Reportagens

O administrador florestal – com Roberto Waack

A experiência no ramo da indústria florestal do biólogo Roberto Waack mostra que o Brasil tem enormes obstáculos para conciliar desenvolvimento econômico com proteção ambiental.

João Teixeira da Costa ·
5 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás

Roberto Waack, biólogo e administrador de empresas por formação, entende como poucos no mundo da economia da floresta. O conhecimento é derivado da experiência no ramo da biotecnologia aplicada e aos anos que passou na direção de uma das maiores empresas certificadas de exploração florestal do país, a Orsa Florestal. Atualmente na Amata Brasil, Waack tem continuado na sua trajetória de tentar caminhos para colocar a indústria florestal brasileira no rumo da sustentabilidade. Sem perder a sensibilidade de ambientalista, vê na derrubada de uma árvore nativa centenária sempre algo a ser lamentado.

Sua vivência o credencia a explicar por que a aplicação da biotecnologia não alavancou por aqui, apesar da rica e cobiçada biodiversidade brasileira. E também lhe dá clareza suficiente para que hoje ele tenha uma visão muito sólida sobre as relações entre exploração dos produtos da floresta e de serviços ambientais vinculados a benefícios econômicos, sociais e ambientais.

Fotógrafo de natureza nas horas vagas, Waack compensa suas muitas atividades administrativas em períodos de imersão em ambientes naturais sempre que pode. É otimista quanto à valorização do mercado legal e responsável de madeira no Brasil, mas não tem dúvidas de que os discursos inflamados de sustentabilidade não vão se concretizar enquanto o Brasil não tiver instituído uma política de desenvolvimento florestal clara.

A exploração de florestas pode conciliar interesses locais, regionais e globais?

Waack – A palavra explorando – apesar de eu não ver nenhum problema com ela – talvez seja mal entendida. Acho que o ponto central é a criação de valor econômico da floresta, que pode ter impacto regional muito grande. Se for bem gerenciada, pode distribuir riqueza. A distribuição de riqueza local proporciona maior estabilidade e reduz a pressão dessa população de 20 e tantos milhões de habitantes que moram em torno da floresta, só na Amazônia. E reduzindo a pressão por meio da geração de benefícios econômicos, você conseguiria, se isso fizer parte de política de desenvolvimento da atividade florestal do país, passar para o âmbito nacional e certamente encontrar as demandas internacionais que consideram corretamente a floresta como bem escasso.

A floresta é um bem escasso?

Waack – Escassez é muito relativa. A floresta certamente não é um bem escasso para a população local da Amazônia. O que é escasso para a população é a terra. Mas a floresta é escassa do ponto de vista global. A única forma de equilibrar essa equação, essa visão diferente sobre escassez, é por meio da criação de uma economia da floresta nativa forte, uma economia consistente. Mais ou menos na mesma linha do que aconteceu nas florestas temperadas do Hemisfério Norte, especialmente Escandinávia, norte dos Estados Unidos e Canadá, que têm economias florestais muito fortes, importantíssimas para o desenvolvimento regional e nacional. E, claro, do ponto de vista ambiental global. Acho que, apesar das diferenças, do ponto de vista de modelo é mais ou menos isso que a gente tem de seguir.

Que floresta é essa? A nativa explorada de maneira sustentável, floresta plantada, uma combinação das duas?

Waack – Um contínuo de florestas. Para a Amazônia, claro, estamos falando de floresta nativa, com manejo sustentável, preservando o máximo possível o ambiente da forma como está. São atividades que a gente considera de mínimo impacto, mas que são geradoras de valor, de renda. Para o país, nós podemos considerar a extensão, ou a adição do manejo sustentável de florestas nativas à tecnologias de plantações. E aí plantações de florestas com árvores nativas, por exemplo, em áreas já degradadas, com espécies de alto valor para as indústrias de madeira sólida, de fibra ou de energia. Mas também todas as florestas de espécies não nativas, como pinus e eucalipto, em grande escala, para as áreas de fibra e de energia. O país claramente tem vocação importante na área florestal e eu trataria essa vocação na forma do contínuo de florestas. A gente tem tudo para ser competente em silvicultura na área de florestas plantadas. O FSC – Forest Stewardship Council aceita as florestas plantadas como potencialmente bem manejadas, desde que se cumpra uma série de requisitos, que são claramente atingidos pelas operações já certificadas no Brasil. Certamente dá para fazer manejo de nativas com baixo impacto, como já existe em algumas iniciativas.

