Parece louvável que as metas em biodiversidade sejam discutidas por toda a sociedade. Para a maioria das pessoas, deve parecer lógico que um tema dessa importância seja colocado para uma ampla e democrática discussão. No entanto, a conservação da biodiversidade é uma ciência em evolução, que exige conhecimento técnico e refinado. Por isso, é de estranhar que grande parte das iniciativas na área se submeta à concordância de públicos, com frequência, leigos. Esse tipo de prática, ao invés de funcional, pode propiciar o loteamento da questão entre grupos de interesse. O resultado final pode acabar em: flexibilização de leis, facilitação abusivas em licenciamentos discutíveis em relação a conservação, afrouxamento de ações fiscalizatórias e/ou aviltamento de Unidades de Conservação.
Por isso, é preocupante que o governo federal tenha realizado, em 2011, os encontros Diálogos sobre Biodiversidade: construindo a estratégia brasileira para 2020 “visando “construir de forma participativa as metas nacionais relacionadas ao Plano Estratégico da Convenção sobre Diversidade Biológica para 2020”. Cinco setores da sociedade foram convidados: empresarial, sociedade civil ambientalista, academia, governo (federal e estadual) e povos indígenas e comunidades tradicionais.
É interessante notar que não se faz uma tomada de opinião com todos os atores interessados num determinado tema, em se tratando, por exemplo, de uma cirurgia neurológica – será que o CRM permitiria ingerências externas no estabelecimento dos seus padrões? Ou da construção de um prédio – o CREA estaria aberto a sugestões de terceiros, não engenheiros? E na formulação de um produto farmacêutico? Caberia a opinião de uma empresa ou de um cidadão qualquer? Nestas e inúmeras atividades humanas especializadas, vale mais o conhecimento específico e o respeito a uma regulamentação também específica. Justamente porque há consenso de que este conhecimento é dominado por um setor especializado, respeitado pelo seu conhecimento — e que o resto da sociedade não tem.
Assim, consultar sobre biodiversidade empresas que insistem no discurso generalista do desenvolvimento sustentável, comunidades tradicionais evidentemente voltadas a suas possibilidades de conquistas de cunho social e econômico, variadas ONGs “socio-ambientalistas” que defendem o equilíbrio entre o social, o econômico e o ambiental (sem lá grande preocupação com este último) aparenta algo extremamente arriscado se o que se deseja é, de fato, chegar ao núcleo do problema: proteger a biodiversidade.
A mistura representa nada mais do que um amontoado de interesses setoriais fortemente destituídos de lastro técnico, o que acaba perpetuando a fragilidade dos órgãos ambientais do Estado, reforçando modelos convencionais de desenvolvimento – hoje grosseiramente maquiados de verde – e incrementando um extrativismo espoliativo, que arranca de áreas naturais bem conservadas produções que buscam sua viabilidade econômica, em geral, sem considerar efetivamente o impacto à biodiversidade que causam.
Essa encenação apenas aglomera vontades e favorecimentos para grupos que, a bem da verdade, pouco sabem do que estão falando. E destrincham o que ainda sobrou de biodiversidade para “comer” a sua parte – que acabamos considerando um “direito de todos”, direito de comer sem obrigação de conservar, convenhamos.
Leia também
“A nossa democracia foi sequestrada pelo poder econômico”, critica ativista
No quarto dia dos “Seminários Bússola para a Construção de Cidades Resilientes”, participantes falam da necessidade de se promover a participação popular na política pública →
Peru celebra 50 anos da redescoberta de macaco misterioso dos Andes
Criticamente ameaçado de extinção e endêmico do Peru, macaco-barrigudo-de-cauda-amarela é festejado no país em meio à mobilização por sua conservação →
1.200 aves resgatadas do tráfico no interior baiano
Crime tem grande impacto ambiental e envolve da captura ao comércio criminoso que abastece mercados ilícitos e coleções →