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Florestas Públicas – Resposta da autora

De Sulema Mendes de Budin Ambientalista, advogada e Consultora em Gestão AmbientalO Diretor do Programa Nacional de Florestas (MMA) Dr. Tasso...

Redação ((o))eco ·
13 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

De Sulema Mendes de Budin
Ambientalista, advogada e Consultora em Gestão Ambiental

O Diretor do Programa Nacional de Florestas (MMA) Dr. Tasso Rezende de Azevedo, deu-se pressa em comentar o meu artigo sobre o loteamento das florestas públicas do Brasil. Pedi a O Eco espaço para responder.

O texto do Sr. Diretor começa com uma frase de efeito e vazia de conteúdo: “consideramos essencial manter o debate sobre o Projeto de lei de Gestão de Florestas Públicas (PL 4776/2005) e ainda mais quando o que está em discussão é a garantia de que as florestas públicas brasileiras permaneçam florestas e públicas”.

O único “debate” possível depois que o PL virar lei será através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que, independente da solidez do fundamento jurídico, vai enfrentar um STF que tem um político na Presidência, cujas posições são, no mínimo, tendenciosas para o lado “político” e não jurídico das questões (as liminares para os deputados envolvidos em corrupção são uma amostra).

Uma questão dessa importância e conseqüências não pode ser decidida a toque de caixa, sem uma consulta direta ao povo, após discussão ampla veiculada pela mídia, campanhas de esclarecimento, com a divulgação de opiniões dos dois lados, e a participação efetiva de todos os segmentos da sociedade brasileira, de norte a sul do país, como está sendo feito com o desarmamento. Instituições como a SBPC, técnicos e cientistas respeitáveis, que apresentam dados concretos sobre o que aconteceu em outros países que tentaram essa solução, teriam que ser ouvidos, antes do PL ser enviado ao Congresso, com pedido de “urgência”, para ser aprovado por uma Comissão Especial, escolhida para discutir como aprovar, não se deveria ser aprovado.

Todo o curso desse PL nada teve de “democrático”, nem de “transparente”. O texto é um primor de ambigüidades, que vai servir para muita polêmica em juízo, enquanto as florestas são devastadas. Redigir leis é tarefa para juristas, não para assessores parlamentares, de duvidosa competência, a maioria dos quais é “apadrinhada”.

O caráter “público” das florestas não está em “discussão”. Está definido na Constituição Federal de 1988, no art. 225, § 4º a qual, ainda que venha sendo atropelada, representa a garantia maior de Estado de Direito. Esse é o princípio básico de todo o sistema legal, que garante a democracia que esse governo menciona, mas não respeita.

O “objetivo de gestão e conservação das florestas” não precisa de outra lei, Já está mais que definido e regularizado pelo Código Florestal, com suporte na CF/88. Basta que sejam aplicados pelo Poder Público, que tem todos os instrumentos legais necessários, entre os quais a Lei de Crimes Ambientais, além das forças da Polícia Federal, das Polícias Militares Estaduais, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Das três “possibilidades de uso sustentável” as duas primeiras já existem, e a degradação ambiental das UCs são um bom exemplo de como o Poder Público não cumpre suas funções. A última, as “concessões florestais”, que representam o real objetivo do PL 4776/2005, é que vão dar o retoque no desastre. O prazo para as concessões é de até 40 anos, tempo mais que suficiente para o “manejo” acabar com o que resta das florestas.

A minha afirmação sobre posse e propriedade e o risco das “interpretações” em juízo é absolutamente correta. Os argumentos usados para me contestar é que não têm fundamento. A assessoria jurídica que instruiu o Sr. Diretor, fez uma salada mista nos conceitos e nas conclusões, abusando do “juridiquês” (parente próximo do “economês”) para dificultar o entendimento dos leigos.

Um debate jurídico desviaria os objetivos desta resposta. Por agora, basta citar o art. 1196 do atual Código Civil: “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns poderes inerentes à propriedade”. A comparação mais simples da concessão é com a locação: o proprietário continua sendo o dono do imóvel, mas a posse se transfere para o inquilino, durante todo o tempo do contrato. Este adquire o “exercício pleno de alguns dos poderes” do proprietário, entre os quais o direito de não permitir que ninguém entre na sua casa, sem uma ordem judicial. Na concessão de áreas das florestas, as empresas que vencerem as licitações estarão em posição legal similar à do inquilino: não são donos, mas ninguém entra se não permitirem ou um juiz determinar. E pelo prazo máximo de 40 anos!