O FSC relutou para aceitar que o Brasil é capaz de fazer esse manejo?

Waack – Eu não acho que a palavra relutou é correta. Acho que demorou porque é um processo complexo que depende do envolvimento dos stakeholders (partes interessadas) com as mais diversas tendências. O diálogo exige muita paciência, muita dedicação. Foram dois anos de diálogo mundial sobre isso. Ele envolve um novo paradigma, uma participação dos movimentos social, ambiental e econômico dentro de um campo comum de discussão. Isso só é conseguido depois de muito tempo, após a aquisição de confiança.

Os parâmetros do FSC garantem sustentabilidade no longo prazo?

Waack – Muito difícil responder isso. Acho que, primeiro, temos que tomar muito cuidado com a palavra sustentabilidade. Se você pegar a definição da Gro Brundtland é muito difícil ter uma resposta. Será que o que estou fazendo hoje não vai mesmo impactar as necessidades das gerações futuras? Mas que gerações futuras? Estamos falando de aqui 50 anos, 100 anos? Do que exatamente estamos falando?

Tem outro conceito que eu ouvi do professor Décio Zylbersztajn, da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP). Ele diz que sustentabilidade é a relação ética entre as gerações atual e futura. O que é uma relação ética? É algo que pressupõe um comprometimento de se fazer as coisas da melhor forma possível. Fica um pouco mais próximo de assumir que a forma que é feita hoje pelo FSC é a melhor possível considerando os conhecimentos existentes hoje. Se a gente navegar com essa definição, acho que sim, estamos trabalhando num processo sustentável, com a incorporação do conhecimento mais amplo possível, com o diálogo e com a transformação desse conhecimento das áreas social, ambiental e econômica na construção de um novo paradigma. E na construção de um ambiente onde novos conhecimentos podem ser incorporados, que vão mudar essa coisa toda.

Acho que aí está a terceira definição da sustentabilidade, que é navegar nesse campo comum. E esse campo comum vai te permitir incorporar inovação o tempo todo. Amanhã, se se descobrir que a utilização de uma técnica não é adequada para o futuro, muda. Isso, para mim, é o máximo que se pode fazer em termos de sustentabilidade. Estar aberto à inovação, ao diálogo.

NÃO SE ACREDITA NO CARIMBO DA LEGALIDADE DA MADEIRA NO BRASIL PORQUE SE SABE QUE EXISTEM PROCESSOS DE CORRUPÇÃO, DE DIFICULDADES DE APLICAÇÃO DA LEI (…)”.

A madeira nativa certificada um dia vai conseguir competir com o madeireiro informal?

Waack – Acho que sim. Posso até ser otimista demais, mas acho que o que está acontecendo é a construção de um modelo de transição. O FSC tem importância enorme como definição de um modelo diferente, mais equilibrado, e serve de norte para a transição do caos total, que é hoje a exploração florestal, para algo que contemple a questão da rastreabilidade, da minimização de impactos ambientais e sociais.

O FSC é o norte que hoje falta no ambiente institucional. Costumo dizer que o mundo está passando por uma transição de modelos de governo para modelos de governança. Muito mais importante do que o governo dar um atestado de que a madeira é legal é você ter um processo de certificação aceito globalmente. Não se acredita no carimbo de legalidade da madeira do Brasil porque se sabe que existem processos de corrupção, de dificuldades de aplicação da lei, tem fragilidades muito grandes no sistema. O FSC traz alternativa a essa dificuldade de aplicação de regras de governo.

Tem certas coisas que somente o governo pode fazer. Institucionalização não significa também ter polícia?

Waack – Não tenho a menor dúvida. Primeiro, a questão dos direitos de propriedade é absolutamente fundamental. Se não houver um esforço muito grande do país inteiro, não acredito que isso será equacionado em curto prazo. Nem acredito em soluções do tipo: “titula” ou “não titula”. Há situações híbridas em que o mais importante não é quem é o dono da terra, mas o que está acontecendo com a terra. A solução não é dizer se é de A ou de B, mas criar mecanismos intermediários que focalizem o uso, muito mais do que em quem é o dono.

