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Vegetação nativa cobria menos da metade do Pampa Sul-Americano até 2021

Em 37 anos, Brasil teve a maior perda proporcional de vegetação campestre do bioma, aponta levantamento do MapBiomas. Expansão de áreas agrícolas é principal vetor de transformação

Michael Esquer ·
14 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

Imagens de satélites analisadas por pesquisadores do Brasil, Argentina e Uruguai revelam que o Pampa Sul-Americano perdeu 20% de vegetação campestre entre 1985 e 2021. Com essa redução, a vegetação nativa alcançou a cobertura de menos da metade do bioma no ano passado. Entre os três países, o Brasil teve a maior redução proporcional de vegetação nativa nesse período. Foram 3,2 milhões de hectares de vegetação campestre perdidos – cerca de 34% da área que o bioma tinha no país em 1985. Os dados constam em levantamento do MapBiomas, publicado nesta quarta-feira (14).

O estudo concluiu que a redução da vegetação campestre do bioma entre Argentina, Brasil e Uruguai nesses 37 anos incluiu a perda de 8,7 milhões de hectares de campos nativos e 260 mil hectares de florestas. Nesse cenário, a vegetação nativa atingiu uma cobertura de apenas 48,4% do Pampa Sul-Americano em 2021. 

Da área nativa remanescente no ano passado, a maior parte dela (32%) correspondia a vegetação campestre, que, além de ser a vocação natural do bioma, é tradicionalmente utilizada para pecuária. Esse tipo de vegetação caiu de 44 milhões de hectares em 1985 para 35,3 milhões de hectares em 2021, índice 20% menor.

Perda de vegetação campestre do Pampa sul-americano entre 1985 e 2021. Foto: Reprodução/MapBiomas

Por outro lado, a agricultura, pastagem ou florestas plantadas (silvicultura) cresceram 15,3% nos últimos 37 anos e alcançaram, no ano passado, uma área de 6,8 milhões de hectares, o que representa quase metade da cobertura do Pampa (47,2%). 

“Várias pesquisas científicas indicam que o Pampa Sul-Americano é um dos biomas menos protegidos e mais ameaçados do continente, exatamente por conta das grandes taxas de transformação na cobertura e uso da terra e os baixos níveis de conservação de seus ecossistemas naturais”, explica Eduardo Vélez, integrante da equipe MapBiomas Pampa. 

Brasil, maior perda proporcional 

Com 108,9 milhões de hectares, o Pampa Sul-Americano ocupa 6,1 % da América do Sul. Da área total mapeada, 66% está na Argentina (71,7 milhões de hectares), 18% no Brasil (19,4 milhões de hectares), e 16% no Uruguai (17,8 milhões de hectares). 

Entre esses três países, a Argentina teve a maior perda absoluta de vegetação campestre. Foram perdidos 3,5 milhões de hectares em 37 anos, o que equivale a uma redução de 16% da área que o bioma tinha no país em 1985. 

Já o Brasil ficou com a maior perda proporcional de vegetação campestre. Os 3,2 milhões de hectares perdidos em 37 anos equivalem a 65 vezes a área do município de Porto Alegre (RS) – e cerca de 34% da área que o bioma tinha em 1985. Para o MapBiomas, o principal vetor dessa mudança no país é a expansão das áreas agrícolas para o plantio de soja. 

Em território brasileiro, as áreas agrícolas aumentaram 2,6 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Já a silvicultura, expandiu seu território em mais de 700 mil hectares nesse período – um aumento de 1.640%. Em 1985, a área total ocupada pelos campos era de 9,4 milhões de hectares e passou para 62,2 milhões de hectares em 2021. 

Mapa do Pampa sul-americano. Foto: Reprodução/MapBiomas

Impactos ambientais 

O recorte temporal do mapeamento do MapBiomas tem como ponto de partida o ano de 1985, quando pelo menos metade do Pampa já tinha sido ocupado por atividades humanas, como agricultura, pecuária, silvicultura e áreas urbanas. As transformações dos últimos 37 anos, porém, conforme relata a rede colaborativa, tem alterado drasticamente a paisagem do bioma. 

Ainda conforme a rede colaborativa, as consequências dessa transformação são ruins para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, além de comprometer o potencial regional de produzir carne de modo sustentável, em escala, a partir da vegetação campestre típica do bioma. 

“A pergunta que se coloca é: por que nossos campos estão sendo substituídos por monoculturas? Eles abrigam uma biodiversidade fantástica, responsáveis por serviços ecossistêmicos, não só de provisão, como seria a produção animal, mas de regulação, de suporte e serviços culturais que não estamos levando em conta na elaboração de políticas públicas”, disse durante a apresentação do levantamento o professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Carlos Nabinger, mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia.  

Para Nabinger, um dos grandes desafios para a conservação do bioma no Brasil é a imposição de uma política de ordenamento territorial. Segundo ele, essa seria a única forma de aliar produtividade, sustentabilidade e conservação, sendo, ainda, a própria plataforma do MapBiomas uma ferramenta importante para essa finalidade. 

“Ninguém é contra a produção agrícola em geral, mas nós temos que nos dar conta de que alguma coisa dos ecossistemas naturais tem que continuar existindo para que nós possamos continuar existindo”, concluiu o pesquisador, ao enfatizar que a transformação do bioma implica também na perda de polinizadores e de qualidade de água. 

  • Michael Esquer

    Jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com passagem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos

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