No inverno piora. É o que notam paulistas e cariocas por estes meses de junho, julho, agosto. Como se fosse ela também uma estação do ano, a poluição do ar é aceita como fatalidade, um incômodo cíclico e natural. Em São Paulo o fenômeno é mais grave, presente, com maior ou menor intensidade, o ano inteiro. No Rio, o aumento das doenças respiratórias no inverno faz lembrar aos moradores que as belezas naturais da metrópole não a livram da poluição atmosférica.
Embora seja um fenômeno comum a todas as grandes aglomerações urbanas, a degradação da qualidade do ar não tem nada de natural. Hoje em dia esse mal está associado a praticamente uma única causa: a fumaça dos carros. Ou, para usar o termo técnico, as emissões veiculares. Como o controle dos poluentes industriais ficou bem mais rigoroso, sobrou para carros, caminhões e ônibus a exclusividade da vilania ambiental que adoece e mata os moradores das cidades. A solução para melhorar a qualidade do ar e, por extensão, a qualidade de vida da população, está no trânsito.
A brasileira Curitiba e a colombiana Bogotá já provaram que é possível viver em grandes cidades sem ter que entregar seus pulmões em troca. Fizeram isso basicamente mexendo no sistema de transporte público e aumentando as áreas verdes urbanas. Detentora do nada honroso título de metrópole mais poluída do mundo, a Cidade do México também inaugurou, neste 19 de junho, um novo sistema de transporte público em parte de sua rede viária. Enquanto isso, em São Paulo, todos os dias morrem 10 pessoas devido a problemas respiratórios. O número assusta, mas é uma evolução. Os óbitos diários relacionados à poluição já foram 14, e vêm caindo graças ao Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), do Ibama, que obriga os fabricantes de carro a adotarem medidas para emitir cada vez menos gases tóxicos.
Políticas nacionais e internacionais para a melhoria da qualidade do ar urbano estarão em pauta na IV Conferência Internacional de Emissões Veiculares, a ser realizado nos dias 22 e 23 de junho, em Brasília. A idéia do encontro surgiu em dezembro de 2004, quando estiveram reunidos o Ministério do Meio Ambiente, a Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, a Fundação Hewlett e fabricantes de equipamentos que reduzem as emissões veiculares.
A Fundação Hewlett, com sede nos Estados Unidos, abriu escritório no Brasil há dois anos de olho nos problemas ambientais urbanos. Ela investe em projetos que reduzem a emissão de poluentes em várias metrópoles do mundo, incluindo Bogotá, Cidade do México, algumas cidades da China e outras americanas, como Los Angeles. Sua atuação internacional despertou o interesse dos empresários presentes à reunião, que convidaram os técnicos da Fundação para participar e indicar especialistas estrangeiros para o encontro anual que sua associação promove. Trata-se da Associação dos Fabricantes de Equipamentos para Controle de Emissões Veiculares da América do Sul (Afeevas), e o encontro anual, este ano, ganhou status de evento internacional com a presença do governo.
A relação entre poluição e problemas de saúde será apresentada pelo dr. Paulo Saldiva, da USP, que há mais de dez anos coordena em São Paulo um núcleo de estudos dedicado exclusivamente a essa questão. Suas pesquisas mostram a gravidade da poluição atmosférica para a qualidade de vida, especialmente de crianças, idosos e profissionais mais expostos às emissões, como guardas de trânsito.
A situação melhorou um pouco com a adoção de metas para a redução de gases, instituídas pelo Proconve. O programa do Ibama também será tema de discussão. Tanto pelo que já conseguiu quanto pelo que ainda pode conseguir. “Hoje, a poluição de um automóvel equivale a 5% do que era a média em 1986, quando a primeira resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para monitorar a tecnologia dos automóveis foi estabelecida. E é possível reduzir para 1% ou até menos”, diz o consultor Gabriel Branco, ex-gerente da Companhia de Tecnologia de Saneamento de São Paulo (Cetesb) e um dos “pais” do Proconve.
Acha difícil acreditar que há duas décadas o ar dos paulistanos era 95% mais poluído do que hoje? Pois não era mesmo. A redução dos poluentes de cada automóvel conseguida nesse período foi em parte anulada pelo aumento da frota, fazendo com que os índices de poluição se mantivessem altos. Por isso os especialistas pedem que as metas de redução sejam ainda mais rigorosas. Para eles, o principal alvo devem ser os veículos movidos a diesel. Ou seja, caminhões e ônibus.
