Reportagens

O homem que sabe demais – com Elielson Ayres de Souza

Elielson Ayres de Souza, procurador do Ibama, fala da Operação Curupira e de como corrupção e politicagem explicam boa parte de nossas mazelas ambientais.

Marcos Sá Corrêa · Lorenzo Aldé · Carolina Elia · Andreia Fanzeres · Juliana Tinoco · Ana Antunes ·
14 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Como surgiu a Operação Curupira?

Elielson – Eu tinha passado em 2001 pelo Mato Grosso. Foi quando vi um documento que denunciava toda a fraude. Não do tamanho que encontrei em 2005, mas denunciava uma quadrilha de mogno. Tudo com valores, quanto custava uma carreta, nomes de funcionários de Brasília, Mato Grosso, Rondônia, Rio Grande do Sul. Caíam todos dentro do Mato Grosso numa determinada época, faziam um sacolão e levavam tudo embora. Liguei para Brasília e pedi autorização para investigar. “Não, você está aí para fazer isso e isso, não pode mexer nessa situação”. Mas fui lá, consultei o sistema, levantei os dados e deixei com outro procurador, que não se interessou. Ficou tudo jogado num canto. Quando voltei no ano passado, para conduzir o processo contra quatro funcionários do Ibama que foram demitidos, em paralelo comecei a fazer o prefácio da Operação Curupira. Juntei tudo, liguei para Brasília e dessa vez eles me autorizaram. Mas acho que eles não tinham noção do tamanho do problema. Na verdade, a finalidade deles era briga política. Queriam tirar o gerente de Sinop.

Mas a investigação se concentrou em Cuiabá.

Elielson – Eu já tinha o foco em Cuiabá, e fiquei lá. E o gerente de Cuiabá apavorado: “Você tem que ir para Sinop”. Eu disse que ia, mas fui ficando.

O gerente era o Hugo Werle [que seria preso na Operação].

Elielson – Era. A princípio eu não o tinha como bandido. Professor de universidade, eu tinha ele como pessoa corretíssima. Mas nunca me fez uma denúncia concreta sobre ninguém. Isso me assustou. Ele já estava ali há mais de um ano e os processos todos contra os servidores estavam na sala dele. Não andavam. Por último, contratou os denunciados para trabalhar. Eram acusados de vender ATPF [Autorização para Transporte de Produtos Florestais] e ele botou para entregar ATPF. Aí pronto. Quando descobri esses detalhes todos, fiz um organograma e ele era o cabeça. Até porque não dava pra ter uma fraude com todo aquele grupo do Ibama, e mais o vice dele, sem que ele soubesse.

E dava para ter uma fraude desse tamanho sem o Hummel saber? [Antonio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama, foi preso depois solto]

Elielson – Até dava. Não dá é pra ter plano de manejo em área indígena e o Hummel não saber. Tinha vários planos, mostrados por dados, fotos, estatísticas, mapas. Tinha plano de manejo em unidade de conservação dentro de Cuiabá! Da fraude, o Hummel podia não saber. Os gerentes são de uma desobediência hierárquica total, não dão a mínima satisfação a Brasília.

Como funcionava a fraude?

Elielson – Você tem uma empresa que não existe, uma nota fiscal e uma ATPF, que eu chamo de ticket-corrupção. Chega lá e pergunta ao madeireiro: “Que madeira você quer vender?”. “Bota aí: cerejeira”. Um funcionário do Ibama em Cuiabá era o ponto de referência da fraude para todo o estado. Ele trabalhava no Sismad, que é o banco de dados que controla a saída e entrada de madeira. Para você ter uma idéia, uma empresa de Guarantã do Norte não queria ser controlada pelo escritório do Ibama de lá, queria ser controlada pelo escritório de Cuiabá. Existia um núcleo de bandidos externos, vinculados a alguns funcionários internos, em pontos estratégicos. Um deles era esse funcionário, Hiroshi Abe. Esse japonês foi tão inteligente que transferiu o dinheiro que mandavam para ele para as contas da sogra, do cunhado e de um amigo. Na busca e apreensão que fizemos na casa dele, pegamos esses depósitos feitos pelos grupos externos. Ele tinha extratos, tudo.

Qual era o salário dele?

