O ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula, recebeu uma carta que pede ajuda para manter a vigência da lei que proíbe a construção de usinas no rio Cuiabá, em Mato Grosso. Aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) e promulgada no ano passado após revés ao veto do governador Mauro Mendes (União Brasil-MT), a legislação é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por pelo menos duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), que pedem a sua revogação.
De autoria da Rede Pantanal, a carta foi entregue na quinta-feira (12) ao ministro por Nilma Silva, presidente da Associação do Segmento da Pesca de Mato Grosso (ASP-MT). “Essa Lei é um grande avanço para a proteção dos peixes e da pesca em todo Pantanal, uma vez que estudos científicos mostram o quão danosas são as represas para o meio ambiente”, diz trecho do documento.
A ((o))eco, a presidente da ASP-MT conta que o pedido também tem o objetivo de fomentar a atuação conjunta do Ministério com outras pastas, como a do Meio Ambiente e Mudança do Clima, com quem ela também diz ter se reunido na quinta. “Vamos reunir forças para que esse Ministério trabalhe de forma integrada para proteção de um bem maior que é o recurso pesqueiro”.
De autoria do deputado estadual Wilson Santos (PSD-MT), o Projeto de Lei (PL) nº 957/2019, que deu origem à Lei Estadual nº 11.865, foi aprovado em maio do ano passado, mas recebeu o veto integral de Mendes, por entender a matéria como inconstitucional. A legislação, porém, foi promulgada após os deputados estaduais da ALMT reverterem o veto.
Atualmente, a lei é alvo de pelo menos duas ADI. A primeira delas, a ADI 7319, foi apresentada pela Associação Brasileira de Energia Limpa (Abragel), enquanto a segunda, a ADI 7323, é da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Distribuídas ao ministro Edson Fachin no final do ano passado, ambas já estão aptas para o voto do relator.
Assim como fez o governo do Estado de Mato Grosso quando a lei ainda não tinha sido promulgada, tanto a CNI quanto a Abragel argumentam que a legislação teria “invadido” a competência privativa da União para legislar sobre água e energia.
“Mas nós sabemos que o artigo 225 da Constituição Federal ampara todos os atos feitos para proteção do meio ambiente. Sabemos também que a Constituição Estadual [de Mato Grosso], no artigo 264, é clara a respeito dessa situação. O estado tem poder de legislar de forma concorrente com a união”, rebate Nilma.
Na carta, a Rede Pantanal também sugere uma “moratória” para que nenhuma usina seja licenciada na Bacia do Alto Paraguai (BAP), onde se insere o Pantanal, até que seja feita uma Avaliação Ambiental Estratégica do impacto das “mais de 100 novas represas previstas para a bacia”.
Entregue em reunião que tratou da retomada da pesca do pintado em Mato Grosso – proibida no ano passado após publicação de portaria do Ministério do Meio Ambiente que incluiu como “Vulnerável” a espécie na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção –, a carta foi bem recebida pelo ministro da Pesca e Aquicultura, segundo a presidente da ASP-MT.
((o))eco entrou em contato com a pasta para saber o que (e se) algo será feito em torno do assunto. À reportagem, a assessoria confirmou o recebimento do documento pelo ministro André de Paula, que disse ter entendido a importância da carta da Rede Pantanal. Sobre o que deve ser feito, porém, foi dito apenas que a demanda ainda está sendo internalizada com a sua equipe.
Impactos para o Pantanal
O rio Cuiabá é alvo de um projeto de seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), que atualmente está inviabilizado pela lei promulgada no ano passado. O complexo estava previsto em um trecho de 190 km do rio, em áreas de seis municípios mato-grossenses: Cuiabá, Várzea Grande, Jangada, Nobres, Acorizal e Rosário Oeste.
Como mostrou ((o)), estudo de impacto de hidrelétricas na BAP, feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), caracteriza o rio como zona vermelha para implantação de empreendimentos hidrelétricos, principalmente pelo papel importante de manutenção do Pantanal.
A investigação concluiu que 89% dos peixes do rio Cuiabá são de piracema, ou seja, são migradores, que transitam entre o curso d’água e o bioma. Além disso, o rio é responsável pela produção do maior número diário de ovos de peixes migradores durante a piracema entre todos os cursos d’água da BAP.
Para especialistas consultados por ((o))eco, a construção das usinas no rio ainda pode interromper o fluxo de peixes entre o curso d’água e o Pantanal, reter em até 90% o transporte de sedimentos para o bioma, acelerar o processo de erosão das margens do rio e impactar a cadeia econômica das cidades que dependem da pesca na região.
*Atualizada às 14h16min para inserir manifestação do Ministério da Pesca e Aquicultura.
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