Reportagens

Ainda demora

A taxa de desmatamento da Amazônia, normalmente divulgada todo mês de março, só deve sair em maio. Será alta. A dúvida é se ela atingirá recorde histórico.

Manoel Francisco Brito ·
8 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Para finalmente revelar ao Brasil a extensão do desmatamento ocorrido na floresta amazônica entre agosto de 2003 e agosto de 2004, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão responsável pelo número oficial, precisa ainda processar cerca de 50 imagens de satélite da região. O trabalho está atrasado em relação ao cronograma que foi seguido em anos anteriores. A prática era divulgar o número em março. Já estamos em abril e ainda há muito a fazer. Nos institutos de pesquisa e Ongs que atuam na Amazônia, a expectativa é que a taxa sai mesmo é no início de maio. Com muito esforço, talvez finzinho desse mes. A demora, até agora não explicada, terá ao menos uma compensação.

O governo vai abrir os dados e imagens que foram usados para compor a taxa ao exame de pesquisadores de instituições públicas e privadas. A única exigência é que mantenham sigilo sobre as informações até o anúncio oficial. Eles vão recebê-las com 4 dias de antecedência e poderão fazer com elas o que bem entenderem – desde auditar os números do Inpe até processar as mesmas imagens usadas pelo instituto em menor escala, para enxergar a floresta mais de perto. Tamanha abertura por parte do Ministério do Meio Ambiente é uma novidade do mandato de Lula. Até agora, o número era divulgado e pronto. Poucos tinham acesso aos dados. Nunca com antecedência. Em parte, isso explica a visível ansiedade com que cientistas e pesquisadores da região aguardam a taxa final. O resto da explicação fica por conta do número propriamente dito.

Há uma certa resignação em relação ao fato que ele continuará muito alto. Em desmatamento na Amazônia, Lula está tendo desempenho de Fernando Henrique, que fez o Brasil entrar no século XXI dando meia-volta até o fim dos anos 80, deixando em média, nos últimos 3 anos, desaparecer um Sergipe inteiro de floresta. Em números, são cerca de 23 mil quilômetros quadrados. O drama do atual governo é que ele corre bem mais do que o risco de repetir o antecessor. A primeira taxa de desmatamento de Lula pode muito bem ser a maior da história.

Em março, durante audiência na Câmara dos Deputados, João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), disse que espera um número em torno de 24 mil quilômetros quadrados. Revelou também que existe uma margem de erro em torno de 15%, para cima ou para baixo, na taxa final. Como desvio estatístico, é imenso. Tomando o número de Capobianco por base, o desflorestamento poderá ter atingido entre 20 mil e 400 e 27 mil e 600 quilômetros quadrados de mato. A diferença é quase um terço de Sergipe.

Pena que são poucos os que têm fé, mesmo com tamanha extensão para erro, numa taxa próxima do número mais baixo. A maioria dos pesquisadores acredita que ela ficará no mínimo no patamar apontado por Capobianco. Muitos acham que há um cheiro de recorde histórico no ar e que a taxa vai encostar nos 30 mil quilômetros quadrados. A discussão em torno de um número que ainda não saiu não é mera especulação, mas reflexo de um fenômeno que junta desenvolvimento tecnológico com o aumento de sistemas e satélites que monitoram a superfície da Amazônia. Há muito a região não era tão vigiada dos céus. Sevindo especificamente ao Brasil, existem 3 satélites, ou sensores remotos como preferem os entendidos.

O índice oficial do INPE baseia-se em imagens capturadas pelo satélite Landsat para o Prodes, seu programa para acompanhar o desflorestamento na Amazônia. O Instituto analisa as imagens em escala 1/ 250 mil. Nessa proporção, é impossível enxergar, por exemplo, pequenos focos de desmatamento com menos de 6,25 hectares. Existe tecnologia para processar estas mesmas imagens com escala de 1/ 50 mil, capaz de revelar a floresta com maior resolução e riqueza de detalhes. Dá para vê-la 5 vezes mais de perto, detectando qualquer tipo de devastação a partir de 1, 25 hectares. Mas essa tecnologia não é empregada pelo Inpe. A razão tem a ver com metodologia.

É nessa proporção que o Inpe sempre processou a taxa de desmatamento na Amazônia. Mudá-la agora significaria perder a consistência histórica da coleta de dados e impedir, daqui para a frente, comparações com o que ocorreu em anos anteriores. Mesmo que quisesse, a mudança não aconteceria de uma hora para outra. Seria preciso antes absorver tecnologia e capacidade de análise.

Além do Landsat, dois outros satélites fornecem imagens usadas para identificar desflorestamentos na Amazônia. Um é o Cybers, projeto conjunto entre Brasil e China. O outro chama-se Modes e serve de pilar ao programa Deter, do Ministério do Meio Ambiente e Ibama, dedicado a achar desmatamentos em tempo real na região. Por conta dessa característica, de geração de imagens no menor espaço de tempo possível, a resolução da produção do Modes é baixa, coisa que o impede de detectar qualquer desmatamento com menos de 10 hectares.

Detalhe importante a ser levado em consideração quando a taxa de desmatamento finalmente for revelada é que apesar de nominalmente estar referenciada pelo período que vai de agosto de 2003 até agosto de 2004, ela no fundo vai registrar principalmente as derrubadas do primeiro ano. Na Amazônia, o desmatamento ocorre no período de seca, que vai de julho/agosto até outubro e é chamado de verão na região. Nos meses de chuva, é impraticável entrar no mato para cortar árvores. O número que será apresentado em maio, portanto, não incluirá os desmatamentos que aconteceram em 2004. Por essa razão, tem gente achando que o governo Lula corre o risco de amargar em 2006 uma taxa ainda pior do que a que será divulgada em 2005.

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