Elielson – Como técnico-administrativo do Ibama, 1.800 líquidos. Tinha funcionário que ganhava isso e tinha uma Pajero, uma Mitsubishi, só carro importado. Entravam no Ibama com esse carro e achavam normal. Pensei em comprar um fusca bem velho, daqueles de pára-lamas caindo, e estacionar entre aqueles carros. Aquilo já estava me indignando. O tamanho, a proporção do esquema, e o desprezo deles em esconder aquilo. Eles não tinham nenhuma vontade de ocultar nada, o interesse deles era a ostentação mesmo. Um dos chefes de Aripuanã, que morava em Cuiabá, depois que entrou no Ibama comprou três carros. Um carro zero, uma Blazer, uma BMW. Na verdade, nessa fraude, se eu fosse usar funcionários do Ibama pra me ajudar, estava perdido. Nós descobrimos uma fraude desse tamanho com a ajuda de três funcionários. Se fosse mais, vazava. Chegou uma época em que eu mandava o pessoal para o campo e ficava sem ninguém pra mexer nos computadores. Saía do Ibama às 3 horas da manhã, 4 horas, isso era a rotina. Entrava às 8 horas, almoçava, tomava café da tarde e permanecia por lá. Levamos dez meses.

Qual é a proporção da madeira ilegal no total comercializado?

Elielson – De cada dez carretas que saem com madeira, oito são de carregamentos ilegais.

Quanto vale uma carreta de madeira?

Elielson – Depende da madeira. Numa carreta cabem de 30 a 35 metros cúbicos de madeira. Se for o ipê, um produto muito comercializado naquela região, vai dar uns cento e poucos mil reais por carreta. É muito dinheiro. E ainda tem o sub-faturamento: comercializam por um preço que não é real, com nota fiscal de empresa fantasma. É toda uma estrutura de corrupção. Não adianta fecharmos os canais todos no Mato Grosso, como fizemos, fechar no Pará, em Rondônia, se não buscarmos os beneficiados. Os beneficiados são: São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e o exterior. A madeira sai do Mato Grosso ou Rondônia, passa pelo porto de Paranaguá, no Paraná, e chega à União Européia.

Quem são os peixes grandes do esquema?

Elielson – Chegamos a pessoas em postos estratégicos em Brasília, mas não conseguimos retroagir. Temos os nomes mas não temos os dados ativos. Dos que pegamos, talvez o Celso Penço seja o mais pesado. Ele controla tudo isso, é chefe de quadrilha mesmo, devastador. Manda matar. Quer dizer, não manda: quando você descobre, já morreu. Tem jagunço. Nós pegamos, na fazenda dele, três escopetas de retorno e 30 kg de bala de escopeta.

Qual foi a dificuldade para pegar os de Brasília?

Elielson – Não tínhamos força, recurso material e financeiro. A não ser que levássemos mais quatro meses. Só que em quatro meses a gente corria o risco de a operação vazar. Se levasse mais um mês, os dados que guardamos sigilosamente vazariam. Eu precisei ter quatro reuniões com a ministra do Meio Ambiente [Marina Silva]. Enquanto as duas primeiras foram só com ela, a gente não tinha medo nenhum de vazamento de informação, por conhecer a ministra, saber da integridade dela. O problema foi quando outras pessoas começaram a participar. Em cima da hora, tivemos que envolver as diretorias do Ibama, requisitar 32 funcionários para ocupar postos no dia, técnicos para trabalhar junto com a Polícia Federal, avaliando a madeira que estava sendo apreendida. Tinha que levar esse pessoal sem falar para eles o que iam fazer lá, mas o diretor do órgão tinha que saber. Aí teve a última reunião com a ministra, quando ela abriu para os diretores o que ia acontecer. Dali para frente, graças a Deus, foram três dias. Na véspera da operação, recebo um telefonema de Brasília dizendo que aquilo já era voz corrente, que todo mundo sabia do fato.

Quando se desmonta um esquema desses, não volta logo em seguida?

Elielson – Não, porque nós mexemos na parte pior deles, que é a parte externa, a parte do dinheiro. Prendemos todos os maiores operadores. Tem 12 pessoas presas, donas de empresas fantasmas que sustentavam e abasteciam as grandes madeireiras. Levantamos 600 empresas fantasmas, mas calculamos que existam pelo menos mil.

No Mato Grosso?

