Acordamos em uma manhã muito diferente das que temos tido até então. Saímos do quarto e não fomos tomados pelo bafo de calor que nos confronta todos os dias, inclusive ontem, quando Cuiabá foi a cidade mais quente do mundo e os termômetros de alta precisão na RPPN registraram 49º C (sim, quarenta e nove graus!). A manhã de hoje estava nublada, mais fresca e com um chuvisco que antes das 7h parou, mas foi suficiente para amenizar a temperatura e a secura.
Partimos em direção a uma região de estudo de Manejo Integrado do Fogo (MIF), onde ocorrem experimentos e são coletadas análises para que uma equipe de mais de 40 cientistas avalie quais os efeitos e melhores práticas do uso de fogo para “limpar a terra”. Segundo explicou a bióloga e gerente de Pesquisa e Meio Ambiente do SESC Pantanal, Cristina Cuiabália, os incêndios na natureza só ocorrem a partir de vulcões (que não existem no Brasil), raios (que não ocorrem na época de seca no Pantanal) e pela ação humana. Essa última pode ser acidental (fogueira que foge do controle, fio elétrico em curto, maquinário que incendeia, etc) ou proposital, para remover plantas menores da terra. Ou seja: a imensa maioria das queimadas de que temos notícias são provocadas pela ação humana.
A limpeza com fogo é uma prática muito antiga, usada ampla e historicamente no meio rural. É extremamente improvável, para não dizer impossível, que haja uma mudança a ponto de que elas deixem de ocorrer, inclusive porque sua alternativa seria maquinário e mão de obra humana para limpeza da terra, o que encareceria substancialmente a produção.
Mais eficiente do que proibir, o SESC tem apostado em aprimorar e conscientizar. A ideia é que os estudos do MIF gerem maneiras mais sustentáveis de usar o fogo, minimizando o impacto na fauna, flora e microbiota do solo, tudo isso sendo compartilhado não só na comunidade científica, mas também em rodas de conversa com produtores rurais e, no estado da arte que fez brilhar os olhos de Cristina, nas políticas públicas que envolvem o agro e o meio ambiente.
Rios voadores e Pantanal
Após visita aos campos de MIF, fomos à beira do Rio Cuiabá para conversarmos com o biólogo doutor em recursos hídricos e professor da UFMT, Ibraim Fantin, que nos apresentou informações importantes sobre a situação hídrica do bioma pantaneiro. Como o fato de que a região perde muito mais água através da evaporação do que recebe através das chuvas, de modo que depende em muito dos volumes trazidos pelos rios da região, cujas nascentes ficam nas cabeceiras, regiões de cerrado que recebem grandes volumes de chuvas vindas pelos “rios voadores”, nome dado às grandes massas de vapor d’água que vêm da Amazônia. Não por acaso, o avanço da fronteira agrícola, das queimadas e desmatamento nesse bioma equatorial traz grandes consequências também para o Pantanal, reforçando a ideia de que as questões climáticas estão interligadas a nível regional e até global.
“O que gera inundação para a nossa região não é a chuva local. Se a gente pensar o balanço hídrico do Pantanal, ele é negativo. Ele evapora mais do que chove. Então como pode inundar? É pela água que é concentrada na bacia, que chove, e escoa todo esse volume pra bacia. Chegando aqui devido a planície e a baixa declividade, a água não consegue escoar pelo rio. Então ela eleva o seu nível e transborda lateralmente. O que provoca a inundação na maior parte. O Pantanal é depente da proteção das áreas de cabeceiras”, nos explicou Ibraim.
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