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Com apenas 4 indivíduos, cientistas alertam para extinção iminente da choquinha-de-alagoas

Ave ocorre apenas na Mata Atlântica do nordeste, entre Alagoas e Pernambuco, foi duramente afetada pelo desmatamento e hoje pode ser encontrada numa única localidade

Duda Menegassi ·
20 de maio de 2024

A choquinha-de-alagoas é uma ave com ocorrência restrita à Mata Atlântica do nordeste do Brasil, entre os estados de Alagoas e Pernambuco. O avanço do desmatamento reduziu seu lar e hoje a ave só pode ser encontrada numa única localidade: a Estação Ecológica de Murici, em solo alagoano. Sem suas antes vastas florestas, a população da choquinha entrou em colapso. Atualmente, os pesquisadores estimam que restam apenas quatro indivíduos adultos na natureza e soltam o alerta: a choquinha-de-alagoas está prestes a desaparecer.

O fatalismo não é exagero. Até porque não há nenhuma população de  choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi) em cativeiro que possa ser usada para melhorar a situação da espécie na natureza. O futuro desta ave, portanto, depende do sucesso reprodutivo desses únicos quatro indivíduos adultos remanescentes.

Desde 2016, uma equipe da SAVE Brasil e do Parque das Aves monitora a espécie na Estação Ecológica de Murici, com o objetivo de garantir sua sobrevivência. Para isso, realizam ações como a proteção dos ninhos, com a instalação de barreiras contra predadores. Nos últimos anos, dos cinco ninhos encontrados, quatro falharam, por causa da predação por cobras e cuícas, e também por abandono. Na última temporada reprodutiva, entretanto, nenhum ninho foi encontrado.

Em abril deste ano, os pesquisadores publicaram um artigo no periódico científico Bird Conservation International, com os dados coletados desde 2016 e soaram o alerta para o risco iminente de extinção da espécie. 

O estudo mostra o grave declínio populacional da choquinha entre 2016 e 2021, através dos resultados de censos sistemáticos feitos durante a época de reprodução. No período, a população caiu de 18 para apenas seis indivíduos adultos. 

No mais recente ciclo reprodutivo, entre 2023 e 2024, que não teve tempo de ser incluído no artigo, o número caiu para apenas 4, de acordo com os pesquisadores. Isso representa uma queda de quase 80% em apenas 8 anos.

“A choquinha-de-alagoas é mais uma vítima do desmatamento em massa e da degradação florestal que vem ocorrendo em toda a Mata Atlântica, especialmente no nordeste”, reforça o biólogo da SAVE Brasil, Hermínio Vilela, um dos autores do artigo. 

As populações elevadas desses predadores de ninhos também são um resultado do desequilíbrio causado pela degradação da floresta, explicam os pesquisadores. 

Além de tentar assegurar o sucesso dos ninhos, o caminho para salvar a espécie no longo prazo depende da restauração dos habitats perdidos de Mata Atlântica, assim como a proteção dos remanescentes e gestão efetiva das unidades de conservação no território, como a Estação Ecológica de Murici.

Pesquisadores estimam que restam apenas 4 indivíduos de choquinha-de-alagoas. Foto: Ciro Albano

Enquanto isso, a estratégia do manejo ex situ, com a manutenção e reprodução de aves em cativeiro, ainda parece um caminho tortuoso. Desde 2019 os pesquisadores tentam desenvolver métodos para reproduzir as choquinhas em cativeiro, até agora sem sucesso.

“Existem mais de 200 espécies na família das choquinhas e chocas, mas nenhum zoológico do mundo conseguiu sustentar uma população de qualquer uma delas”, explica o diretor de Conservação do Parque das Aves, Ben Phalan, outro autor do estudo. “Estamos trabalhando com uma espécie modelo que, em teoria, é menos exigente do que a choquinha-de-alagoas, mas, mesmo nesse caso, ainda não conseguimos reproduzi-las. Simplesmente não sabemos o suficiente para estabelecer uma população sob cuidados humanos dessas aves insetívoras especialistas”, admite o pesquisador. 

A importância de Murici

A choquinha-de-alagoas é uma ave pequena que caça insetos no sub-bosque sombreado da Mata Atlântica. Sua vida está atrelada à existência das florestas. Nos últimos 25 anos, com o avanço do desmatamento em Alagoas e Pernambuco, a espécie desapareceu de todos os locais onde era encontrada, sobrevivendo apenas na Estação Ecológica de Murici, em Alagoas.

Durante a pesquisa, os autores chegaram a realizar buscas pela ave em outras 15 localidades potenciais fora de Murici, mas não obtiveram sucesso. O que reforça a possibilidade destas serem, de fato, as últimas quatro choquinhas-de-alagoas do mundo.

A Estação Ecológica de Murici, localizada no município homônimo, foi criada em 2001 e protege cerca de 6.100 hectares. É uma das poucas unidades de conservação na região, considerada um dos últimos refúgios da Mata Atlântica do nordeste e do Centro de Endemismo de Pernambuco, território com alto número de espécies endêmicas, ou seja, que ocorrem apenas ali, como é o caso da choquinha-de-alagoas. Apesar disso, a unidade ainda não está plenamente regularizada, destacam os pesquisadores, o que também é um fator de risco para todas as espécies que dependem desse refúgio.

“A Estação Ecológica de Murici é uma das áreas mais importantes para a biodiversidade no nordeste do Brasil. Além de ser o último local de ocorrência da-choquinha-de-alagoas, é o único lar da jararaca-de-murici, de anfíbios raros e endêmicos, de invertebrados e plantas únicos. Precisamos cuidar dessa área para proteger todo esse patrimônio natural”, destaca o biólogo da SAVE Brasil, Hermínio Vilela.

Outras espécies de aves que ocorriam apenas na região, como o limpa-folha-do-nordeste, o gritador-do-nordeste e o caburé-de-pernambuco, já foram extintas. O mutum-de-alagoas, também extinto na natureza, teve melhor sorte devido à manutenção da espécie em cativeiro, atualmente sob manejo para reintrodução em vida livre.

“Mesmo após várias extinções, Murici continua sendo o único local com número maior de aves criticamente em perigo de extinção no país. O local abriga outras 16 espécies de animais e plantas que não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo”, completa o diretor da SAVE Brasil, Pedro Develey.

Atualmente, parte do trabalho da SAVE Brasil inclui ações de restauração florestal e conectividade entre os habitats remanescentes na região. Um trabalho de longo prazo e uma aposta para o futuro da choquinha-de-alagoas. “Sabemos que as chances são pequenas, mas não podemos abandonar a choquinha-de-alagoas”, afirma Develey.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. ANTONIO DE ALMEIDA MACENA diz:

    Mentira, aqui no recôncavo baiano e costa do dendê, tem de bando! Pesquise melhor e venha ver milagres.