recuperaram do choque com aquele que vem sendo considerado o maior desastre ambiental minerário da história e que simplesmente matou seres humanos, extinguiu todos ecossistemas do Vale do Rio Doce, assim como os valores culturais das populações tradicionais do seu entorno.

No momento em que a presente nota era redigida, soubemos que o Senador Randolfe Rodrigues, em boa hora, apresentou requerimento para que a PEC 65/2012 retornasse à Comissão de Constituição e Justiça, para tramitar conjuntamente com a PEC 153/2015, também do Senado Federal. Extremamente oportuna, esta PEC introduz um inciso VII ao § 1º do art. 225, dispondo que incumbe ao Poder Público “promover práticas e adotar critérios de sustentabilidade, em seus planos, programas, projetos e processos de trabalho, bem como na aquisição de bens e contratação de serviços e obras”. Ou seja, estabelece exatamente o contrário do que pretende a malfadada PEC 65/2012. Torçamos para que o bom senso e a defesa da vida venham a prevalecer!

Reparação de danos

Outro tópico levantado no workshop da APRODAB diz respeito à mensuração dos danos ambientais. Chama a atenção a incapacidade nacional em se compreender expressões monetárias. Estudos históricos e sociológicos poderiam talvez explicar as razões pelas quais os meios de comunicação e a opinião pública parecem não conseguir distinguir a diferença entre cifras de milhares, milhões ou bilhões de reais.

Os exemplos são incontáveis.

Tome-se, ilustrativamente, as indenizações astronômicas chanceladas pelo Poder Judiciário na década de 1990, por conta das malfadadas “desapropriações ambientais indiretas” ajuizadas por conta da criação de inúmeros parques estaduais e nacionais sem prévio estudo do impacto orçamentário que decorreria da necessidade de transferência do domínio das áreas particulares atingidas para o Poder Público. Resultado disso foram condenações dos Estados Federados ou da União em valores por vezes até dez vezes mais elevados do que o preço de mercado dos imóveis, sem que nem peritos nem magistrados se dessem conta de tais descalabros – e isto a despeito das sucessivas denúncias da irrealidade dos cálculos apresentadas pelas Procuradorias dos Estados ou do IBAMA na época.

De igual foram, vemos até hoje acordos verdadeiramente caricatos em ações civis públicas envolvendo interesses econômicos vultosíssimos e danos ambientais e à saúde humana irreversíveis. A título de ilustração, basta recordar o caso do descumprimento, pela ANP, Petrobrás e Anfavea, das determinações relativas à adoção do Diesel S-50 em nosso país (Resolução 315, do CONAMA). O polêmico acordo conduzido pelo Ministério Público Federal e que pôs fim à ação civil pública postergou a vigência da Resolução 315 e estabeleceu uma compensação pecuniária verdadeiramente irrisória, enfrentando por isso a oposição de instituições respeitáveis, como a própria Faculdade de Medicina da USP, amparada em estudos conclusivos do Prof. Paulo Saldiva.

A questão central é que não dispomos hoje no Brasil de capacitação de profissionais capazes de ao menos num primeiro momento apresentar parâmetros para a avaliação de danos ambientais (em especial os que protraem no tempo) e de seu custo de recuperação ou compensação. Em busca do “momento de fama”, ameaçam-se empresas com a cobrança de indenizações em valores estratosféricos, que na prática representariam sua quebra e a perda de centenas ou milhares de postos de emprego. Uma vez produzido o efeito midiático, por vezes são celebrados acordos manifestamente insuficientes. Isto quando não é simplesmente interrompido o processo de execução de sentença em ação civil pública, seja por haver o assunto caído no esquecimento, seja pela absoluta incapacidade de nossas instituições públicas de resolver questões técnicas de alta complexidade e que ensejariam novos confrontos com o poder econômico.

A constatação a que os professores reunidos em São Paulo chegaram foi que, lamentavelmente, há praticamente duas décadas o movimento ambientalista brasileiro tem se limitado a lutar contra retrocessos. Mas os debates apenas tiveram início e prosseguirão, agora no Rio de Janeiro (RJ) e Fortaleza (CE), culminando com o encontro nacional em Vitória-ES.

 

 

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