Reeleito no primeiro turno com 56,75% dos votos válidos, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), diz que adotará uma agenda que concilie o crescimento econômico do estado com a preservação da Floresta Amazônica. A declaração, dada durante encontro da Força Tarefa dos Governadores pelo Clima e Floresta (GCF Task Force), em San Martín, no Peru, pode sinalizar uma mudança por parte do gestor, após se eleger, em 2018, com um discurso de afrouxar a legislação ambiental para beneficiar o agronegócio.
Como consequência dessa política, o Acre passou de vanguardista na proteção a sua cobertura florestal, a um crescimento recorde nas taxas de desmatamento e queimadas nos quatro primeiros anos de Cameli. Uma de suas primeiras medidas foi extinguir o Instituto de Mudanças Climáticas (IMC), autarquia responsável por executar os recursos que o estado recebia por meio do programa de Pagamento por Serviços Ambientais, o REM/KFW, firmado com o governo da Alemanha e Reino Unido.
Ao não cumprir as metas de redução de desmatamento estabelecidas no contrato com os dois países, o Acre deixou de receber os recursos que serviam não apenas para as políticas de comando e controle para proteção da Amazônia, como também usado em projetos de agricultura de baixo impacto. Desde 2018, o Acre perdeu ao menos R$ 58 milhões por não cumprir as metas de seu programa de REDD+.
A partir de 2019, com a posse de Gladson Cameli como governador e sua política para o agronegócio, o Acre passou a ter um boom nos índices de devastação. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no primeiro ano do governador bolsonarista, o estado apresentou um incremento de 706,82 km2 no desmatamento. No acumulado entre 2019 e 2021, a área total desmatada é de 2.259,34 km2.
O ano passado, por sinal, foi o pior na série histórica do Inpe, cuja medição oficial começou em 1988. Ao longo dos 12 meses de 2021, o Acre derrubou 889 km2 do bioma amazônico.
Como efeito de comparação, no acumulado de 2017 e 2018, o incremento do desmatamento dentro do estado é de 672 km2. Pelo acordo firmado com Alemanha e Reino Unido, o teto de desmate tolerado é de 330 km2 por ano. O estado tem ultrapassado este limite.
Entre janeiro e o começo de outubro deste ano, o Deter/Inpe emitiu alertas de desmatamento para o Acre que chegam a uma área de 457,72 km2.
Junto com a floresta derrubada, o Acre também apresenta recordes sucessivos em registro de queimadas. Em 2022, o estado teve a pior quantidade de focos de fogo captados pelos satélites do Inpe: 10.820; aumento de 23% ante 2021.
Entre agosto e setembro, os moradores das cidades acreanas tiveram que conviver com a poluição extrema do ar provocada pelas queimadas. Em alguns dias, a concentração de material particulado no ar superou em 10 vezes o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O discurso e a prática
Todos estes resultados desastrosos não podem ser atribuídos exclusivamente na conta do governador. O desmonte da política ambiental também promovida pelo governo Jair Bolsonaro (PL) ajudou a piorar a situação. A fragilidade da atuação tanto dos órgãos estaduais quanto federais de fiscalização e combate aos crimes ambientais contribuíram para essa devastação sem precedentes nas duas últimas décadas.
Mesmo com tantos resultados negativos em termos de preservação da mais importante floresta tropical do mundo, o governador acreano não se vê constrangido de participar de encontros internacionais sobre meio ambiente, como a reunião da GCF Task Force, e a conferência das partes pelo clima da ONU, as COPs.
Em 2021, por exemplo, enquanto o Acre vivenciava desmatamento recorde, Gladson Cameli foi para a COP-26, em Glasgow, na Escócia. Para a comunidade internacional, ele omite o que de fato seu governo tem feito ou deixado de fazer para proteger a Amazônia. Seus discursos sobre a busca por conciliar crescimento e sustentabilidade contradizem os dados oficiais.
Por mais que sinalize boas intenções, Cameli não abre mão de defender o agronegócio como o mais importante indutor da economia de um estado que ainda mantém de pé pelo menos 85% de sua cobertura amazônica, e deixa de lado um modelo de base florestal.
“No Acre, estado que governo, temos milhares de hectares de terras degradadas que, se bem aproveitadas, podem impulsionar o nosso agronegócio. Falando de maneira mais direta, não precisamos derrubar nenhuma árvore da nossa floresta para plantar soja, milho e uma infinidade de outras culturas agrícolas”, afirmou ele durante o evento no Peru.
“Quero destacar, ainda, que, quando o meio ambiente é tratado com atenção e cuidado, o agronegócio, que depende do regime de chuvas e outros fatores naturais, também é beneficiado.”
A princípio, o discurso de um “agronegócio sustentável” – como a atividade do campo passou a ser definida pelo governo do Acre em eventos internacionais – soa agradável aos ouvidos. Todavia, na prática, o estado perdeu milhares de árvores nativas, muitas delas seculares, para um desmatamento que aparenta estar sem controle.
Mesmo conduzindo uma política econômica-ambiental devastadora, o governador do Acre não tem sentido nenhum impacto em sua popularidade eleitoral. A reeleição em primeiro turno com 56% dos votos pode atestar isso. Nem mesmo as denúncias de corrupção nas quais está envolvido abalaram sua força política nas urnas.
A demonização do conceito de desenvolvimento sustentável implementado pelos 20 anos de governos do PT – chamado de “florestania” – parece ter levado a população local a rejeitar qualquer tentativa de tirar do agronegócio o “protagonismo” do crescimento local.
É este mesmo antipetismo que faz do Acre um dos principais redutos do bolsonarismo dentro da Amazônia Legal, competindo com Mato Grosso, Rondônia e Roraima. No primeiro turno, Jair Bolsonaro obteve 62,50% dos votos, contra 29,26% de Lula.
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