Elielson – Só no Mato Grosso. Destruímos esse grupo em Sinop, Aripuanã, Juína, Cuiabá, Guarantã, Marcelândia, Sorriso. Grupos isolados, bandidos isolados. Para acontecer a fraude, também tem que ter gente de dentro. Quando nós estirpamos aquele núcleo interno e dragamos para dentro da cadeia o externo, atrás não tem mais ninguém, tiramos essa possibilidade. O que pode acontecer é, daqui a dez anos, se não houver uma reforma moral no órgão, acontecer de novo. Mas isso pode ocorrer no Ibama, no INSS, em qualquer lugar. Só que no Ibama de Mato Grosso sabemos que agora é muito mais difícil. Em 2003, fizemos uma operação em Rondônia. Hoje Rondônia precisa de um trabalho desses de novo, porque agimos numa cidade pequenininha, Ariquemes. E não olhamos um horizonte maior. Dezessete pessoas foram presas na Operação Setembro Negro, em um dia só. A cidade virou um cenário cinematográfico. Imagina uma cidadezinha que é um ovo, com helicóptero descendo, polícia chegando, aquelas pessoas sendo presas. Só que lá a gente já sabe que a fraude voltou.

Onde mais?

Elielson – A fraude está entrando pelo Acre, se abastece em Rondônia e segue para o Pará. Se alguém quiser fazer um trabalho sério hoje, pegando o Acre e Rondônia alcança o Pará todo. Tem uma fraude enorme acontecendo no Acre: desmatamento, empresa fantasma, todo o funcionamento que tinha dentro do Mato Grosso está hoje no Acre.

O esquema se transferiu pra lá?

Elielson – Não, ele co-habitava com o outro. Quando veio a Curupira eles se recolheram. O mercado foi para lá e valorizou. Se um conjunto de ATPF e nota fiscal custava 3 mil reais, passou a custar 5 mil reais. E o pior: no Acre, o sistema de liberação de ATPFs não é com o Ibama. É com o Estado.

Isso é pior?

Elielson – Muito pior. O funcionário do Estado tem salário menor. A possibilidade de ser seduzido para a corrupção é maior. Você pega um conjunto de ATPFs que custa 5 mil reais e diz para o funcionário que ele vai ter um salário de 20 mil por mês, com o esquema. Ele ganha 400, 500, que ganhe 600 reais líquidos. Para ser seduzido a ganhar 20 mil, é muito fácil. Dão tantas facilidades que ele acaba entrando. Quem é que vai fiscalizar uma empresa na aldeia Extrema, que é quase chegando em Rondônia? Lá tem invasão, tem o madeireiro da Boca do Acre e tem o pessoal de Rondônia que entra. E um grupo baiano que entrou lá e fez um desmatamento enorme. Esse grupo todo está vinculado à corrupção do Acre.

O que acha do Projeto de Lei das concessões em florestas públicas?

Elielson – Estão querendo criar esse Serviço Florestal Brasileiro, que prevê 17 cargos comissionados. Só DAS [cargos comissionados]. E os DAS são aqueles mesmos que estão lá no Ministério. Na verdade estão criando emprego, porque se perderem a eleição vão ter uma estrutura pra manter 17 pessoas. O Ministério Público Federal aprovou, agora, a utilização de terras públicas daqueles planos de manejo que estavam suspensos no Pará. O Ibama, Ministério Público e Ministério do Meio Ambiente fizeram um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta], que deu o direito a essas pessoas de usarem a terra pública, retirar madeira. Não estamos legalizando justamente aquele ato que o governo proibiu? E o mais importante: não saiu um centavo desse acordo para o Ibama se equipar. Aquelas pessoas que vão explorar a terra pública tinham que pagar para o Ibama se equipar, para fiscalizar eles. Isso seria o ideal. Já que o governo está dando essa chance de tornar legal o ilegal, tem que traduzir isso em compensação para o órgão ambiental. Para comprar carro, GPS…

Fazer TAC não está fácil demais?

Elielson – O TAC tinha que mudar para “Tenho que Arrumar um Troco”. A fama que ganhou é esta: só serve para arranjar dinheiro. O sujeito degradou, foi multado, está tudo confirmado, aí ele faz um Termo de Ajustamento de Conduta e é liberado. E o pior, tem TAC feito em 2000, 2002, 2003, que você não sabe nem onde está. Não tem um cadastro disso. No Ibama, se você quiser pegar o maior escândalo, é este: os TACs todos que foram feitos e hoje não há nenhum acompanhamento do compromisso.

Os madeireiros se queixam que o Ibama não libera os planos de manejo.

Elielson – Em Mato Grosso eles reclamavam muito. Que nada era feito, que os planos não eram aprovados. Mas para analisar um plano de manejo seriamente seria preciso mandar três ou quatro engenheiros florestais para a mata, fazer um laudo e manter um acompanhamento permanente. Na verdade, o que acontece? Você aprova o plano de manejo e o sujeito explora o primeiro talhão em 2 anos, quando devia levar 10 anos. Ele não cumpre a filosofia do plano, que é deixar cada área se recompor por 30 anos. E já é um prazo exíguo demais.

