À primeira vista, parece ser um trabalho tranquilo de realizar. Sete pesquisadores permanecem sentados no teto de um barco tradicional amazônico, posicionados em direção à proa e popa, enquanto a embarcação navega lentamente. Observam qualquer movimento das águas do Rio Tapajós que denuncie a flutuação de algum boto das espécies Tucuxi (Sotalia Fluviatilis) e Boto-rosa (Inia geoffrensis), e a partir disto fazem uma série de observações. No entanto, o difícil é mensurar ou descrever em palavras o calor úmido castigante beirando os 40o, a quase imperceptível brisa que só aumenta a sensação abafada no decorrer do dia, e o interminável período de 12 horas de trabalho que começa no amanhecer e finda no cair do sol. Neste tempo, os pesquisadores se mantêm atentos à linha d’agua do vasto rio, tarefa não menos árdua, já que o brilho ofuscante em grande parte do dia incomoda a visão. Mas o propósito de dar continuidade ao trabalho de amostragem de duas das mais importantes espécies de mamíferos aquáticos nos principais rios amazônicos, faz com que esta fatigante rotina seja superada.
O risco das hidrelétricas
“A construção de barragens interrompe o fluxo dos rios (…); afeta a migração de peixes e disponibilidade de hábitat, principalmente pela redução do nível de oxigênio (…).Mas o prejuízo maior está na segregação de populações dos botos”
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A expedição Golfinhos do Tapajós, realizada no início de agosto, com apoio da Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF, faz parte de um projeto maior organizado pelo Instituto Mamirauá e Fundação Omacha (Colômbia) para amostragem e estimativa populacional dessas duas espécies de cetáceos em diversos rios amazônicos. O trecho escolhido para o trabalho no Rio Tapajós vai de encontro ao projeto governamental de construção de sete hidrelétricas na bacia do rio em questão, e a primeira delas está prevista para ser construída nas corredeiras à montante da vila de São Luiz do Tapajós. A construção de barragens interrompe o fluxo dos rios e transforma consideravelmente o ambiente natural; afeta a migração de peixes e disponibilidade de hábitat, principalmente pela redução do nível de oxigênio nos trechos alagados à montante das barragens. Mas o prejuízo maior está na segregação de populações dos botos, pondo em risco as atividades de reprodução pela diminuição da taxa de encontro de machos e fêmeas e, a médio e longo prazo, redução do pool genético das populações. Estes estudos realizados no Tapajós contribuirão com uma análise critica mais detalhada sobre os impactos decorrentes das construções das barragens sobre as populações dos botos.
A metodologia utilizada pelos pesquisadores já é de conhecimento notório em estudos de cetáceos marinhos, e vem sendo adaptada e utilizada com sucesso nos rios amazônicos. A equipe foi formada por 8 pessoas. Na frente do barco, a proa, permanecem dois observadores, um anotador e um quarto pesquisador, este responsável em checar periodicamente a distância do barco até a margem e fazer fotografias dos aspectos fisio-vegetativos. Os observadores ficam nas pontas, cobrindo uma área individual de 90o (do centro para esquerda e direita). Ao observarem a flutuação de algum animal, marcam a espécie, o número de indivíduos, estimando assim o tamanho do grupo; a distância dos animais à margem, distância e ângulo dos animais em relação ao barco. Outros dados ambientais são também anotados no momento de cada visualização: ocorrência de chuva, visibilidade e por fim o estado da água. A equipe de 3 pessoas da popa (traseira do barco) é de 2 observadores e 1 anotador. Cabe a esta equipe observar eventuais animais que não tenham sido detectados pela equipe de proa.
A área de amostragem totalizou 577 km, da cidade de Santarém até Jacareacanga, incluindo os lagos e afluentes. Foram contabilizados cerca de 117 botos-rosa e 160 tucuxis. O trecho percorrido do rio está em bom estado de conservação ambiental, salvo o entorno das cidades e vilarejos, com expressivo desmatamento. Duas cenas, no entanto, chamaram muito a atenção: um descomunal porto para carregamento de grãos e uma grande quantidade de dragas para garimpo de ouro. Segundo informações, existem 63 dragas autorizadas pelo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) para trabalharem na dragagem do leito do rio e retirada de ouro aluvião. É curiosa, para não dizer surreal, esta forma com que o governo lida com meio ambiente. Autoriza a dragagem de rio pelo garimpo, mesmo sabendo que o elemento mais importante para extração de ouro é o mercúrio, metal pesado que não é eliminado na natureza. Aí começam a surgir peixes com alto índice de metal pesado no organismo, pessoas intoxicadas, doenças degenerativas e ninguém sabe o porquê. Mas enfim, benditos sejam os pesquisadores que trazem um pouco de ideologia e esperança para este país.
A equipe de pesquisadores foi formada por: Miriam Marmontel, coordenadora do grupo de pesquisa de mamíferos aquáticos; Heloise Pavanato, oceanógrafa e responsável direta pelo projeto; e os biólogos Danielle Lima, Gabriel Melo Alves dos Santos, Federico Mosquera Guerra (da Fundação Omacha), Marcela Portocarrero-Aya, Mariana Paschoalini Frias e Rafael Meneses.
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