Acho que a lei das concessões é um avanço muito grande nesse sentido, pois permite o uso controlado, regido por uma série de regras. Se teve um avanço, foi esse. A ação do Incra, entre outros, é um desastre total que se estende aos institutos de terra dos Estados. Um caos total. Acho que a questão da propriedade, ou do direito de uso, seja lá como se quiser chamar, é fundamental para que se consiga atrair investidores com projetos de prazo tão longo quanto um manejo sustentável. Estamos falando de 30 anos, no mínimo.

É possível agregar valor aos produtos de floresta nativa?

Waack – Sim, só dá para tratar de negócio de floresta nativa consistente, sustentável do ponto de vista econômico se, ao invés de ver os madeireiros na Holanda andando de Porsche, a gente vir os brasileiros que mexem com essa área andando, pelo menos, de carro. Tem valor nessa cadeia, porque as grandes empresas que lidam com esse campo na Europa estão muito bem de vida.

Como é que se consegue atrair investimentos na adição de valor? Esses investimentos têm a ver com profissionalização, com a capacidade de gerir tecnologia, capacidade de transformar as dez mil serrarias “pica-pau” que existem na Amazônia em um bom número de serrarias com um mínimo de produtividade e, especialmente, com um máximo de qualidade. A gente precisa investir na questão da qualidade, do maior rendimento das toras, nas curvas de secagem, no conhecimento sobre as novas espécies. Isso demanda investimento, disposição para o risco e um mínimo de segurança, que não existe.

As regras atuais favorecem os informais?

Waack – Temos um ambiente com uma tolerância tecnológica muito grande. Tudo pode. Pode ser o mais tecnologicamente sofisticado, mas tem que se conviver com o que é nada sofisticado. E isso faz com que não haja incentivo para aquele que realmente vê na tecnologia a sua capacidade máxima de agregação de valor. A disposição para o investimento em tecnologia tem a ver com direito de propriedade, com uma competição no mínimo equilibrada entre a produção formal e a informal, redução da corrupção que permite a vida do informal. Só com isso é que conseguiremos espaço. E tem a ver com o desenvolvimento de uma política nacional para a indústria florestal. Como falávamos, a biotecnologia foi mais ou menos porque não tem política. A economia da floresta vai mal porque também não tem política.

O que mais falta?

Waack – Um terceiro ponto muito importante refere-se aos mecanismos de controle de uso de madeira ilegal, especialmente nas regiões sul e sudeste, onde existe maior uso. Acho que a construção civil talvez acolha a maior quantidade de madeira ilegal do país. E não é impossível nem difícil fazer um controle da origem dessa matéria-prima. Contando com os mecanismos institucionais internacionais, com os mecanismos de mercado que vão amadurecendo cada vez mais no âmbito internacional, contando com um processo de combate à madeira ilegal, seja na origem, com satélites, com um Ibama que realmente funcione sem as questões políticas de corrupção e um controle na ponta, como o Greenpeace mostrou ser possível, eu acho que conseguiremos dar uma boa brecada nesse processo.

Mas são investimentos de longo prazo.

Waack – Mais longo prazo tem um quarto elemento, que é a incorporação da prestação de serviços ambientais, como desflorestamento evitado, carbono, água etc.. Tudo isso vem contribuir para a adição de valor da floresta em pé. Não diria que sou otimista, mas, com esses elementos acredito que haja possibilidade de uma solução.

“SÓ DÁ PARA TRATAR DE NEGÓCIO DE FLORESTA NATIVA CONSISTENTE, SUSTENTÁVEL DO PONTO DE VISTA ECONÔMICO SE, AO INVÉS DE VER OS MADEIREIROS NA HOLANDA ANDANDO DE PORSCHE, A GENTE VIR OS BRASILEIROS QUE MEXEM COM ESSA ÁREA ANDANDO, PELO MENOS, DE CARRO”.

Onde os serviços ambientais fazem mais diferença?

Waack – No carbono. A mudança climática é que está liderando tudo isso. Acho que há algumas iniciativas interessantes do governo brasileiro no sentido de criar mecanismos de remuneração para desmatamento evitado. Isso deve pegar e a questão chave é a inovação, a criação de mecanismos de verificação e de mercado. A conscientização da importância da preservação das florestas para a questão climática está aí, deixou de ser uma discussão científica para atingir as massas.

Tem uma segunda frente que é a questão da água. A conscientização dessa questão está crescendo a uma velocidade bastante alta. Os mecanismos para pagamento de serviços ambientais associados à questão da água ainda não estão claramente desenvolvidos. Acho que tem gente pensando nisso, mas não de modo tão avançado quanto na questão climática.