Gabriel Branco explica que a modernização dos automóveis, com filtros e catalisadores mais eficientes, resultou na gradual diminuição das emissões por veículo, mas esbarra em um poluente chamado óxido de nitrogênio, ou simplesmente NOx, resultado da oxidação do nitrogênio do ar. Os equipamentos de controle de emissões não conseguem filtrar o “nox” que vem de combustíveis com alto teor de enxofre. E o diesel brasileiro ainda é um dos campeões mundiais em concentração de enxofre.
Recentemente, a Petrobras lançou um “novo diesel”, anunciado como uma grande benfeitoria ambiental por parte da empresa. No entanto, seu teor de enxofre, de 500 partes por milhão (ppm), está muito acima do diesel utilizado por países como a Suécia, que tem 14 ppm de enxofre. Uma redução mais substancial custaria para a empresa de 3 a 4 bilhões de dólares. Se para a Petrobras este já seria um investimento de peso, as refinarias menores tremem só de ouvir falar em metas de redução do enxofre no óleo diesel. Talvez por isso a Agência Nacional de Petróleo (ANP) resista em discutir políticas nesse sentido. Representantes da ANP foram convidados para a Conferência sobre emissões veiculares, mas ainda não confirmaram presença.
“Esse é o preço do investimento na saúde das pessoas. Outra opção seria fomentar as tecnologias para veículos elétricos, mas isso ainda está longe da nossa realidade”, diz Branco. Joseph Ryan, diretor da Fundação Hewlett na América Latina, concorda que reduzir os poluentes é uma questão de custo-benefício. “O ganho em saúde publica é altíssimo. Nos Estados Unidos, estudos do governo concluíram que o investimento em combustíveis mais limpos resulta em benefícios à saúde até 15 vezes maiores”.
Para subsidiar a discussão, a Fundação Hewlett vai lançar, durante a Conferência, o livro Controle da poluição dos veículos a diesel – uma estratégia para o progresso no Brasil. Coordenado por Gabriel Branco e pelo consultor internacional Michael Walsh, ele reúne uma série de contribuições de especialistas sobre a situação atual dos veículos a diesel em São Paulo e sugestões de solução para o grave problema das emissões.
Mas o diesel não será o único combustível a esquentar o evento. O gás natural, que além de mais barato é visto por muitos como solução ambiental, não resolve o problema das emissões se for adaptado a motores a gasolina, como vem acontecendo. Pelo contrário: a moda da conversão de motores pode acabar poluindo duas vezes mais. “Para o veículo ser considerado ambientalmente correto, ele precisa ter combustível limpo e motor adequado. Não adianta alterar o combustível mantendo o motor original, feito para gasolina”, explica Gabriel Branco. Ele defende que esse tipo de conversão seja proibida, e pretende incluir essa recomendação, assim como as demais que surgirem por parte de outros palestrantes, no documento final da Conferência, a ser entregue ao Ministério do Meio Ambiente.
O evento também vai permitir comparar o caso brasileiro com iniciativas de outros países, como Chile, México e Estados Unidos. Uma das palestrantes será Verónica Garibay Bravo, do Instituto Nacional de Ecologia do México, vai falar do programa Pro-Aires (Pró-Ares), que responsável por fazer levantamentos sobre as emissões de poluentes em várias regiões metropolitanas – como Guadalajara, Monterrey, Toluca e Tijuana – e propor ações envolvendo o governo local, a indústria e o setor de transportes.
O México, aliás, tem uma experiência que está saindo do forno justo agora. Os mais de 20 milhões de habitantes da capital vão testar seu primeiro corredor de transporte público. A partir do domingo, dia 19 de junho, a ong Centro de Transportes Sustentáveis (CTS) começa a concretizar um projeto de três anos. De acordo com a diretora do CTS, a engenheira civil brasileira Adriana Lobo, 20 dos 40 quilômetros da Avenida Insurgentes, uma das principais da cidade, ganharam espaço livre para a circulação de 80 ônibus articulados, em substituição a 350 veículos mais antigos. Além de economizarem metade do tempo no mesmo trajeto, os moradores vão respirar melhor. O novo sistema deve tirar da atmosfera 73 mil toneladas de dióxido de carbono, 144 toneladas de hidrocarbonetos, 140 toneladas de monóxido de carbono e 35 toneladas de óxido de nitrogênio por ano.
* A Fundação Hewlett está analisando uma proposta para ser patrocinadora do site O Eco.
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