A COP30 marca uma virada da maré, mas mais do que negociar, é hora de entregar. No centro dessa virada, o Pacote Azul – plano de aceleração dedicado ao oceano – propõe dar visibilidade e escala ao que já está em curso, traduzindo os cinco Ocean Breakthroughs em metas concretas até 2028.
Ao assumir a presidência da COP30, o Brasil adotou uma arquitetura de implementação, com a Agenda de Ação como um dos seus pilares. Essa agenda é composta por seis eixos temáticos – cinco setoriais e um transversal – e 30 objetivos-chave relacionados aos resultados do Balanço Global do Acordo de Paris. Para cada eixo, um Grupo de Ativação, que reúne governos, organizações internacionais, investidores, empresas e organizações da sociedade civil, ficou responsável por elaborar os Planos de Aceleração de Soluções. Esses planos funcionam como uma “caixa de ferramentas” para remover barreiras, ampliar sinergias e escalar soluções já em curso.

“Foi a primeira vez que a agenda de ação de uma COP se organizou dessa forma, dentro de eixos temáticos, com objetivos claros e planos para acelerá-los”, explicou Marinez Scherer, enviada especial da COP30 para os Oceanos e integrante do Grupo de Ação relacionado ao tema.
Dentro dos eixos, o oceano está no Eixo 2 – “Florestas, Biodiversidade e Oceano”, relacionado à meta 7, “Esforços para preservação e restauração de oceanos e ecossistemas costeiros”. O plano de aceleração para a meta 7, o Pacote Azul, lançado em 10 de novembro de 2025 pelo High-Level Climate Champion, concretiza o esforço da comunidade oceânica para enfatizar o papel do oceano como central para as soluções climáticas mapeando e escalando soluções que já estão em curso. Entenda um pouco mais desse pacote, que está em destaque nos debates de 17 e 18 de novembro.
O Pacote Azul: acelerar o que já acontece
O Pacote Azul não pretende reinventar a roda, sua lógica é precisamente outra: amplificar, estruturar e integrar o que já existe. Ele é estruturado em torno dos Ocean Breakthroughs, cinco pontos de virada definidos para 2030 que organizam a ação climática baseada no oceano em setores estratégicos: Conservação Marinha, Energia Oceânica Renovável, Transporte Marítimo, Alimentos Aquáticos e Turismo Costeiro. Os Breakthroughs funcionam como um roteiro internacional para governos, setor privado, pesquisadores, investidores e comunidades, definindo objetivos mensuráveis e caminhos de implementação capazes de transformar cada setor em um motor de mitigação, adaptação e geração de benefícios socioambientais.
“O Pacote Azul traz todos os Ocean Breakthroughs sob um guarda-chuva comum: o planejamento e a gestão sustentável do oceano”, detalhou Marinez. “A ideia é mostrar que o oceano é nosso principal aliado no combate à mudança do clima.”
Marinez explica que o processo de construção foi internacional e participativo. Após uma série de reuniões, um workshop em Londres consolidou o esqueleto do plano, apresentado na Semana do Clima de Nova York, em setembro. Em outubro, o Brasil sediou o Mutirão Azul, oficina que reuniu sociedade civil, comunidades tradicionais, academia e governos para alinhar as soluções nacionais ao Pacote Azul. O encontro confirmou que o país é um “celeiro de soluções” – da conservação de manguezais à transição energética justa – e que sua contribuição pode inspirar novas formas de implementar o Acordo de Paris com justiça climática e participação social.
Assim, o Pacote Azul organiza, em um único documento, as soluções capazes de acelerar os cinco Ocean Breakthroughs até 2028, quando o próximo Balanço Global será lançado. Ele indica onde remover barreiras, como ampliar financiamento, quais atores mobilizar e quais condições institucionais precisam ser criadas para viabilizar a virada climática baseada no oceano. Com isso, o plano acompanha a transição da COP30 para a fase de implementação e posiciona o oceano como um vetor central das soluções climáticas. Entre as principais propostas do Pacote Azul estão:
- Criar uma janela específica de financiamento azul dentro da arquitetura climática da UNFCCC, a Blue Finance Window, capaz de direcionar recursos para conservação, adaptação costeira, inovação e transição energética no mar – .
- Instituir a One Ocean Partnership, uma rede de territórios e paisagens costeiro-marinhas dedicadas à regeneração ecológica, governança colaborativa e fortalecimento de capacidades locais.
- Criar o Blue Entrepreneurship Breakthrough para impulsionar o empreendedorismo azul, com a meta de apoiar mil startups de impacto até 2030, fortalecendo inovação, bioeconomia marinha e soluções tecnológicas inclusivas.
