Reportagens

Relatório sobre o fracasso

Falta de coordenação política, incapacidade de implementação e aperto fiscal levaram o plano de combate ao desmatamento do governo federal à lona em 2004.

Manoel Francisco Brito ·
19 de maio de 2005 · 20 anos atrás

Em março do ano passado, diante de estatísticas que indicavam que em 2003 a cobertura florestal na Amazônia tinha perdido 23 mil quilômetros quadrados para desmatamentos em sua esmagadora maioria ilegais, o governo Lula lançou um plano ambicioso para pelo menos tentar minorar o problema. Levou sete meses em gestação, recebeu um nome pomposo – Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia – e, para não deixar dúvidas de que tratava-se de algo sério, seu comando foi entregue a um dos ministros mais poderosos em Brasília, José Dirceu, da Casa Civil. Previa a instalação de 19 bases na Amazônia, que iriam reunir funcionários de 13 ministérios, todos irmanados na luta contra a derrubada incessante do mato na região.

À grandiosidade do nome, correspondia uma grandiosidade pouco vista no Brasil oficial de Lula em termos de orçamento. Só para o grupo que iria, sob a coordenação do Ibama, cuidar do monitoramento e controle da pressão humana sobre a floresta, Dirceu anunciou que estavam reservados 82 milhões de reais para 2004. Três vezes mais do que essa quantia seriam destinados ao grupo responsável pelo ordenamento fundiário na região. Com tanto dinheiro disponível, e comprometimento direto do Palácio do Planalto, não havia razão para que o plano não desse certo. Depois que se soube que no ano passado o desmatamento surrupiou 26 mil 130 quilômetros quadrados da Amazônia, ficou claro que, da proposta original do governo, quase nada funcionou.

Um relatório preparado pelo Greenpeace, baseado em estudo feito pela equipe da Ong entre fevereiro e maio deste ano, explica por quê. Além da falta de coordenação política – coisa normal no governo Lula – a verba prometida não chegou, ou se chegou, chegou muito tarde, no final do período de pico de desmatamento na região, que vai de junho a outubro. O resultado é que as metas do plano ou não foram cumpridas ou se realizaram apenas parcialmente. O relatório do Greenpeace ainda não está inteiramente finalizado. Mas ele coincide com as conclusões de outro, feito pelo próprio governo, que apesar de permanecer secreto foi visto por pessoas ligadas à Ong. Na papelada oficial, das 149 ações específicas que deveriam ter sido implementadas, a maioria é descrita como “sem informação”.

No caso do grupo de monitoramento e controle, diz o estudo do Greenpeace, os problemas começaram com o atraso na liberação de verbas. Os primeiros 40 milhões só saíram em agosto. Mas a conta-gotas. Foi com parte deste dinheiro que, em setembro, o Ibama finalmente deu as caras em Vila Rica, no norte do Mato Grosso. Alugou casa, botou sua marca nos muros e seus funcionários foram à luta trabalhar. Não demoraram mais do que um mês no local. A cidade logo percebeu que os cheques que passavam, inexplicavelmente, não tinham fundos. “Nossa, eles deixaram muita gente com prejuízo por aí”, conta Hermíno Batista, vereador local pelo PMDB.

No posto de gasolina, segundo outro vereador, João Manuel, do PFL, até hoje há uma conta de 2 mil e 500 reais pendurada. O dono da casa nunca recebeu um aluguel. Depois de 7 meses de espera, desisitiu, ligou para o escritório do Ibama em Barra do Garças e pediu que os móveis que estavam dentro dela fossem retirados. Foi atendido. Hoje, a casa que deveria ser do Ibama está vazia e a marca do órgão nos muros está devagar se apagando, como a autoridade do governo federal na região (foto). Na área, entre abril do ano passado e abril de 2005, segundo os dados do Deter, sistema do Ibama que acompanha desmatamento em tempo real, desapareceram 98 mil hectares de floresta.

Mas agora, parece que a coisa vai. Os 80 veículos, mais aparelhos de GPS e computadores que o Ibama comprou em dezembro para equipar seus funcionários encarregados do combate ao desmatamento, começaram a chegar em abril em algumas das 19 bases de operação. No dia 18 de maio, eu estive junto com outros jornalistas e uma equipe do Greenpeace visitando uma delas, o escritório regional do Ibama em Alta Floresta, no norte de Mato Grosso. Para repartição federal nos confins da Amazônia, o escritório até que é bem jeitoso. A construção é vistosa (foto). Foi financiada através de doações dos madeireiros locais, que antes da sua inauguração, há três anos, tinham que se deslocar 500 quilômetros para regularizar suas operações junto ao órgão. Tem ar condicionado e parece estar razoavelmente equipada.

“De fato, chegaram alguns equipamentos para o trabalho de combate ao desmatamento”, conta Mauro Baldini (foto), funcionário do Ibama efetivo no escritório de Alta Floresta. “Vieram um carro, TV, mesa e computador. Acho o volume discreto para o tamanho da tarefa”, continua, lembrando que a jurisdição da base cobre um território de 56 mil quilômetros quadrados. O problema é a falta de funcionários exclusivos para fazer a função. “Às vezes o Ibama até manda gente. Mas é raro. Dos outros órgãos envolvidos, nunca vi ninguém”, diz. Ele até deveria ter visto gente do Exército envolvida com a operação de combate ao desflorestamento. “As operações com os militares deveriam ter começado no dia 5 de maio. Mas foram adiadas por falta de dinheiro”. Para lutar contra a derrubada irregular de árvores na região, o Ibama contou mesmo, até agora, com seus três funcionários efetivos em Alta Floresta.

Não dá portanto para fazer muita coisa, como confessa Baldini. No máximo, pode-se corroborar, do campo, as informações sobre desmatamento que são obtidas através de análise das imagens capturadas por satélite. Para quem como ele está na ponta do processo, a demora na implementação dos planos que saem de Brasília é frustrante. Um motoqueiro com uma motosserra, explica, põe dez hectares de mato no chão em apenas um dia. “Aqui, a motosserra começou novamente a cantar em janeiro. Até agora, nós só chegamos depois que o pau caiu e o peixe morreu”, diz. Tomara que este ano pelo menos o seu pessimismo não se materialize.

Mas é difícil ficar otimista. Na manhã em que estive no escritório do Ibama de Alta Floresta, um senhora aguardava a chegada dos funcionários mais graduados para abrir a porta. Seu nome é Vânia Zamoner, gaúcha que aportou há 29 anos no município, foi largada pelo marido e hoje tenta sustentar dois filhos com o salário de servente que recebe do órgão. Quando recebe. Está com seus proventos atrasados há quatro meses e seu trabalho foi prejudicado por falta de verba. “Nem pano para limpar o chão tem aqui. Eu trazia produtos de limpeza lá de casa. Mas não dá, não é? Sou pobre. Não tenho como sustentar o governo”, conta. Apesar de não estar ganhando nada e nem ter meios de desempenhar seu trabalho, Zamoner continua indo ao escritório. É por lealdade aos funcionários efetivos do escritório. Seus salários, pelo menos, ainda estão em dia. E todo mês, eles tiram um pouco do seu, fazem uma vaquinha, e repassam o dinheiro para Zamoner. “Não fosse isso, eu morria de fome”.

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