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Divulgação da Lista de Aves do CBRO acende debate sobre ausência de mulheres no comitê

Duas mulheres farão parte da composição de transição do CBRO. Presença de mulheres na ornitologia será assunto no congresso brasileiro, que começa em 1º de agosto

Marcelo Baêta ·
30 de julho de 2021 · 3 anos atrás

A divulgação da nova lista de aves brasileiras, feita na semana passada pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO), reacendeu o debate sobre a ausência de mulheres no comitê. A nova lista tem 20 autores, todos homens. Para iniciar a transição do comitê, duas ornitólogas farão parte da composição do CBRO, que está em reestruturação.

A nova lista registrou a ocorrência de 1.971 espécies no país, das quais 293 são endêmicas, ou seja, só ocorrem em território brasileiro. O levantamento reforça a posição do Brasil como terceiro país com maior endemismo de espécies. 

Uma questão de gênero

Não é apenas na composição da CBRO que a disparidade da composição de gênero salta aos olhos. A disparidade também está evidenciada nas referências bibliográficas que subsidiaram a formulação da lista. “Se você olhar para os 80 primeiros trabalhos científicos referenciados na lista de espécies, apenas 10 deles (aproximadamente 10%) têm uma mulher como primeira autora. (…) duas mulheres em um comitê de 20 pessoas, são os mesmos 10% de representação que mencionei anteriormente. Não reflete a participação e contribuição atual das ornitólogas”, explica a ornitóloga e doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB) Lia Kajiki, em entrevista ao ((o))eco por e-mail.

A ornitóloga Clarissa Santos, também por e-mail, ressaltou que o machismo existente na sociedade dificulta a atuação profissional das mulheres. “Portanto, na ciência, e por sua vez na ornitologia, não seria diferente, a falta de paridade no CBRO e em outros espaços é apenas uma evidência dessa situação”, diz a pesquisadora, que é bióloga e mestre pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Clarissa citou artigo científico, podcast e perfis em redes sociais que evidenciam “o crescente debate sobre as relações de gênero na ciência”, tais como o artigo “Why we shouldn’t blame women for gender disparity in academia: perspectives of women in zoology” e “iniciativas como o grupo Passariminas (@passariminas), a rede OrnitoMulheres (@ornitomulheres) e o episódio sobre mulheres na observação de aves do podcast BateBico”.

Ao tratar da reestruturação do CBRO, na live de lançamento da lista, o primeiro assunto abordado pelo coordenador do comitê, Vítor Piacentini, foi o da ausência de mulheres em sua composição. “Desde 2018, vem sendo discutido o inegável viés de gênero que tem o CBRO. São 20 autores da lista, e calhou, por várias questões, que as mulheres tinham saído, não entraram novas mulheres, e esse ciclo de trabalho teve só homens. Quase que os mesmos autores do ciclo anterior”.

Piacentini argumentou que, em 2018, o comitê estava no meio de um ciclo avaliativo e que a diretriz é manter um mesmo grupo trabalhando ao longo de todo um ciclo, para manter uma coerência na sua atuação e uma coesão em suas decisões. “Em 2019 ou 2020, começamos a tentar rever isso, depois que várias pessoas chamaram a atenção para essa falha. Conversamos com a Gláucia [Del Rio] e atualmente com a Ana Catalano”.

Lia Kajiki ponderou que não deve ser fácil encontrar colaboradores para um trabalho árduo, que demanda tempo e é voluntário. “Porém, me parece surreal que não tenham conseguido encontrar UMA ornitóloga que aceitasse participar da empreitada nesse último ciclo”, argumentou. “Iniciativas como o ‘Ornito Mulheres’, ‘Passariminas’ e ‘Aves Pretas’ são extremamente importantes para que nossas vozes tenham espaço e potência”.

Piacentini informou que o coletivo de Mulheres apresentará um trabalho sobre vieses de gênero na ornitologia brasileira no XXVII Congresso Brasileiro de Ornitologia, que será realizado online de 1 a 5 de agosto. “Estamos tendo o apoio do coletivo de Mulheres da Ornitologia, a quem agradeço, Clarissa Oliveira, Daniela França, Keila, Daniela Maia. São muitas, é um grupo organizado, exemplar, são mais de 100 mulheres, é um grupo que rivaliza em números com a própria Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO), se pensarmos nos sócios ativos da sociedade. O coletivo Aves Pretas está ajudando, a Clarissa o representa também”.

Clarissa Santos esclareceu que o coletivo OrnitoMulheres – Rede de Mulheres na Ornitologia e Observação de Aves – é uma iniciativa da professora Shirliane Araújo. “O coletivo tem como objetivo produzir uma revisão geral sobre a representatividade feminina na ornitologia brasileira e na comunidade nacional de observadores de aves”. Ela informou que apresentará, no Congresso Brasileiro de Ornitologia, “um levantamento prévio sobre a presença de mulheres na ornitologia e na observação de aves”.

Sobre o coletivo Aves Pretas, Clarissa contou que formou o grupo para a organização do evento homônimo, em 2020. “Idealizado em parceria com a Bianca Ribeiro, do Bem-te-ouvi, e apoio do Avistar. Inspirado na BlackBirderWeek, dos EUA, foi o primeiro evento que discutiu a questão de raça na ornitologia no Brasil”.

O coordenador do comitê, Vítor Piacentini, ponderou que não se chegará, em curto prazo, à composição ideal, com representação paritária de mulheres e homens no comitê. “O plano que temos encaminhado, que vamos tentar formalizar no congresso, é criar uma composição de transição do CBRO. A Gláucia [Del Rio] já aceitou, a Ana Catalano já aceitou, teve outras mulheres que não aceitaram, porque estão com outras prioridades, por divergências de ideias”, explica.

Clarissa Santos afirmou que “a Glaucia Del Rio e a Ana Luiza Catalano são ornitólogas excepcionais com contribuições importantes na ornitologia brasileira. A entrada de duas ornitólogas é o mínimo para resolver a falta total de representatividade de gênero (…). As ações devem ser contínuas, para que o CBRO atinja um cenário de proporcionalidade, não só representatividade”.

  • Marcelo Baêta

    Jornalista, com especialização em meio ambiente e sustentabilidade. Autor do vídeo-documentário Liberdade, essa palavra (2006) e do livro-reportagem 1971 - O Ano do Galo (2012).

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