Em florestas tropicais, a recomposição leva em média 70 anos.

Elielson – Exato. O prazo que nós usamos, 30 anos, é o do Canadá. Já é pequeno e eles não cumprem. Em dois anos devastam tudo. Devastam por quê? Porque não tem fiscalização do órgão ambiental e eles não estão interessados em preservar nada. Eles não gostam de ouvir isso. Um sujeito chegou pra mim e perguntou: “Não dá pra dar um jeitinho?”. Aí eu falei: “Foi por causa do jeitinho, ao longo de 10 anos, que as pessoas foram presas”. “Ah, mas a última intervenção que teve…”. Eu falei: “Não confunde, isso aqui não é uma intervenção. Isso é uma reorganização. Estamos reorganizando, levando o órgão para o campo da legalidade, para depois vocês passarem a vivenciar uma outra época”. Tinha prefeito lá com tanta reclamação… Eu perguntei ao prefeito de Aripuanã: “Tem floresta no seu município?”, ele até se animou, “Tem”, “Então vamos fazer um trato: vamos a Brasília levando o governador, o secretário de Meio Ambiente, e vamos transformar aquela floresta em uma floresta pública imediatamente. Vamos licitar a exploração controlada, que é o que a ministra está querendo fazer. “Não, não… Eu perco minha eleição”. Quer dizer, se a coisa for séria, ele perde a eleição. A Sema [Secretaria Estadual de Meio Ambiente] autorizava desmatamento de qualquer maneira. Todas as autorizações do governo atual levaram em conta 50% como área mínima de Reserva Legal, quando a lei determina que a área mínima na Amazônia é de 80%. Fizeram no estado todo, até que deu a prisão e eles pararam.

Uma das formas de pressão local é falar que a repressão gera desemprego.

Elielson – Dois dias depois da Operação Curupira veio um sindicato lá: “Desemprego total na região”. Chamei o presidente do sindicato e pedi: me dê os dados que o senhor possui sobre desemprego. Mas o desemprego vinha de 3, 4, 5, 6 meses antes. Em três dias não é possível ter uma conseqüência desse tamanho. Tá bom, a madeira sustenta alguns municípios. Mas se eu vendo carros roubados, contrato 50 pessoas, a polícia vem e me prende, como eu posso argumentar, perante a opinião pública, que a ação da Polícia Civil está originando desemprego? Eu não estava trabalhando com carro roubado? Só que para o meio ambiente eles acham que não é nada, não. Cortar uma madeirinha, uma floresta inteira, isso não é crime. Se você pega os “empregados” de empresa fantasma não desemprega ninguém, porque a empresa não existe. Só trabalhavam no papel, mas iam reclamar. O Sindicato de Juara, uma cidadezinha do interior do Mato Grosso, lá no norte, paralisou a cidade, quebrou banco, aí a televisão local me ligou: “Nós temos aqui 5 mil pessoas na rua…”. Eu falei: “Quantas madeireiras vocês têm aí?”. E tinha os dados na minha cabeça. Eles: “Umas 100”. Eu falei: “Não, são 70. Das 70, nós só fechamos 20. Tiramos cinco pessoas de cada madeireira. Dos 5 mil que estão se dizendo desempregados por causa da madeira, só tem 100”. Aí ele respondeu: “Bem, é verdade, o desemprego aqui é total mesmo, o comércio…”. Pronto, a história é outra.

Não zerou a produção.

Elielson – Não, e as madeireiras que existem de verdade foram beneficiadas. Se a madeira era vendida a 100, passaram a vender a 200. Acabou a concorrência da madeira retirada de área indígena, de unidade de conservação.

O Ibama não via essas práticas? Os funcionários que não eram corrompidos?

Elielson – Muitas vezes ignoravam totalmente. Em Várzea Grande, por exemplo, um carregador de caminhão, que eles chamam de “gato”, ficava junto com os funcionários do Ibama no posto do Trevo do Lagarto. Ele se passava por funcionário do Ibama, pegava madeira apreendida e vendia, enchia caminhões com ela. Os gerentes ignoravam isso. Eu conheci lá quatro gerentes desde 2001. Tenho todo respeito por eles, eram pessoas honestas, não se envolveram com corrupção. O problema é que não tinham nenhuma vinculação ambiental, então não sabiam nem como conduzir. Sentaram na cadeira e começaram a assinar papel, fazer um papel político. Era irmão do senador, do fulano de tal, etc. Assim foi o Ibama, ficando desse jeito, até chegar num ponto em que o funcionário da corrupção comandava o órgão. Tinha lá um vice, o substituto do gerente, que estava há dez anos. Ele não era do Ibama, era da Polícia Rodoviária Federal. Passavam os gerentes e ele ia ficando. Montava a rede de corrupção e decidia aqui na ponta.

