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61% das Florestas Públicas ainda não destinadas na Amazônia estão registradas como privadas

Observatório das Florestas Públicas possibilita monitoramento do status das áreas ainda sem alocação específica. Governo publica norma sobre assunto

Cristiane Prizibisczki ·
6 de junho de 2024

O bioma amazônico possui, ainda hoje, um território do tamanho do estado da Bahia de grandes porções de florestas públicas ainda não destinadas. São 49,5 milhões de hectares de Amazônia ainda preservada que, por não terem destino definido pelo governo, são os principais alvos de crimes como ocupação irregular, desmatamento e fogo.

Tanto é que 61,2% das Florestas Públicas Não Destinadas (FPND) estão hoje registradas como áreas privadas. Isso é o que mostra uma ferramenta lançada nesta quinta-feira (5), pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e o Movimento Amazônia em Pé.

Chamada de Observatório das Florestas Públicas, a ferramenta possibilita o controle público e acesso aos mais recentes dados sobre essa imensa porção de floresta tropical ainda sem destino.

Florestas Públicas Não Destinadas são áreas da União ou dos Estados que ainda não foram transformadas em Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou Quilombolas, tampouco foram transferidas para privados por meio de processos de regularização fundiária. 

As áreas consideradas na nova ferramenta são grandes porções florestais, acima de 10 mil hectares – 100 km² ou o tamanho da capital do Espírito Santo, Vitória. Quando consideradas porções menores do que 10 mil hectares, a área total de FPND no bioma amazônico sobe para 56,5 milhões de hectares.

Segundo o Observatório, sem uma alocação específica, essas áreas foram os maiores alvos de crimes ambientais nos últimos anos. De acordo com dados do IPAM, entre 2019 e 2021, 51% do desmatamento na Amazônia ocorreu em terras públicas – cerca de 30% em Florestas Públicas Não Destinadas. 

Interface da ferramenta Observatório das Florestas Públicas. Imagem: Reprodução

Atualmente, o total desmatado nessas florestas chega a 3,7 milhões de hectares.  Somente no mês de abril deste ano, 2,1 mil hectares de FPND vieram ao chão.

A grilagem, crime que comumente antecede desmatamento e queimadas, é outro problema com grande incidência nessas áreas: 32% da área total das FPND na Amazônia Legal foi alvo de grilagem entre 2016 e 2020. 

Atualmente, o Observatório das Florestas Públicas mostra que as tentativas de grilagem, que começam com o registro da área no Cadastro Ambiental Rural (CAR), já alcançam 30,3 milhões de hectares, dos 49,5 milhões de grandes porções florestais – ou 61%, como citado acima.

Outra fonte de pressão sobre essas áreas é a mineração. De acordo com dados do Observatório, em 2022, a área total de mineração – industrial e garimpo – sobre esses territórios chegava a 21,7 mil hectares.

Tentativas de regularização 

As grandes porções de floresta sem destino são essenciais para a manutenção da biodiversidade e regulação do clima. Somente as Florestas Públicas Não Destinadas Federais estocam 7,8 bilhões de toneladas de carbono.

Em setembro de 2023, o governo federal publicou uma nova norma sobre regularização fundiária, com mudanças consideráveis na forma como as terras públicas passarão a ser destinadas no país. Atualmente, ao menos 6,2 milhões de hectares de FPND estão sob estudo pelo governo federal para serem transformadas em áreas protegidas.

Nesta quinta-feira (6), o governo Lula publicou também o Decreto 12.046, que regulamenta a norma nacional sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável.

“É preciso deixar claro que há uma movimentação muito forte do governo para fazer com que essas áreas venham para nossa condição de destinação [o uso público]”, disse Marcelo Trevisan, diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial (DOT) do Ministério do Meio Ambiente, durante lançamento do Observatório das Florestas Públicas.

De acordo com Adriana Ramos, Assessora Política e de Direito Socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), as recentes mudanças nas normas sobre o assunto são importantes para a resolução do problema, principalmente em um cenário em que vários segmentos da sociedade têm tentado acessar tais territórios para usos que estão longe do interesse público.

“Não basta destinar, mas é a disputa sobre o que vai se permitir fazer nessas áreas é o que vai fazer a diferença no futuro. Algumas mudanças já foram implementadas, mas esta é uma agenda que está apenas começando, porque essa é uma disputa que vai se seguir nos próximos anos”, disse.

Neste processo, quanto mais a sociedade civil se apropriar do assunto e pressionar o poder público para uma resolução célere para o problema, melhor. 

“Enquanto cidadãos, nosso papel é cuidar das nossas florestas, fiscalizando e pressionando para termos o maior número de destinações possível. Precisamos ficar de olho nas florestas públicas e falar com nossos amigos e familiares sobre a oportunidade de protegermos essa nossa riqueza. Quanto mais pessoas cobrando a proteção das nossas florestas, mais espaço político temos para que isso vire realidade. Para conservar, precisamos destinar!”, dizem as organizações parceiras no Observatório das Florestas Públicas.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 2

  1. FABRICIO DE SOUSA DOS ANJOS diz:

    Só vejo falácia sobre meio ambiente, hoje se tornou um forte aliado pra políticos conseguirem o que querem, votos.


  2. Carlos Augusto Pantoja Ramos diz:

    Acompanho desde 2014 o uso do CAR de má fé no Marajó. Fernanda Antelo, Eymmy Silva e eu escrevemos a seguinte nota técnica citada pela Comissão Pastoral da Terra: https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/noticias-2/6405-nota-tecnica-sobre-a-implementacao-do-car-na-mesorregiao-do-marajo-no-estado-do-para-e-publicada . Estes estudos nos dão base hj para avaliar os mercados de carbono que chegam de maneira especulativa na região.