- Criar o Peoples Of The Oceans Breakthrough, reconhecendo o protagonismo dos povos do oceano — povos indígenas, comunidades tradicionais e pescadores artesanais — criando mecanismos para participação efetiva, salvaguardas socioculturais e apoio a modos de vida costeiros.
- Ampliar a restauração e proteção de ecossistemas-chave, como manguezais, recifes, pradarias marinhas e marismas, articulando ciência, comunidades e políticas públicas.
- Acelerar a transição para energia renovável offshore, garantindo salvaguardas ambientais, participação social e planejamento marinho integrado.
- Transformar portos e cadeias logísticas, reduzindo emissões do transporte marítimo e promovendo infraestrutura resiliente e de baixo carbono.
- Fomentar um turismo costeiro sustentável, baseado em baixa emissão, proteção da natureza, geração de empregos locais e inclusão econômica.
- Integrar soluções climáticas marinhas aos planos nacionais, fortalecendo o planejamento espacial marinho, padrões de governança, monitoramento e transparência.
- Investir pelo menos 72 bilhões de dólares para proteger e restaurar 30% dos ecossistemas do oceano; 4 bilhões de dólares anuais para fortalecer sistemas alimentares aquáticos resilientes e sustentáveis; 10 bilhões de dólares em financiamento de projetos de energia oceânica para países em desenvolvimento; e 30 bilhões de dólares por ano para o turismo costeiro.
Essas propostas reforçam a ambição central do Pacote Azul: fazer do oceano um pilar da transição climática, combinando justiça social, ciência, inovação e financiamento de longo prazo.

Mutirão Azul: Um celeiro de soluções
Parte do esforço para fortalecer soluções climáticas baseadas no oceano é reunir soluções que já existem: iniciativas internacionais consolidadas, políticas públicas nacionais, tecnologias emergentes, projetos comunitários e práticas tradicionais que já estão em curso. Por isso, o Mutirão Azul amplia o plano ao abrir espaço para que todos os atores – governos, academia, sociedade civil, empresas, povos indígenas e comunidades tradicionais – registrem as soluções que estão desenvolvendo nos territórios.
No contexto brasileiro, a COP30 torna-se uma oportunidade singular de mostrar como um país com vasta costa, ecossistemas marinhos de relevância global e um enorme patrimônio socioecológico pode traduzir ambição em entrega. Como resumiu Marinez Scherer, Enviada Especial para o Oceano da COP30: “Sim, existem muitas soluções internacionais […], mas o Brasil também tem soluções mais locais – a nível nacional, estadual, local e até de pequenas comunidades tradicionais.” Para ela, o Pacote Azul “é um guia, um portefólio onde a gente pode olhar, inclusive para investidores […]. Não temos tempo a perder: já na COP31 queremos mostrar resultados e, em 2028, apresentar um resultado robusto das soluções baseadas no oceano”.
Podem ser políticas públicas, tecnologias, modelos de financiamento, projetos comunitários ou práticas locais que já estejam em andamento ou concluídas – desde que gerem resultados climáticos concretos e dialoguem com os cinco Ocean Breakthroughs (conservação e restauração, descarbonização da navegação, energias renováveis oceânicas, pesca e aquicultura sustentáveis, turismo e resiliência costeira) ou com temas transversais como gestão sustentável do oceano, cultura oceânica, protagonismo comunitário e inovação azul.
Essa abertura transforma o Pacote Azul em uma rede real de entrega, conectando soluções territoriais ao ecossistema global de ação azul. O formulário para cadastro de ações fica aberto até 21 de novembro, e as contribuições integrarão o documento “Mutirão Azul – Contribuições locais para a crise climática global”, a ser entregue à Presidência da COP30.
Um oceano em movimento
O Pacote Azul reforça que não há transição climática justa sem o oceano. Para isso, exige coordenação entre políticas climáticas, de biodiversidade e de economia azul; financiamento adequado; participação social efetiva; e ação integrada em toda a cadeia – da ciência ao investimento, da inovação ao planejamento marinho. Ele oferece um roteiro para transformar o oceano em um eixo estruturante da ação climática, combinando proteção ambiental, desenvolvimento econômico e justiça socioambiental.
A mensagem é clara: o oceano entrou definitivamente na agenda climática – e agora é hora de acompanhar como esse movimento ganhará forma. A trilha de Oceano na segunda semana da COP30 deve consolidar esse momento, mostrando avanços, anunciando implementações e conectando soluções que podem fazer a diferença ainda nesta década decisiva.
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