Reportagens

Sem nome e sem lar

Pássaro recém descoberto já nasce ameaçado. Ele é pretinho, vive em brejos e canta em dueto, mas só existe numa área que será alagada por uma barragem em SP.

Renan Antunes de Oliveira ·
6 de maio de 2005 · 19 anos atrás


O anúncio da descoberta da nova espécie será feito pelo Ibama no dia 5 de maio e equivale a um batismo: vai botar seu nome para sempre nos livros de ornitologia – ao mesmo tempo em que biólogos lutam para resgatar as aves durante o enchimento da barragem.

Já se sabe que o pássaro é do gênero Estinfalornes acutirostris, popularmente conhecido como bicudinho-do-brejo. O primeiro do gênero foi identificado para a ciência em maio de 1995 e encontrado em brejos de Matinhos, no leste do Paraná. Foi a primeira descoberta de um gênero novo no mundo em 100 anos. O registro da nova espécie em São Paulo, em fevereiro , foi comemorada pelos especialistas como um feito quase tão grande quanto a descoberta do próprio gênero, há 10 anos.

O novo pássaro nasceu para a ciência morrendo: o primeiro foi empalhado pelo biólogo Marcos Bornschein, com autorização do Ibama. O sacrifício é necessário por normas internacionais – é este que foi entregue ao museu.


Quem primeiro viu o novo bicudinho foi o ornitólogo Dante Buzzetti, lá pros lados de Mogi das Cruzes – tipo bater o olho e perceber que nunca tinha visto nada parecido. O segundo foi o biólogo Luis Fábio Silveira, curador associado do Museu de Zoologia da USP, numa represa de Salesópolis, próximo a São Paulo capital, em março.

O passarinho estava vivendo nas áreas de brejo perto da represa de abastecimento de água de Salesópolis. A bióloga da Universidade de Rio Claro Bianca Reinert, descobridora do gênero Estinfalornes acutirostris, estava por perto e foi chamada por Silveira para examinar o bicho. Com ela veio o também Bornschein, igualmente especializado no gênero. Foram eles que confirmaram a descoberta de Buzetti e Silveira – percebendo por pequenas diferenças que se tratava de uma nova espécie.

A barragem começou a encher em fevereiro, alagando os brejos. A euforia da descoberta logo se transformou numa luta para salvar o habitat e o passarinho. Sabe-se que o bicudinho tem uma capacidade de vôo limitada a 20 metros, logo, o novo espécime deveria ter a mesma. Um lago sobre seus brejos significa a morte.


Os especialistas estão criando novas pequenas áreas de brejo na margem do lago que cresce, para permitir que os pássaros sejam removidos das alagadas. É o que chamam de “reconstrução de ambientes no entorno do reservatório”. Parece simples, mas é a primeira vez que biólogos tentam “translocação de pássaros insetívoros”, coisa que estão conseguindo com sucesso – toda experiência será contada numa revista estrangeira de ornitologia.

O bicudinho ainda-sem-nome pode sobreviver em cativeiro. Veja as fotos e confira seu jeito frágil. Eles cantam, ou melhor, fazem um sonzinho agudo que se pode comparar com a frase “tio chico”, dita muito rápida. Repita “tic chico” várias vezes, em espaços curtos, agudizando a voz, e você estará imitando um deles.

Ninguém sabe como esses bichos pensam, nem como eles encaram a nova realidade. O que se sabe é que às vezes eles voam em duplas. Ah, um detalhe insignificante, mas também raro: eles cantam em dueto.

Leia também

Reportagens
26 de abril de 2024

Número de portos no Tapajós dobrou em 10 anos sob suspeitas de irregularidades no licenciamento

Estudo realizado pela organização Terra de Direitos revela que, dos 27 portos em operação no Tapajós, apenas cinco possuem a documentação completa do processo de licenciamento ambiental.

Notícias
26 de abril de 2024

Protocolo estabelece compromissos para criação de gado no Cerrado

Iniciativa já conta com adesão dos três maiores frigoríficos no Brasil, além de gigantes do varejo como Grupo Pão de Açúcar, Carrefour Brasil e McDonalds

Notícias
26 de abril de 2024

Com quase 50 dias de atraso, Comissão de Meio Ambiente da Câmara volta a funcionar

Colegiado será presidido pelo deputado Rafael Prudente (MDB-DF), escolhido após longa indefinição do MDB; Comissão de Desenvolvimento Urbano também elege presidente

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.