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Ruralistas escolhem estreia do Brasil na Copa para votarem PL do Veneno

Pedido de vistas da proposta adiou a votação na comissão para próxima terça-feira (29). Matéria atualizada após decisão no Senado

Juliana Arini · Débora Pinto ·
24 de novembro de 2022 · 2 anos atrás


Uma das pautas mais temidas para a saúde pública e o meio ambiente entrou em votação nesta quinta-feira, 24, em uma comissão do Senado Federal. Trata-se do Pacote do Veneno (PL 1459/2022), que libera o uso e o registro de mais agrotóxicos. A flexibilização inclui substâncias cancerígenas e proibidas em outros países. 

A votação começou às  8h, na Comissão de Agricultura (CRA) do Senado Federal. Segundo informações da Casa Legislativa, essa foi a “única pauta do dia”, em uma quinta-feira marcada pela estreia da seleção brasileira em um jogo da Copa do Qatar, no final da tarde.  

Mas, após pedido de vista coletivo, a votação da proposta que altera as regras para registro, uso e comercialização de agrotóxicos no país, foi adiada na CRA para a próxima terça-feira (29).

No site do Senado, o relator, senador Acir Gurgacz (PDT-RR), chegou a elogiar o projeto ao apontar “uma necessidade de atualização normativa diante do desenvolvimento técnico e científico do mundo atual”. 

Um dos pontos de atenção é a acelerada tramitação do PL do Veneno, que não tem seguido os trâmites normais do Congresso desde fevereiro, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o colocou em votação, conseguindo 301 votos a favor e 150 contra. 

Depois disso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), encaminhou o PL apenas para apreciação da Comissão de Agricultura, um espaço dominado pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a chamada bancada ruralista. Normalmente um projeto deste peso deveria tramitar em mais de uma comissão. 

Nesta terça-feira, 22, uma audiência pública sobre o PL, apontou justamente a falta de debate com a sociedade  promovida pelo Congresso Nacional.  Por insistência do Partido dos Trabalhadores (PT), o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Tóxicos e Direitos Humanos, Marcos Orellana, foi ouvido pela Comissão de Agricultura. 

Orellana afirmou aos senadores que os direitos humanos e a proteção do meio ambiente correm riscos graves com a aprovação do PL do Veneno. “A persistência dos químicos [no meio ambiente] superou os limites seguros para a humanidade”, disse Orellana, em sua participação virtual, quando também lembrou que no mundo, “cresce o apoio a uma agricultura em harmonia com a natureza” e a aprovação da liberação de mais agrotóxicos faria o Brasil andar na direção contrária.

O Brasil é um dos líderes mundiais no uso intensivo de agrotóxicos. Desde 2019, foram aprovados entre mil a 1.801 novos rótulos de veneno para plantações e cerca de 50% têm ingredientes ativos proibidos na União Europeia, o que pode agravar a relação comercial com esse continente. A produção de milho, soja, algodão e cana-de-açúcar são as mais afetadas.

Pulverização de agrotóxicos. Foto: Anvisa.

“É motivo de preocupação, porque os pesticidas não são apenas para o cultivo, eles também geram impactos na saúde, no meio ambiente e definitivamente dizem respeito ao gozo dos direitos humanos”, conclui Orellana.

Caso o PL do Veneno seja aprovado nesta quinta, tudo indica que Pacheco poderá seguir com o projeto para votação, podendo ser esta uma das últimas sanções, e vitórias, do presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos maiores defensores do PL do Veneno.

Retrocessos em série

A inserção do PL do Veneno na pauta da CRA foi uma “dupla” rasteira contra o meio ambiente. A votação será subsequente a outros três retrocessos ambientais votados pelo legislativo em menos de 24 horas. 

Nesta quarta-feira, 23, enquanto entidades do terceiro setor debatiam a possível votação do “PL do Lobby” (4391/2021), de autoria do Executivo Federal e apensado ao PL 1202/2007, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), da Câmara dos Deputados, aprovou o parecer de três relatórios de PLs potencialmente danosos ao meio ambiente. 

O primeiro foi o PL 364/2019, do deputado José Mário Schreiner (MDB-GO). O projeto, referente à Lei da Mata Atlântica, busca caracterizar as áreas de pastagens naturais em campos de altitude como “áreas consolidadas”, o que permite o seu uso em conversão para agricultura a qualquer momento. Com o novo texto do relatório aprovado, fica mais fácil permitir que as áreas não florestadas poderão ser exploradas “independente do bioma em que estejam localizadas”, contanto que já estivessem sendo cultivadas antes de 22 de julho de 2008, marco temporal previsto no Código Florestal.

Na prática, se aprovado, o projeto pode revogar a Lei da Mata Atlântica e criar uma imensa confusão jurídica, dificultando a futura criação de leis específicas para a proteção de outros biomas brasileiros.

Extração madeireira na Amazônia – Foto: Tayane Carvalho/Idesam

Outro relatório aprovado foi o do PL 195/2021, que pede a dispensa da emissão do Documento de Origem Florestal (DOF) no transporte de madeira nativa entre dois imóveis rurais. Essa flexibilização abre uma brecha no sistema de controle da exploração florestal no país, permitindo “esquentar” (tornar legal) madeira advinda de desmatamentos ilegais, como os realizados em Terras Indígenas, unidades de conservação ou mesmo em terras privadas sem manejo autorizado. 