O que mais?

Waack – Tem uma que ainda está no estágio dos desejos, que é a preservação da biodiversidade. É muito difícil, ainda não se encontrou o fio para se construir em cima dessa questão. Será preciso muito brainstorm, muita inovação para se trilhar esse caminho. Aí eu talvez seja um pouco menos otimista. Além disso, há um elemento importante que é a preservação da paisagem. A associação da preservação da paisagem com o turismo e com a geração de renda que este proporciona é uma vertente trilhável, bem menos complexa do que a biodiversidade. Me parece que já há exemplos bastante concretos disso. A Costa Rica é um caso, claro que pequeno, mas um caso concreto. Acho que esse é um caminho que o Brasil devia olhar com muito carinho.

Mas é preciso massa crítica para transformar isso tudo em produto. E um dos elementos essenciais é a entrada do mercado financeiro. E os princípios do Equador podem ter um papel muito importante, mas também investimentos de longuíssimo prazo feitos por fundos de investimentos, de pensão, family offices. Organizações que estão olhando lá para a frente, daqui a 50 anos e mirando no valor econômico que esse bem – aí, sim, realmente escasso – vai ter no planeta.

Qual é o papel das comunidades na economia da floresta?

Waack – Fala-se que a comunidade não tem capacidade de produzir em quantidade e em qualidade confiáveis. Ou ela não tem capacitação para vender. Eu acho que o foco dessa discussão está errado, pois não são esses os principais problemas. São problemas, claro, mas solucionáveis. Esse é o lado mais fácil. O mais complicado é a questão organizacional.

Tem de tudo dentro dessa coisa que chamamos de comunidade, desde comunidades tradicionais de quinhentos anos até pequenas vilas de migrantes com dez anos de vida em uma determinada região. Essa diversidade de organizações sociais é um fator complicador muito grande porque os modelos de relacionamento com essas chamadas comunidades variam muito.

Não existe um modelo único. Por exemplo, cria-se uma cooperativa. Esta pode ser uma alternativa interessante, mas tem muito a ver com cultura cooperativista, com cultura de trabalho e isso se relaciona com uma base cultural longa, sólida, estabelecida. Não é tão simples assim. Outra questão são os modelos de contratos. Seja qual for o tipo de relacionamento isso pressupõe modelos de contrato que não fazem parte do arsenal jurídico tradicional. Os contratos que funcionam bem no mundo empresarial certamente não são aplicáveis a esse tipo de organização a que chamamos comunidade.

Outro elemento importante é a estrutura financeira desses projetos. Eles precisam de dinheiro. Quantas comunidades conseguiram ter acesso aos mecanismos oferecidos pelos bancos chamados de desenvolvimento? Não conseguem. Uma das razões é a necessidade de identidade legal, juridicamente constituída. A gente tem que imaginar sistemas de financiamentos que levem em consideração o fato de que essas coisas não estarão prontas em curto prazo. Tem um outro elemento crítico: a governança. Como é que funciona? Como é a estrutura de governança dessas comunidades?

Interna ou externa?

Waack – Ambas. As estruturas de governança internas são muito frágeis, porque conselhos e sistemas de monitoramento não existem. Os caminhos para legitimação de liderança são questionáveis, manipulados por interesses externos, como madeireiros ilegais, por exemplo.

Os modelos de governança internacionais estão assentados no tripé familia, conselhos e a gestão da empresa, a diretoria. Eu tenho proposto para o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa que se crie um quarto elemento de governança: a governança das relações com a comunidade, que pressupõe conhecimentos completamente diferentes daqueles que conselheiros tradicionais, executivos e profissionais da área de governança familiar têm.

O que um biólogo foi fazer na pós-graduação em administração?

Waack – Na verdade, tenho formação meio complicada. Estudei Biologia por um interesse tecnológico na área de biotecnologia. Então fui muito rapidamente contaminado pela gestão da tecnologia como eixo da minha formação.

Biotecnologia entendida como engenharia genética?

