O Congresso Nacional, em sessão conjunta de Câmara e Senado realizada hoje (14), derrubou o veto parcial do presidente Lula à Lei 14.701/23, que contém a tese do Marco Temporal das Terras Indígenas. Sem os vetos, o texto passa a ter força de lei na forma como foi aprovado no Senado, estabelecendo como válidas apenas as terras ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O Congresso levou a matéria à frente mesmo após o Supremo declarar a tese inconstitucional em setembro. Entre os deputados, o placar foi de 321 votos pela rejeição do veto presidencial, contra 127 a favor do veto. Já entre os senadores, o placar foi de 53 a 19 pela derrubada.
Além do Marco Temporal em si, a derrubada dos vetos proíbe a ampliação de qualquer terra indígena já demarcada, mesmo em caso de erros no processo, abre a possibilidade de “retomada” pelo governo de territórios demarcados, permite o cultivo de transgênicos, mineração e até a construção de estradas em terras indígenas, além de abrir a possibilidade de permanência de não-indígenas nas áreas em processo de titulação, com indenizações até a qualquer pessoa que se instalar e construir “benfeitorias” após a portaria declaratória, passo inicial da demarcação. Os casos indenizáveis de desocupações de propriedades também foram ampliados, não se limitando apenas a quem ocupou alguma terra de “boa-fé”.
O Ministério dos Povos Indígenas afirmou, pelo X (antigo Twitter), que acionará a Advocacia-Geral da União para entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para “garantir que a decisão já tomada pela alta corte seja preservada”. Além do Ministério, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) já prometeu entrar com uma ADI contra a lei, e outras entidades também devem contestar a matéria na suprema corte, como adiantou ((o))eco na época do veto presidencial.
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP), defendeu a inconstitucionalidade da matéria. “Derrubar o veto do Presidente Lula que trata do marco temporal não tem futuro. O Supremo não vai aceitar isso, porque nós estamos falando de uma cláusula pétrea que é a condição para a garantia de vida daqueles povos indígenas que lutam ainda pelo seu território”, comentou o deputado à Agência Câmara de Notícias.
Antes da sessão, indígenas protestaram contra o Marco Temporal na Praça dos Três Poderes, ao lado de Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG). “É um placar que vai decidir não somente o rumo da vida dos povos indígenas, mas sobretudo o rumo da vida da humanidade. A tese do Marco Temporal coloca em risco inclusive a proposta da existência do ministério [dos Povos Indígenas], do trabalho da FUNAI, e sobretudo a existência dos povos indígenas, que são a principal para barrar a crise climática”, frisou a deputada no plenário, antes da votação.
A derrubada dos vetos era uma pauta prioritária da bancada ruralista no Congresso. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) comemorou a votação, citando supostos benefícios a “pequenos, médios e grandes produtores” e destacando seu trabalho para que “o agro brasileiro seja muito bem representado”. “Nós precisamos votar, e derrubar esse veto, principalmente, para que possamos trazer segurança pro campo. Segurança para aqueles que produzem e que seguraram esse país nas costas durante anos. Se há um setor nesse país que dá certo, é o agro”, disparou, durante a sessão, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA).
Chamam a atenção, ainda, os votos pela derrubada do veto por parte do ministro da Agricultura e Pecuária, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT, que reassumiu o mandato apenas para votar) e de três deputados do Partido Verde: Bacelar (BA) – que se define como “defensor da educação, do meio ambiente e das minorias” nas redes sociais e é vice-líder do governo na Câmara –, Jadyel Alencar (PI) e Luciano Amaral (AL).
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