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Chove-não-molha

Mesmo depois da chegada da chuva, centenas de municípios da região Sul continuam sofrendo os efeitos da seca. A previsão é de piora nos próximos meses.

Fabrício Escandiuzzi ·
3 de março de 2005 · 20 anos atrás

A chuva que chegou ao sul do Brasil no final de fevereiro não será suficiente para amenizar os efeitos da severa estiagem que castigou a região durante cerca de quatro meses. A previsão do tempo não é das mais animadoras, de acordo com Marcelo Martins, meteorologista da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). “As chuvas ficaram bem abaixo da média, atingindo apenas 4% do esperado em algumas regiões”, afirma. “Não há qualquer possibilidade do nível de chuvas chegar sequer à metade do previsto, mesmo com a precipitação registrada a partir de 24 de fevereiro”.

Segundo Martins, a seca acontece devido a um período cíclico da natureza, mas ele destaca que é o terceiro ano seguido que a região Sul apresenta índices pluviométricos abaixo da média histórica. “Os chamados bloqueios atmosféricos impedem que as frentes frias passem pelo sul do Brasil”, explica. A perspectiva para os próximos meses é das mais sombrias. O meteorologista explicou que, historicamente, março e abril apresentam índices de precipitação bem inferiores a janeiro e fevereiro. “A previsão feita pela maioria dos institutos mostra que as chuvas estarão dentro ou ligeiramente abaixo da média, o que é insuficiente para a recarga do déficit registrado”, diz.

O saldo da estiagem é grave, principalmente para os pequenos produtores rurais do Rio Grande do Sul e do oeste catarinense. Ao todo, 306 dos 496 municípios gaúchos decretaram estado de emergência. Em Santa Catarina, a situação atingiu 97 cidades e pouco mais de 1 milhão de pessoas (um quinto da população do estado). Os prejuízos começam a aparecer. Com os leitos dos rios praticamente secos, as lavouras contabilizam perdas imensas. O plantio de soja, fumo, feijão e arroz também está comprometido, o que fez o Rio Grande do Sul perder competitividade no agronegócio. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) previu em dezembro uma produção recorde para o estado, na ordem de 20 milhões de toneladas de grãos na safra 2004/2005. A estiagem frustrou as expectativas, principalmente nas lavouras de milho, que acumulam prejuízos de 80% a 90%. “Também registramos perdas na bacia leiteira, na fruticultura, no fumo e no feijão”, lamentou o governador Germano Rigotto, após sobrevoar algumas áreas do estado. O quadro desolador torna a seca deste ano a pior da última década.

Uma das situações mais preocupantes é a do rio Gravataí (RS). Ele percorre 39 quilômetros e passa por nove cidades até desaguar no delta do Jacuí e, posteriormente, na bacia do Guaíba. Sua área de influência abrange a região metropolitana de Porto Alegre, que concentra cerca de 1 milhão de habitantes. O rio está tão seco que quatro dos municípios mais populosos do Sul (Gravataí, Cachoeirinha, Viamão e Alvorada) estão enfrentando racionamento de água. “A situação é bem pior do que eu imaginava”, comentou o prefeito em exercício de Cachoeirinha, Felisberto Xavier (foto, no centro).

A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) informou o racionamento não se deve apenas à falta de chuvas. “Muita água tem sido retirada irregularmente do Gravataí para irrigação de lavouras de arroz”, comenta Jorge Accorsi, diretor de operações da entidade, que está contando com o apoio de uma Patrulha Ambiental para localizar barragens irregulares ao longo do rio. O próprio governador disse estar impressionado com a quantidade de água desviada, comprometendo a já dramática condição dos municípios. O Batalhão Ambiental da Polícia Militar localizou e destruiu cerca de 25 barragens irregulares na região. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (Fepam) deve aplicar multas de R$ 500 a R$ 10 milhões aos proprietários, dependendo dos danos causados.

Com excesso de demanda, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul está sendo obrigada a discriminar os pedidos emergenciais dos municípios, atendendo apenas os mais graves. “Considera-se nível I quando o Produto Interno Bruno (PIB) do município for atingido de 0 a 5%, nível II quando chegar até 10%. Somente são homologados os que atingem o nível III, representando que o PIB foi atingido de 10% a 30%”, informou a assessoria de imprensa do órgão.

Em Santa Catarina, o número de municípios em estado de emergência tem crescido. No oeste, as perdas foram de cerca de R$ 100 milhões. Leite, milho e feijão estão entre as culturas que acumulam os maiores prejuízos. A estiagem afeta também o setor energético. As hidrelétricas de Machadinho e Ita, na divisa com o Rio Grande do Sul, operam com apenas 25% da capacidade instalada. Machadinho representa 35% da demanda catarinense, enquanto a produção de Itá equivale à metade do que o estado consome. A Tractebel Energia, empresa que opera as duas usinas, garante que não há risco de desabastecimento em Santa Catarina, pois os reservatórios da região sudeste estão com bons níveis.

Em fevereiro, o governo catarinense planejou pulverizar nuvens com partículas de água para provocar a chuva no oeste do estado. Mas o avião que realizaria o trabalho sequer decolou. Para a produção de chuva é necessário que as nuvens estejam ao menos em formação. Nem isso havia.

* Fabrício Escandiuzzi é jornalista e bacharel em direito. Colabora com as revistas Época e Criativa.

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