Não faltam no Brasil estradas ruins. Ainda assim, em poucos lugares se consegue a proeza de atravessar cerca de 300 quilômetros em onze horas de buracos e nuvens de poeira. Foi esse um dos cenários encontrados pela equipe de ativistas do Greenpeace que caiu na BR-163 para uma expedição de 25 dias que vai registrar o que faz esta estrada ser tão cobiçada.
Seus 1.764 quilômetros ligam Cuiabá, no Mato Grosso, a Santarém, no Pará, e têm hoje uma função que deixa para trás o lema militar da integração nacional -especialmente amazônica – de 1973, quando a rodovia foi inaugurada. O objetivo é muito mais prático. Escoar para o porto de Santarém boa parte da produção agropecuária do norte mato-grossense.
Para isso, os cerca de 900 quilômetros do lado paraense da estrada ainda precisam ser pavimentados, algo que o governo elenca como uma de suas maiores prioridades. E contra isso, o Greenpeace já avisou que não vai brigar. O que querem com essa expedição é chamar a atenção para a situação da estrada, que passou a ocupar espaço privilegiado nos planos de governo de Mato Grosso e Pará quando saiu o anúncio de que o asfalto ia chegar. Foi o que bastou para que se intensificassem desmatamentos, aberturas de estradas ilegais, queimadas, grilagem de terras e a violência numa região onde quase não se vê poder público. Quase. O Greenpeace está percebendo, ao atravessar a rodovia num comboio de cinco veículos, que depois da morte da freira americana Dorothy Stang a governança ali não é mais nula. É, sim, insuficiente, mas há sinais de mudança.
Até agora, a expedição cruzou com poucos caminhões carregados de madeira, viu pátios de estocagem de toras vazios, acampamentos do Exército e relatos dos próprios madeireiros de que está bem mais difícil obter autorização para o corte. “Até dois meses atrás não havia escritório do Ibama em Novo Progresso. Isso é uma novidade positiva, mas longe de garantir alguma coisa”, diz um integrante do Greenpeace. Mesmo assim, as dificuldades da BR-163 superam todos os bons indícios.
A equipe da organização não-governamental se mune do máximo de cuidado para circular naquelas áreas porque sabe que não é difícil tomar um tiro. Provas disso foram as placas da Floresta Nacional do Tapajós (PA) repletas de buracos de balas e o fato de terem sido seguidos em Novo Progresso por madeireiros. Melhor dizendo, os ativistas foram escoltados para fora da cidade. Apesar de tensos e de certo modo esperados, esses momentos não têm sido freqüentes. O comboio do Greenpeace não tem identificação da ong e os automóveis estão equipados com GPS, além de um sistema de rastreamento por satélite.
O apoio e a estrutura para uma aventura séria como essa não poderiam ser menores. Desde setembro do ano passado, quando começaram a surgir pistas de que a taxa de desmatamento na Amazônia seria muito alta e parte do problema estava ao longo da BR-163, o Greenpeace decidiu organizar a expedição. Em maio deste ano uma equipe chegou a percorrer toda estrada e coletou dados que balizaram o andamento do plano para a época de mais intensa atividade madeireira. O planejamento parece tão bom que até agora a expedição não foi atrapalhada por uma gota de chuva.
De fato, não é época disso e sim das queimadas, que estão aparecendo conforme o esperado. “Por outro lado, tem chamado a nossa atenção o aumento sensível de rebanhos vindos de Mato Grosso que chegam ao sul do Pará”, diz Nilo d’Ávila, coordenador da expedição. Mas empreitada do Greenpeace não é só constatação. É também contestação. Os ativistas já interditaram uma estrada clandestina de 135 quilômetros que corta a Floresta Nacional de Altamira e prometem outras ações até o final da expedição, que é atualizada num diário de bordo no site da organização.
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