Waack – Isso mesmo. Na época, estava começando essa história da microbiologia. Meu avô é farmacêutico e, desde criança, tive uma ligação muito forte com a natureza. E ele tinha uma relação muito forte com o Instituto Butantan. Então, quando eu entrei na Biologia, os estudos com DNA estavam iniciando, como a própria engenharia genética. Eu me interessei muito em saber como você gerencia o desenvolvimento tecnológico voltado para a obtenção de produtos, e uma utilização mais prática da Biologia do que aquela da ciência pura. E aí, rapidamente, me aproximei da Escola de Administração, no programa de Gestão de Tecnologia. Assim que me formei já tinha uma empresa chamada Embrabio. Éramos eu e mais dois sócios. Foi uma das primeiras empresas de biotecnologia do Brasil. Aí eu fui embora para a área da administração, e minha carreira foi muito mais administrativa do que como biólogo mesmo.

E como foi o caminho da biotecnologia para o setor agroflorestal?

Waack – Ao mesmo tempo em que tive uma relação forte com a gestão da tecnologia, até por uma questão de amizades, participei desde muito cedo de todo o movimento ambientalista. Muito ligado ao Peter Milko, que foi um dos primeiros dessa história. Sempre mantive esse pé no movimento, não como militante, mas ligado à turma que estava liderando o processo. Em seguida, fui para a indústria, onde por muito tempo trabalhei como executivo, sempre fazendo viagens, nas horas vagas, ligadas ao ambientalismo. Sempre mantive esses dois pés.

Uma outra linha de atividade que comecei mais tarde foi ligada à responsabilidade social das empresas. Através da Universidade de São Paulo eu me aproximei do Grupo Orsa, para ajudar na área de gestão estratégica da Fundação Orsa. Quando o Grupo Orsa comprou a Jari, eu fui convidado a ir para lá e mergulhei de vez no mundo das florestas. Estive nesse universo da tecnologia, tive um pé na responsabilidade social e governança corporativa e quando fui para o Grupo Orsa uni a parte do hobby, das atividades pessoais, com as viagens e com o movimento ambiental. Tudo isso dentro de um projeto, que é o da transformação da Jari num empreendimento, adicionando esse componente tecnológico ao mundo da floresta.

A biotecnologia no Brasil é um negócio recente?

Waack – A primeira empresa foi a Biobrás, criada em 1981 ou 1982 para produzir insulina em Minas Gerais. Depois veio a Embrabio. Daí houve iniciativas importantes na área da agricultura, lideradas pela Agroceres, também na década de 80. Esses empreendimentos não floresceram. A Biobrás, que talvez tenha sido a que teve mais sucesso, foi vendida para a Novo Nordisk. A Embrabio ainda existe, a iniciativa da Agroceres não foi adiante.

As iniciativas da Embrapa foram coroadas de sucesso. Acho que o Brasil, na biotecnologia vegetal especialmente, teve e tem um papel importante no mundo. Acho que também teve papel relevante na área das vacinas humanas, mais na área pública do que na privada.

Tem sido uma atividade complicada?

Waack – Sim. O que não é muito diferente do que aconteceu no resto do mundo, porque a maior parte dessas iniciativas acabaram sendo compradas por grandes farmacêuticas. O fato de eles terem conseguido vender as empresas pode ser considerado sucesso. A necessidade de capital para fazer essa coisa andar é tão grande que dificilmente daria para avançar com aquela estrutura de capital de risco. Eu acho que foi um sucesso.

Os impedimentos institucionais têm sido parte da razão pela qual isso não explodiu aqui no Brasil?

Waack – Acredito que sim. São impedimentos institucionais diferentes daqueles que afetam a atividade florestal, e especialmente relacionados à falta de incentivo para investimentos privados em atividades de risco como a biotecnologia demandava. Embora se tentasse criar mecanismos para o incentivo da atividade empresarial, efetivamente nenhum deles foi coroado de sucesso. Não tinha uma política de desenvolvimento industrial no país.

Também tem a ver com outro aspecto, que eu não sei se podemos chamar de institucional, mas que encontra um eco na área das florestas. É a questão da educação, da formação. As universidades brasileiras têm uma vocação grande para a área de pesquisa básica, e pouco direcionamento para a tradução de invenção em inovação e para a transformação de estudo em empreendimento de grande escala. Essa capacidade de lidar com o desenvolvimento tecnológico e transformar isso em produto, em negócio, faz falta dentro dos currículos das universidades brasileiras, especialmente em relação às ciências ambientais e naturais. E isso também faz falta na criação da economia da floresta. Temos um número muito limitado de profissionais com essa visão de transformação desse bem natural, riquíssimo, num bem produtivo.