A Curupira aconteceu há quatro meses. O que representa esse período, em árvores poupadas?

Elielson – Pelos dados de satélite, quase que zerou o desmatamento. Mas sabemos que quando a poeira baixar o fazendeiro, que não é só um vendedor de papel, vai tocar o agronegócio dele. Paralelo à Curupira fizemos a operação desmate, que era a repressão ao agronegócio. Pegamos dois ou três grandes fazendeiros, um até apareceu no Jornal Nacional, com a corrente derrubando tudo. Eles começaram a reclamar: “Estão nos tratando como bandidos!”. Mas o que ele é? Deviam ter colocado algema neles, levado presos, para chamar a atenção dos outros. Pagou uma multa de 150 mil e ficou lá, as árvores ficaram no chão. Quando passar tudo, ele vai queimar as árvores. É essa falta de retorno do órgão que acarreta a continuação da devastação.

Quantos funcionários tem o Ibama de Mato Grosso?

Elielson – Tirando os que foram presos, hoje são 60 funcionários no Estado todo. Imagina se dá. Você tem Juína, Aripuanã, Sinop, Guarantã, Alta Floresta, Brasnorte, São José do Rio Claro, todos esses lugares têm devastação. Como fazer, com 60 funcionários? Quando saí de lá, deixei um relatório cobrando a permanência do pessoal que eu trouxe de fora. Eram 32, e o mais interessante é que eles concordaram, ficaram empolgados. Quem gosta de meio ambiente acaba se envolvendo, viram que a coisa era séria, queriam ficar lá. Só que veio a questão de financeiro. Não tem dinheiro para pagar servidor. Aí pedimos a contratação de alguns engenheiros florestais. Havia a previsão de contratar 100 engenheiros florestais em julho. Não se contratou nenhum. Iam ser consultores do Pnud [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento], verificar planos de manejo, cancelar os imprestáveis, tomar medidas administrativas. Não chegou nenhum até agora. Então aos pouquinhos o pessoal vai perdendo estímulo. Alguns da equipe que deixei já estão voltando, retornando às suas origens. Muito triste, sabendo que amanhã pode acontecer tudo de novo. E o pior é que todas as atribuições de floresta do Ibama estão sendo repassadas para o Estado.

Isso é um risco?

Elielson – Pegue os governadores que temos no Norte. Ivo Cassol [governador de Rondônia] tem alguma visão de preservação ambiental? No Mato Grosso, Blairo Maggi, maior produtor de soja. Amazonas, o Eduardo Braga: queríamos criar uma floresta pegando Rondônia, Mato Grosso e o estado dele, um pedacinho do Amazonas. Ele foi contra, porque estão enchendo Humaitá [cidade no sul do estado] de agronegócio. É uma terra que não presta pra nada, Humaitá é uma terrinha muito ruim, daqui a três, quatro períodos de soja vai desertificar, mas eles não estão levando isso em consideração. A pecuária também está entrando. Me diga um governador que tenha uma visão ambiental.

Por que então passar as autorizações para os estados?

Elielson – Eu não sei. Pergunte à ministra do Meio Ambiente. Eles dizem que está funcionando muito bem no Acre. Não está. O Acre não é fiscalizado. No dia que for, vão concluir que é tão ruim quanto Mato Grosso e Rondônia. Onde é que houve o maior número des incêndios em setembro? No Acre! Por quê? Porque o estado finge que não vê. O Acre já chegou ao limite do limite, e continua sendo usado como referência. Quando a ministra conversa com a gente, a referência dela é o Acre.

Ela apoiou a Curupira desde o início?

Elielson – Ela se empolgou. Quando passei o primeiro dado, ela perguntou: “Quantos funcionários?” Eu falei: 49. E ela: “Meu Deus do céu, isso vai virar um escândalo”. “Mas é o Ibama que está apurando”. Aí ela disse: “Tá bem”. Nós conseguimos reverter um quadro que era ruim pra ela. Antes da Curupira, o que a ministra tinha feito de positivo? Nada.

