Invasores de terras no Mato Grosso podem regularizar a área ocupada ilegalmente pagando valores irrisórios por elas. A média do preço da terra cobrado pelo estado para fins de regularização fundiária é de R$ 278,48 o hectare (10 mil m²), sendo que o valor médio do hectare no mercado de terras mato-grossense é uma cifra 33 vezes maior: R$ 9.090,36.
As informações contam no relatório “Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado do Mato Grosso”, produzido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Ainda que o estado tenha feito mudanças recentes em sua lei fundiária e no órgão responsável pela área, o Instituto de Terras do Mato Grosso (Intermat), o relatório do Imazon aponta lacunas importantes nas normas desta unidade da federação quando o tema é destinação de terras públicas.
Ainda em relação aos valores de terras, o estudo mostra que, no Mato Grosso, áreas preservadas valem menos. Sobre o valor de terra básico fixado pelo Intermat, cuja média foi apresentada no início do texto (R$ 278,48), são somados coeficientes relativos às características do local onde o imóvel está localizado: quanto mais infraestrutura ao redor, mais caro ele fica. Um decreto estadual, porém, veda a aplicação dos coeficientes às áreas de Reserva Legal, mantendo o valor básico. Ou seja, áreas de floresta possuem valor menor de venda do que as áreas já desmatadas.
A legislação mato-grossense também não traz indicação de prazo limite para início da ocupação. O marco temporal é um importante instrumento no controle da ocupação desordenada de terras públicas e o consequente desmatamento ilegal dentro delas.
Na esfera federal, o marco é 22 de julho de 2011, quando considerada a regra especial – regularização pagando o preço máximo da tabela do INCRA. Áreas ocupadas após esta data não podem ser regularizadas. No nível estadual, cabe a cada unidade da federação definir seu marco temporal.
No Mato Grosso, a legislação diz somente que, para casos de regularização por doação – imóveis até 100 hectares e cujo ocupante atenda a uma série de requisitos, como não possuir renda familiar por atividade não agrária acima de 3 salários mínimos – o tempo mínimo de ocupação é cinco anos. Já na modalidade de venda, o tempo exigido é um ano e um dia.
Porém, como não há data explicita em nenhuma norma, essas ocupações poderiam ocorrer a qualquer tempo, inclusive no futuro. “É um estímulo para a continuidade da ocupação de terra públicas para fins de apropriação”, diz trecho do relatório.
Além disso, o estado não veda a titulação para requerentes que aparecem na lista de trabalho análogo à escravidão ou prevê a perda do imóvel titulado no caso de ocorrência desse tipo de situação.
Também não há a exigência de que o invasor assuma o compromisso prévio de recuperação da área desmatada, tampouco o impedimento para regularizar áreas desmatadas recentemente.
Outro problema encontrado pelo Imazon no Mato Grosso são os procedimentos comprobatórios de posse. As normas estaduais permitem a utilização do Cadastro Ambiental Rural como documento comprobatório, o que contraria o Código Florestal Federal. Além disso, em algumas modalidades de regularização, se o ocupante não puder comprovar a exploração direta ou indireta da área por sua família, o estado aceita uma carta dos vizinhos com declaração de reconhecimento dos limites do imóvel.
Todos esses problemas são agravados pela falta de recursos humanos nas instâncias públicas estaduais voltadas para a regularização fundiária, pela desatualização da base fundiária digital e pela falta de participação social nos processos de destinação de terras públicas.
Situação fundiária no Mato Grosso
O Mato Grosso possui 10,5% de seu território (9,3 milhões de hectares) ainda não destinados ou sem informações sobre sua destinação. A maior parte desta área, correspondente a 6% do estado, já estava inscrita no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Porém, devido à ausência de informações públicas sobre a situação fundiária desses imóveis, não é possível averiguar a legalidade dessa ocupação.
Do total dessa área não destinada, 29% (2,7 milhões de hectares) possui prioridade para conservação, sendo a maior parte (1,5 milhão de ha) classificada como de importância biológica extremamente alta.
Da área do estado que já possui destinação fundiária (89,5% do território mato-grossense), 65,5 % (59,3 milhões de hectares) é ocupado por imóveis privados, 16,5% (14,9 milhões de ha) por Terras Indígenas, 5% (4,5 milhões de ha) por projetos de assentamentos e 2,5% (2 milhões de ha) por Unidades de Conservação. O relatório identificou outros 31 mil hectares de Área Militar e 11,5 mil hectares de Florestas Públicas federais já destinadas.
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