O plano de construir um autódromo em cima do um dos últimos fragmentos representativos de Mata Atlântica de terras baixas da cidade do Rio de Janeiro – a Floresta do Camboatá – ganhou personagem internacional. Em carta enviada ao ao governador do estado do Rio, Cláudio de Castro e Silva, o diretor-executivo da Fórmula 1, Chase Carey, faz lobby pelo autódromo e pela concessionária do empreendimento, a Rio Motorsports, com quem a F1 já teria fechado acordos de corrida para sediar, organizar e promover eventos da categoria no município. “Esses contratos estão prontos para execução e anúncio pela Fórmula 1 assim que todas as licenças necessárias forem emitidas pelas autoridades competentes”, indica Carey. O desmatamento de mais de 140 mil árvores para erguer um complexo automobilístico, entretanto, contraria o próprio compromisso assumido pela F1 de se tornar “mais sustentável” e neutralizar suas emissões de carbono.
A carta foi enviada em meados de setembro e veio a público nesta segunda-feira (05) pelo site Grande Prêmio, dedicado às notícias do automobilismo. No texto, Carey comenta ainda que o Brasil tem um lugar especial na história da F1 e fecha o texto com otimismo: “esperamos um futuro empolgante no Brasil” (Leia a carta aqui).
Em junho de 2019, Carey teve uma reunião com o hoje afastado governador do Rio, Wilson Witzel e com o presidente, Jair Bolsonaro. Na época, Bolsonaro declarou que como o contrato da F1 vence em São Paulo em 2020, “eles resolveram retornar a Fórmula 1 para o Rio de Janeiro”. E que Witzel e o prefeito, Marcelo Crivella, junto com o diretor-executivo, definiram que havia “praticamente 99% de chance, ou mais, de ter a Fórmula 1 a partir de 2021 no Rio de Janeiro”, apontou o presidente na ocasião, mesmo sem ter um autódromo operante na cidade.
A construção do autódromo em Deodoro aguarda a licença ambiental, que está nas mãos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). No início de agosto, um dos ritos para obter a licença prévia foi cumprido, com a realização de uma audiência pública virtual – que durou mais de 10 horas – para ouvir a sociedade e os atores envolvidos. Durante o evento, houve dezenas de manifestações contrárias ao empreendimento, tanto da sociedade quanto de organizações e do próprio Ministério Público Federal. E apenas duas favoráveis.
Apesar do discurso da concessionária e da empresa responsável pelo Estudo de Impacto Ambiental, se referir a Camboatá como um “mato degradado”, o local é o último remanescente em bom estado de Mata Atlântica de terras baixas no município e abriga inclusive espécies ameaçadas de extinção, como os peixes das nuvens.
Segundo Beto Mesquita, membro do Movimento SOS Camboatá, o apoio da F1 ao autódromo no Camboatá é incongruente com o compromisso feito pela categoria em se tornar “mais sustentável” e neutralizar as emissões líquidas de CO2 equivalente no esporte até 2030. (Veja a apresentação da Sustainability Strategy da F1 aqui).
“De acordo com estes números, as corridas em si são responsáveis por 8% do total de emissões da F1, o que equivale a 20.524 toneladas de CO2 equivalente. Isso significa que o desmatamento da Floresta do Camboatá, que armazena 80.000 toneladas de CO2 equivalente, equivale ao total de emissões das corridas durante 4 anos”, ressalta Beto.
Os dados sobre Camboatá são de um relatório sobre os serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, produzido pelos pesquisadores Carlos Eduardo Young (UFRJ) e Maira Spanholi (UNEMAT). O documento calcula que a Floresta do Camboatá mantém o estoque de 80 mil toneladas de CO2, considerando apenas a biomassa acima do solo. O relatório também aponta o potencial econômico de transformar Camboatá em parque.
Há desde 2018 um projeto em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), para anexar a Floresta do Camboatá ao Parque Estadual do Mendanha (Projeto de Lei nº 4438/2018), para garantir a proteção do remanescente de Mata Atlântica. Sob a ameaça do autódromo, o PL passou a ser discutido em regime de urgência.
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