Por que não?

Elielson – A coisa é a seguinte: o Ibama foi fatiado, em todo o Brasil. Metade pertence ao presidente, que faz parte de um grupo. Outra parte é da ministra. Outra parte de um grupo de deputados do PT. Essa outra partezinha aqui pertence a um grupo de Brasília, da Associação de Servidores. O diretor de Proteção Ambiental é da ministra, Flávio Montiel. Está sempre brigando com o presidente ou com os diretores do presidente.

E tudo muito concentrado em Brasília?

Elielson – É. Sabe quantas pessoas tem no Parque Nacional de Brasília? Duzentos funcionários. E mais os tercerizados. Aí você vai para a Estação Ecológica do Iquê, lá em cima do Mato Grosso. Três funcionários. O Parque Nacional de Itatiaia… quantos tem?

Uns treze.

Elielson – Serra dos Órgãos, Serra da Bocaina, não tem gente, não tem manutenção, não tem nada. Vai na Procuradoria do Mato Grosso: três procuradores. Na Procuradoria de Brasília: 132 procuradores. 

É porque todos os casos jurídicos vão parar lá?

Elielson – Não, pelo contrário, você podia evitar tudo isso. Redistribui, reequilibra. Aí você vai criar um órgão de verdade. Por que você precisa de um coordenador de queimadas em Brasília? O cara está lá encastelado e o Mato Grosso pegando fogo. Em 2001, o chefe do Prevfogo do Mato Grosso autorizava queimadas acima do que deveria, sem nem fazer vistoria. Na verdade, estava vendendo autorização de queimada. Primeiro ato que fiz, quando assumi o Ibama: chama esse cidadão. De onde ele é? “Da Universidade”. Estou devolvendo. “É um termo de cooperação técnica”. Estou denunciando o termo de cooperação técnica. Se quiser leva ele pra Brasília, estou devolvendo para a universidade. Mas nem a universidade queria ele.

A distribuição política dos cargos é coisa deste governo?

Elielson – Não, é uma prática antiga. Mas aumentou. O PT não pode ver um cargo. Isso tem que ser falado bem claro. O PT chora para pegar um DAS, tem que indicar alguém dele, tem que ter carterinha do PT.

Isso enfraqueceu o Ibama?

Elielson – Totalmente. Todos os órgãos. Falo do Ibama, mas poderia estar no INSS, no Incra, qualquer órgão desses está em situação ruim, quase não funcionando, em função de pessoas com DAS que não têm nada a ver com o órgão. Furnas, loteado. Conheço pessoas que assumiram cargos DAS e são excelentes, comprometidas, vinculadas à parte ambiental. Algumas aprenderam e atuam corretamente. Mas para quê ensinar, se você pode pegar um funcionário de carreira e colocar? Escolhe um funcionário de carreira e pergunta: Você tem carterinha do PT? “Tenho”. Pronto, não precisa trazer ninguém de fora.

Hoje, como o senhor é visto dentro do Ibama?

Elielson – Até 20 de agosto, eu era talvez uma das pessoas mais requisitadas por Brasília, pelo presidente do Ibama e pela ministra. A partir do momento em que comecei a divergir deles na condução da política ambiental no Mato Grosso, entrei em rota de colisão. Eu só enxergava o Mato Grosso funcionando com funcionários de carreira. Que não se entregasse DAS a servidores que não fossem do quadro. Eles, em momento nenhum, falaram o contrário. Eu achava que aquilo era ponto pacífico. A dez dias de terminar a intervenção, sou chamado em Brasília. Aí me disseram que as pessoas com quem eu estava trabalhando eram novas, sem experiência, que tinha que ser uma pessoa forte. Fiquei indignado uns três dias porque me parecia que viria alguém de fora. Mais uma vez seria entregue politicamente. O tempo todo eu não me articulei com o PT local, para não contaminar a administração politicamente. Logo depois começam a surgir nomes de fora. Fiquei frustrado, indignado. Tínhamos feito um trabalho de trazer o servidor para a responsabilidade do cargo que exercia. Muitos servidores trabalhavam 12 horas por dia. Quando recebi essa informação, foi uma ducha fria. Juntei os funcionários numa reunião em que estavam os diretores do Ibama falei a verdade: que o que interessava à ministra e ao presidente do Ibama não era o que interessava ao Mato Grosso.

  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

  • Juliana Tinoco

    Juliana Tinoco é jornalista multimídia especializada na cobertura de Meio Ambiente, Ciência e Direitos Humanos. Por quinze an...

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