Ari Kurtz, 62, estudou psicologia e acabou fazendeiro. Como ele conta, estudou no Brandeis College, perto de onde hoje mora em Massachusetts com a mulher e o filho adolescente. Já durante a faculdade começou a trabalhar em fazendas da região. Foi professor durante um bom tempo. Uma de suas experiências foi ensinar crianças com necessidades especiais a explorar as possibilidades de uma estufa de plantas. Sempre gostou de agricultura orgânica. Certo dia comprou uma casa na cidade de Lincoln, a 40 minutos de Boston. Vizinha a sua nova residência havia uma fazenda convencional, a Lindentree. Como outras fazendas locais, esta arrendava terras públicas que pertenciam à cidade.
Pacientemente, Ari esperou a aposentadoria do seu vizinho fazendeiro. E aí fez uma proposta à cidade para arrendar a mesma terra e começar a produzir orgânicos. Recebeu o aceite e, em 1990, passou a administrar a área de 6 hectares (60 mil metros quadrados), encravada em uma região de alta renda. Ocorre que os afluentes moradores de Lincoln querem amenidades e comida de qualidade. Por isso, cobram de Ari apenas R$1.000 por ano pelo arrendamento da terra, trocados para os padrões locais.
A Lindentree trabalha no sistema de Agricultura Sustentada pela Comunidade, em inglês, CSA (Community Supported Agriculture). Funciona assim: a fazenda tem 250 membros que proveem o capital anual do negócio. Em geral, são famílias da região que, em troca do apoio, têm direito a uma parcela da produção. Durante a estação de colheita, que vai de junho a outubro, cada família participante passa lá toda a semana para pegar uma cesta que varia de acordo com o que foi produzido.
No dia 2 de julho de 2012, por exemplo, a cesta por família era a seguinte: 1 repolho, 2 maços de alface, 1 de rúcula, 1 de Beetgreens, ½ kg de alho, 2 quartos de ervilhas (equivalente a um volume de 2 litros), 5 flores e 3 opções de verduras como Brócolis, mostarda, cenoura, beterrabas, couve, radicchio e nabo.
A variedade ao longo do ano é grande. Chega a 60 itens. Alguns deles, frutas de colheita trabalhosa, como framboesas e morangos, são apanhadas pelas próprias famílias, que trazem suas crianças e fazem da atividade uma diversão.
“Tentamos dar às nossas famílias um pacote que vale mais do que o dinheiro que custa. Um dos nossos membros fez as contas e concluiu que sai mais barato apoiar a produção orgânica da fazenda e participar da colheita do que comprar verduras convencionais no supermercado”, diz Ari.
Seu escritório fica em um celeiro construído em torno de 1880. Ele o reformou depois de encontrá-lo em frangalhos. As leis locais permitem que o use como escritório, mas não para morar, como desejava. A regra impede moradias a menos de 50 metros da divisa da propriedade. Conformado, Ari mora na casa ao lado, mas ao reformar o celeiro fez mudanças que aumentaram a sua eficiência energética.
Mesmo em temperaturas abaixo de zero, a grande área envidraçada, na fachada do seu escritório, aquecida pelo sol nos dias de tempo bom, dispensa calefação em todo o interior. No telhado, 48 painéis fotovoltaicos permitem gerar 2/3 da energia consumida ao longo do ano. O grid inteligente ainda reabsorve a energia que eventualmente sobra do sistema de Ari, e lhe paga por ela 600 reais por ano. O equipamento solar custou caro. Ari calcula o total em 65 mil dólares (130 mil reais), mesmo com subsídios estaduais que reduziram em 20% a despesa. O retorno é esperado em 20 anos.
Em torno da sua mesa de trabalho, pilhas de livros e revistas sobre produção orgânica. Ele é um pequeno produtor, orgulhoso de trabalhar com as melhores práticas que melhoram o solo e dispensam pesticidas químicos. “Existem fazendas orgânicas em escala industrial”, diz. “Elas são orgânicas na letra da lei, mas não no seu espírito. Muitas vezes esticam o conceito além do que seria aceitável. De qualquer forma, mesmo produtos orgânicos usados no preparo da terra podem ser tóxicos. É preciso cuidado”.
A visita termina com uma caminhada até a sua estufa, uma experiência nova para alguém dos trópicos. Era um dia claro e, dentro da estufa, fazia calor, apesar da temperatura abaixo de zero do lado de fora. Dentro, longas fileiras de pés de espinafre, verdíssimos, prendiam os olhos. Ari se abaixa, arranca algumas folhas, as come e pergunta: “Elas não são doces?”. Eram deliciosas, espinafres dignos de Popeye, ainda mais com a fome provocada pela caminhada através dos campos frios que levaram até a Lindentree.
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