O autor da proposta alega que pretende apenas facilitar o uso de madeira nativa em pequenas propriedades rurais, aumentando em mais de 200% (de 15m3 para 40m3) a quantidade de madeira nativa que pode ser explorada nas reservas legais.

 O projeto “inova”, ainda, ao sugerir o transporte de madeira entre dois imóveis de “parentes de primeiro grau” sem qualquer tipo de controle, algo que não é previsto na legislação atual. A ausência de controle será um facilitador para a exploração ilegal, sobretudo na Amazônia que já sofre os impactos da exploração ilegal de madeira.

O terceiro relatório que passou na CMADS foi o do PL 2168/2021, que também visa alterar o Código Florestal, e considera como de utilidade pública as obras de infraestrutura de irrigação e dessedentação animal em Área de Preservação  Permanente (APP), incluindo os barramentos ou represamentos de cursos d’água que provocam intervenção ou supressão de vegetação nativa. 

A proposta pode tornar mais fácil a obtenção de autorização para desmatamento de matas ciliares e o barramento de rios em todo o país, dispensando análises mais criteriosas, hoje feitas no âmbito do licenciamento ambiental. A construção dessas obras sem o devido estudo técnico para licença e autorização tem potencial para efeitos graves à disponibilidade hídrica, à qualidade da água, aos ecossistemas e potencializa conflitos entre os usuários dos recursos hídricos.

Desmonte ambiental em curso

A atuação do Congresso Nacional deixa claro o tamanho do desafio que será a retomada da agenda ambiental pelo novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.  Ainda que a eleição do petista possa significar que, a partir de 2023, o Brasil poderá ter uma gestão mais ambientalmente responsável, sobretudo no que diz respeito ao combate ao desmatamento, até a posse de Lula, o Congresso deve seguir pressionando na direção contrária. 

Grande parte das pautas apoiadas pelo atual presidente Jair Bolsonaro, capazes de gerar prejuízos ambientais de longo prazo tendem a ser votadas com extrema celeridade exatamente pela iminência da mudança de gestão.

A pressão vem sobretudo da Frente Parlamentar da Agropecuária, que hoje domina a CMADS, e está tentando aproveitar os últimos meses de um governo que apoia  suas pautas, mesmo as mais irresponsáveis do ponto de vista ambiental, para fazer avançar o desmonte da legislação ambiental. Esses PLs ficaram conhecidos como o Pacote da Destruição. 

Além das matérias em tramitação na CMADS, também há outros projetos que podem avançar até o final do ano. São eles: o PL nº 3729/2004, que flexibiliza os procedimentos de licenciamento ambiental no país; o PL nº 2633/2020 (apensado ao PL 510/2021) que altera regras da regularização fundiária de terras públicas federais, tornando-as mais flexíveis e beneficiando o processo de ocupação ilegal, chamado de “PL da Grilagem”; o PL nº 2510/19, que altera o Código Florestal, transferindo para os municípios a competência para definir o tamanho das Áreas de Proteção Permanente nas margens de rios em áreas urbanas; e o PL nº 191/2020 (pedido de urgência), que autoriza a mineração e a construção de hidrelétricas em Terras Indígenas. Todos esses projetos contaram com a maioria de votos na Câmara e foram aprovados nesta instância, encontrando-se em diferentes estágios de tramitação.

Unidades de conservação em risco 

O atual desmonte da legislação ambiental também põe em risco as terras protegidas nacionais. A  maior ameaça é o PL 2001/2019, conhecido como PL das Unidades de Conservação, que visa reverter o entendimento majoritário dos tribunais, que reiteradamente vêm reconhecendo que a não conclusão do processo de desapropriação não é razão suficiente para extinguir Unidades de Conservação. 

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Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, um dos alvos dos projetos de projetos de lei no Congresso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O projeto original estabelece a caducidade (extinção) do ato de criação das UCs caso não sejam concluídas as desapropriações dos imóveis particulares existentes em seus limites no prazo de 5 (cinco) anos de sua edição.  

Um recente relatório do deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP) rejeitou essa alteração, e criou formas juridicamente aptas a acelerar a indenização dos proprietários privados afetados pela criação de UCs. No entanto, novamente, a CMADS poderá aprovar o voto em separado do deputado Paulo Bengston (PTB-PA), que não só aprova o texto original, como traz várias novidades nocivas à integridades das áreas protegidas.

Se aprovado o voto em separado, diversas e importantes UCs já instituídas – como por exemplo, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros  (GO), o Parque Nacional de São Joaquim (SC) e o Parque Nacional da Serra do Cipó (MG) – estarão ameaçadas, pois ainda carecem de regularização fundiária.

  • Matéria atualizada às 10h de 24 de novembro.
  • Juliana Arini

    Repórter, fotógrafa e documentarista há duas décadas cobre a questão energética, a crise climática, o desmatamento e as queimadas.

  • Débora Pinto

    Jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua há vinte anos na produção e pesquisa de conteúdo colaborando e coordenando projetos digitais, em mídias impressas e na pesquisa audiovisual

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