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Publicado originalmente por Observatório do Clima
O que acontecerá hoje?
Será realizado nesta quarta-feira (13/4), no Rio de Janeiro, o 3º Ciclo da Oferta Permanente, com a licitação de 379 blocos exploratórios em dez estados brasileiros, principalmente no Nordeste (320), que teve o litoral atingido pelo maior vazamento de óleo da história do país em 2019. Nove de cada dez blocos ofertados são terrestres (347), e 32 estão localizados em alto-mar (offshore). O valor mínimo do leilão é R$ 10 mil, menos da metade do preço de um carro popular.
O que é a Oferta Permanente?
Duas décadas após o primeiro leilão de áreas de petróleo e gás no Brasil, o governo Bolsonaro abandonou o modelo de rodadas de licitações e adotou um novo mecanismo para expandir a produção nacional: a oferta permanente. Como o nome diz, os blocos são oferecidos de forma contínua – mesmo aqueles devolvidos ou rejeitados em leilões já realizados – e podem ser licitados sempre que houver investidor interessado. O edital vigente da oferta permanente, publicado em 30 de julho de 2021, contempla 1.068 blocos em 17 bacias sedimentares. É uma espécie de fast track, ou “saldão” da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para facilitar a venda de áreas para exploração.
Pode isso, IPCC?
Com a oferta permanente o governo abdica de uma política de planejamento energético baseada na ciência: em maio de 2021, a Agência Internacional de Energia publicou um relatório em que afirma que, se o mundo quiser cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global em 1,5ºC, nenhum novo projeto de exploração de combustíveis fósseis deveria ser licenciado em nenhum lugar do planeta. Meses depois, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que “o objetivo é tirar o petróleo o mais rápido possível”, sob a justificativa de que “a Petrobrás vai valer zero daqui a 30 anos”. O IPCC, o painel do clima da ONU, disse em seu último relatório que 95% do carvão e 60% do petróleo precisarão ficar no subsolo caso a humanidade queira cumprir as metas do acordo do clima.
O que mudou com a oferta permanente?
O processo é diferente das demais rodadas de licitação realizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Agora, as áreas ficam permanentemente em oferta. Na nova modalidade, os ciclos têm início a partir da manifestação de interesse de uma empresa inscrita. A ANP tem prazo de 90 dias para marcar a sessão pública de apresentação de ofertas. Durante esse período, pode haver manifestações de outras empresas, e novas inscrições. Assim, elas não precisam mais esperar por uma rodada de licitação “tradicional” para ter a oportunidade de arrematar um bloco. A ANP alega que o novo modelo “traz oportunidades para empresas de diferentes tamanhos e perfis”.
Por que a oferta permanente gera insegurança jurídica e ambiental?
O Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), que era responsável pelas análises ambientais prévias para definição das áreas a serem ofertadas, foi extinto em abril de 2019. O GTPEG era composto por representantes do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do ICMBio.
Essas avaliações técnicas foram substituídas por uma manifestação conjunta dos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia. Em outubro de 2021 foi criado um novo GT, de caráter consultivo, no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), sem a atribuição específica do antigo GTPEG, de realizar análises ambientais.
Em relação às áreas ofertadas no 3º Ciclo da Oferta Permanente, nesta quarta-feira (13/4), o GTPEG havia pedido em etapas anteriores a readequação de seis blocos, em razão de problemas como sobreposições com áreas de preservação, segundo levantamento do Instituto Arayara. Não houve readequação, e a oferta foi mantida mesmo assim.
Ao manter áreas com alta sensibilidade ambiental como Abrolhos e Fernando de Noronha/Atol das Rocas na lista de novas possíveis fronteiras de exploração, o governo comprovou que não há risco em caso de um acidente na exploração?
Não há documentos demonstrando que não há risco para as áreas protegidas ao explorar esses blocos. Em vez de aplicar a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), de analisar previamente a sensibilidade ambiental das áreas ofertadas ou de pelo menos respeitar pareceres técnicos dos órgãos ambientais preexistentes, o governo opta pela narrativa de que todos os problemas serão ponderados no licenciamento ambiental. Não faz sentido. Áreas como essas são únicas e altamente prioritárias para a conservação da biodiversidade. Não há condicionantes de licença ambiental que possam resolver a degradação de ecossistemas como esses. Mesmo no leilão que vai ocorrer hoje há blocos com efeitos negativos para áreas protegidas.
Ainda não foram concluídas pela ANP as Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares, instrumento definido pelo Conselho Nacional de Política Energética para o planejamento de outorga de áreas petrolíferas. Dessa forma, há blocos que estão sendo ofertados em zonas de alta sensibilidade ambiental e sem consulta às populações tradicionais destes territórios, como indígenas, quilombolas e pescadores artesanais. O processo de licitação desconsiderou, inclusive, o impacto sobre unidades de conservação próximas.
Por que o 3º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão é contestado na Justiça?
Porque pelo menos cinco blocos têm sobreposição com Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). São eles: SEAL-T-103, sobreposição com 1 APA e 1 RPPN; SEAL-T-120 (2 APASs e 1 RPPN); SEAL-T-131 (1APA e 1 RPPN); SEAL-T-269 (2 APAs e 1 RPPN); e SEAL-T-303 (2 APAs), segundo levantamento do Instituto Arayara.
A oferta permanente terá impacto no preço do diesel e da gasolina?
Não. Mesmo que os leilões tenham vencedores, o investimento levará em média pelo menos uma década até que a primeira gota de petróleo seja extraída. Portanto, além do risco de impactos ambientais graves, não haverá benefício imediato em termos de custo do combustível, apesar da afirmação do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, de que o Brasil aumentará a produção de petróleo após um pedido dos EUA, em meio à invasão da Ucrânia pela Rússia.
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