“FALTA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO PAÍS. (…) AÍ FICA FÁCIL DIZER QUE A CULPA É DA UNIVERSIDADE QUE NÃO SE APROXIMA DA EMPRESA, OU DA EMPRESA QUE NÃO SE APROXIMA DA UNIVERSIDADE”.

Essa dificuldade de diálogo entre universidade e empresa é antiga. Por que é tão difícil consertar isso?

Waack – Concordo. Fui presidente da Associação Brasileira de Pesquisa e Desenvolvimento Industrial e esse era o ponto central há 15 anos. Hoje continua exatamente igual, apesar das iniciativas das universidades de criar esses centros de relação com empresa. Acho que não está funcionando. Falta política de desenvolvimento tecnológico no país. Não se cria o ambiente para esse negócio florescer. A ausência desse norte é uma das grandes causas dessa dificuldade de interface. Aí fica fácil dizer que a culpa é da universidade que não se aproxima da empresa, ou da empresa que não se aproxima da universidade.

Transgênico é uma questão ambiental? Deve preocupar os ambientalistas?

Waack – Acho que devem sim estar preocupados, é uma questão ambiental. Acho que ela tem hoje um tratamento muito radical por parte dos ambientalistas e que vale a pena fazer um mergulho no conhecimento científico por trás de tudo isso. Acredito que pode ser uma saída importante para a redução de pressões ambientais em alguns casos.

Na medida em que pode aumentar a produtividade?

Waack – É. E na medida em que pode reduzir o uso de químicos. Acho que a biotecnologia traz elementos muito importantes que deveriam ser abordados com um pouco menos de emocional, um pouco mais de racionalidade. Mas, com certeza, acho que faz parte da pauta das preocupações do movimento ambiental. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso.

Para onde você escapa de São Paulo?

Waack – Eu vou para Gonçalves, no sul de Minas. Lá tenho, há 20 anos, uma área de reserva. É onde consigo exercitar um pouco a recuperação de uma área importante de manancial, na Mantiqueira, do rio Sapucaí. Há várias nascentes e faz alguns anos que tenho uma enorme área de recuperação da Mata Atlântica na área da Mantiqueira.

Há 20 anos, era morro pelado?

Waack – Impressionante. Quando eu comprei, o negócio lá era produção de cenoura e batata. A paisagem era muito bonita, mas era morro pelado mesmo. É impressionante mesmo a velocidade com que a área está sendo recuperada. Impressionante também a geração de renda advinda do turismo. Para mim, Gonçalves é um exemplo muito legal de um caminho que o país todo poderia seguir.

Você tem outros refúgios?

Waack – Sempre fiz uma grande viagem por ano para alguma situação de natureza intensa, principalmente nas montanhas da África, da Ásia, da Escandinávia. Durante muitos anos, esse foi o meu foco de imersão nessa relação com a natureza. Acho que quando se faz montanha, essa relação é vital. Se não houver uma tensão, uma intimidade muito grande, não se sobrevive, especialmente nas grandes travessias. Quando fui para Gonçalves, acho que houve uma espécie de verticalização. Ver o processo de mudança que tem a ver com se plantar uma mudinha e, 20 anos depois, encontrar uma árvore mesmo. E de plantar um bosque e, de repente, ver um monte de aves, de tucanos entrando em casa. Impressionante essa reação positiva que se pode ver.

Quando comecei em Gonçalves, a gente comprava mudas nativas e o pessoal falava: “essa árvore vai levar vinte, trinta, cinqüenta anos para crescer”. Mas o tempo vai passar de qualquer jeito, então, é melhor plantar, pois se não plantar vai dar no mesmo.

Te incomoda ver derrubada de árvore?

Waack – Não, eu não gosto de ver a derrubada da árvore mesmo. Acho que faz parte do processo, mas essa questão da emoção é fundamental porque para trabalhar com manejo sustentável é preciso ter compromisso com essa história da natureza, se não fica muito difícil. Não se pode perder essa referência.

Meio ambiente entrava o desenvolvimento?

Waack – De jeito nenhum. Meio ambiente faz parte de processo, tem que ser contemplado, a questão legal tem que ser vista. Acho que a maior parte desses entraves a que o nosso presidente está se referindo nem estão relacionados à questão ambiental, mas sim à ineficiência geral da governabilidade do país, dessa questão do ambiente institucional. Se há uma coisa que entrava o desenvolvimento é a falta de um ambiente institucional. E isso está nas mãos dele. Não adianta colocar essa bomba nas costas da ministra.

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