Por 301 votos a favor, 150 contrários e duas abstenções, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 6.299/2002, que torna mais fácil a liberação de agrotóxicos no país.
A votação do projeto não estava prevista para esta quarta-feira. A proposta entrou em pauta após a aprovação de um pedido de urgência feito pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. O texto deve agora voltar para o Senado, Casa onde a proposta foi originada e aprovada (Leia mais abaixo).
Segundo Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, nessa terceira fase de tramitação do projeto – quando volta para o Senado – não há mais alterações no texto.
“O Senado certamente vai aprovar o texto da Câmara e não vai poder alterar redação, colocar artigo novo, porque na terceira fase não faz isso, se aceita ou não o que a Casa revisora [Câmara] fez, ou no todo ou artigo a artigo”, disse, a ((o))eco.
Para a bancada ruralista no Congresso, as mudanças trazidas pelo novo texto irão modernizar e dar mais celeridade na aprovação de novos agrotóxicos.
Segundo o relator do projeto, deputado Luiz Nishimori (PL-PR), atualmente, a autorização de um novo princípio ativo demora de três a oito anos. “A aprovação do projeto irá possibilitar maior produtividade, comida com preço acessível e, principalmente, vai oferecer mais segurança alimentar para nosso país”, disse o deputado, durante a votação desta quarta-feira.
Para especialistas e ambientalistas, no entanto, o projeto, apelidado de “Pacote do Veneno”, traz muitos retrocessos. Dentre os pontos mais polêmicos, estão:
- O PL viabiliza o registro de agrotóxicos comprovadamente nocivos e cancerígenos, ao excluir vedação nesse sentido contida na legislação atualmente em vigor. O novo texto diz que qualquer ingrediente pode ser liberado, desde que não apresente “risco aceitável”. Não há uma definição, no entanto, do que seria aceitável. A mudança gerou reação contrária do Instituto Nacional do Câncer (INCA) que, já em 2018, alertava que esta e outras mudanças trazidas pelo PL 6299/2002 ameaçavam a saúde dos brasileiros.
- Transfere o poder de decisão sobre a aprovação de um novo agrotóxico – antes feito pelo Ministério da Agricultura, Ministério do Meio Ambiente e Anvisa – somente para a pasta da Agricultura, diminuindo a participação do Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, e Anvisa no processo. Tais órgãos forneciam análises sobre a questão ambiental e de saúde pública no processo de avaliação e aprovação de novos venenos. Se sancionado o texto, Anvisa e Ibama não deixarão de fazer as análises sobre os eventuais riscos dos produtos, mas a decisão final será somente da pasta comandada por Tereza Cristina.
- Muda o termo “agrotóxico” para “pesticida”. De acordo com o relator da matéria, deputado Luiz Nishimori (PL-PR), a mudança visa uniformizar a nomenclatura adotada pelo Brasil e pelos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo o Greenpeace, essa mudança mascara a nocividade dessas substâncias e não atende à realidade brasileira de baixa escolaridade no campo. “O termo agrotóxico é amplamente conhecido por quem lida diariamente com essas substâncias. Ele não foi adotado ocasionalmente na construção da Lei 7.802/1989, mas sim para colocar em evidência a toxicidade dessas substâncias, representando direito à informação correta”, ressalta a organização.
- O projeto também inclui conferir, sem avaliação interna, Registro Especial Temporário (RET) e Avaliação Especial temporária (AP) para pesticidas que não forem analisados dentro do prazo estabelecido pela nova lei, desde que tenham sido previamente aprovados em algum país da OCDE. Isto é, a avaliação da segurança para o meio ambiente e para a saúde ficam para depois da aprovação. Ruralistas defendem que esse dispositivo dá mais “celeridade” ao processo.
- Remove a autonomia dos órgãos de saúde para publicar análises sobre agrotóxicos em alimentos.
Durante a votação desta quarta-feira, parlamentares da oposição destacaram tais problemas no texto.
“O Brasil é o maior importador mundial de agrotóxico e o segundo em utilização deste veneno, atrás apenas da China, que, no entanto, possui uma área de agricultura quase duas vezes e meia maior do que a do Brasil. Nessas condições, já somos conhecidos no mundo pelo veneno na mesa e pela contaminação ambiental pelos agrotóxicos. A aprovação deste substitutivo seria um ataque sem precedente à saúde pública e ao meio ambiente”, disse o deputado Nilto Tatto (PT-SP).
“Eu sou médica e digo que ali ficou muito claro: esse projeto é ambientalmente destrutivo para a saúde da população, para os agricultores, para os trabalhadores da área rural. Ele é profundamente prejudicial. Várias doenças decorrem desses defensivos agrícolas, que não terão a fiscalização dos órgãos de saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA em particular […] E do ponto de vista econômico, esses defensivos estão sendo recusados em outros países e estão sendo trazido para cá. Então, obviamente isso prejudicará o Brasil, porque nós estamos recebendo lixo”, ressaltou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Tramitação
A tramitação do projeto hoje aprovado começou em 1999, quando a proposta foi apresentada no Senado pelo então senador Blairo Maggi, tendo sido aprovada. Em 2002, ela chegou à Câmara e recebeu o número 6.299. Ao longo de sua tramitação nesta Casa Legislativa, o PL recebeu muitas mudanças. Em 2018, ele foi aprovado em Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Na época, mais de 20 órgãos públicos e organizações da sociedade civil se manifestaram publicamente contra o projeto. O movimento “Agrotóxico Mata” reuniu as manifestações contrárias à proposta. No nível internacional, a Organização das Nações Unidas também registrou sua oposição às mudanças.
A Fiocruz, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o Instituto Nacional do Câncer e o Ministério Público Federal também chegaram a um consenso técnico-científico, alertando para os riscos que a proposta traz à vida das pessoas e ao meio ambiente.
Após a aprovação na Comissão Especial na Câmara e as manifestações contrárias naquele ano de 2018, a proposta permaneceu parada. No entanto, a partir de um acordo político, o atual presidente da Câmara, Arthur Lira, aliado de Bolsonaro, conseguiu colocar novamente o projeto em pauta, com a aprovação do pedido de urgência, aprovado por 327 a 71 votos nesta quarta-feira.
Agrotóxicos no Brasil
A aprovação de agrotóxicos no Brasil vem crescendo desde 2016, mas teve um salto durante o governo Bolsonaro. Somente nos últimos três anos, foram feitos 1.529 novos registros, 562 em 2021. O total de pesticidas aprovados por Bolsonaro representa 33% dos registros feitos no país desde 2000.
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Alguém notou que só partidos de esquerda aliados do MCT votaram contra essa Lei ! Por quê será que eles não querem o uso de pesticidas na agricultura ? Para destruir a competitividade do agronegócio brasileira e nos fazer importar alimentos em vez de produzi-los no Brasil !