Todo mundo sabe que as florestas queimam, ou são pilhadas, por falta de vontade política para confiscar as propriedades e por na cadeia os responsáveis pelo fogo, que as autoridades sabem muito bem quem são. Base legal existe, inclusive no Código Penal. Quanto ao uso das florestas nativas ser ou não “sustentável” é questão para ser muito bem estudada e discutida com quem entende do assunto, pelo tempo necessário. Com tantas áreas degradadas, por que incluir as florestas naturais no bolo das concessões? Além da Amazônia, o PL inseriu a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga.

O histórico do PL 4776/2005, relatado pelo Dr. Tasso é significativo, contradiz seus objetivos e reforça as minhas colocações. O “amplo processo” começou com um grupo de 90 “participantes”, que reuniram 4 vezes, cada vez por dois dias, para “estruturar o projeto de lei”. Esse discurso dispensa comentários!

O segundo passo foram os “estudos aprofundados dos sistemas de gestão de florestas públicas de dezenas de países” e, a seguir, “revisada a experiência brasileira com regulação de diversos setores, como petróleo, energia, mineração água e comunicação”.

O Sr. Diretor não informa em qual das “dezenas de países” o sistema de gestão de florestas deu certo, porque não existem “dezenas de países” no Planeta com florestas nativas. As experiências na África, na Tailândia, na Austrália, causaram uma devastação ambiental irreversível, de acordo com o Presidente de honra da SBPC, Dr. Aiz Ab’Saber e outros pesquisadores de renome, como o Dr. John Terborgh, biólogo e Diretor da Escola de Meio Ambiente da Universidade de Duke. É fácil jogar argumentos sem informar as fontes!

Todos nós, cidadãos brasileiros, sabemos o desastre que resultou das concessões dos setores energia, comunicações etc. E pagamos as contas! Se serviram de base para a gestão de florestas, dá para entender a pressa e os métodos utilizados para a aprovação do PL 4776/2005. E para prever as conseqüências.

Quanto às “versões estruturais”, as “revisões” etc, tudo isso confirma que o assunto foi tratado e decidido em gabinetes, sem a participação da opinião pública, que continua sem saber o que está acontecendo. Realizaram as Audiências Públicas nos Estados da Amazônia. Eu não sabia que havia reservas de Mata Atlântica, de Caatinga e de Cerrado na Amazônia. Peço desculpas pela minha ignorância nessa geografia “atualizada”!

Sobre a cobertura da imprensa, faltam as datas e outros dados indicativos para verificação, o que desqualifica a informação.

Toda a tramitação desse projeto foi feita em surdina sim. E a aprovação por acordo de lideranças é mais do que suspeita, inclusive pelas razões que mencionei no artigo anterior. O Sr. Diretor não se referiu ao Deputado Zé Geraldo e companhia, talvez porque, nesse caso, não seja possível generalizar. Estou estudando o Regimento Interno da Câmara para confirmar minhas suspeitas de que o processo legislativo também foi manipulado.

Depois que o IBAMA licenciou o alagamento de Barra Grande, e o MMA tirou da manga e assinou um Termo de Compromisso, nenhum ambientalista consciente pode confiar nos membros de qualquer dos escalões superiores desse Ministério, a começar pela Ministra. No caso de Barra Grande, além de irresponsáveis, foram criminosos. Um dia a Lei de Crimes Ambientais será efetivamente aplicada, e todos os responsáveis sem exceção, entre os quais os Diretores das empresas que compõem o Consórcio, irão parar na cadeia.

Para encerrar, Sr. Diretor, não me chame de mentirosa, nem usando o eufemismo “não é verdade”. Posso me enganar e me desculpo, quando reconheço o engano, mas não minto. Não sou política, nem participo desse governo, que chegou ao poder através da maior fraude eleitoral da nossa história. Falando claro e direto, mentindo.

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