Reportagens

Velha máxima brasileira

Greenpeace finaliza relatório sobre os resultados do Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia e conclui: o Brasil é bom de leis, mas ruim de execução.

Andreia Fanzeres ·
2 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Que falta dinheiro e vontade política do governo para executar ações em prol da preservação da Amazônia, isso a maioria gosta de falar. Os ambientalistas e a oposição, então, adoram. Mas pouca gente se deu ao trabalho de provar o que está dizendo, o que envolve cálculos, análise técnica, viagens, sobrevôos, entrevistas e fôlego na saga por informações oficiais. O Greenpeace teve paciência para fazer isso e divulga um primeiro relatório sobre os resultados do Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, lançado no ano passado pelo governo federal.

O levantamento tem 30 páginas e uma descrição minuciosa sobre o que aconteceu e o que deixou de acontecer entre março de 2004 e maio de 2005 em 24 ações previstas pelo plano. Ele está dividido em três grandes frentes: Ordenamento Fundiário e Territorial, Controle e Monitoramento e Fomento a Atividades Produtivas. Apenas nesse último quesito o balanço pendeu para o positivo. Segundo o relatório, isso aconteceu porque o plano buscou agregar outros projetos já em execução, que, aliás, contam há tempos com recursos de doações e equipes formadas por servidores temporários ou consultores de programas internacionais.

De acordo com o relatório do Greenpeace, das oito ações estratégicas previstas para a parte de Ordenamento Fundiário, nenhuma foi executada totalmente. O governo reconheceu que os recursos financeiros foram insuficientes para a realização dessas ações, mas não permitiu ao Greenpeace saber concretamente quanto dos 244,3 milhões de reais anunciados chegaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável por regularizar a situação das terras. Mas a falta de recursos não foi o único entrave. O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) da região conhecida como Arco do Desmatamento (que atualmente sofre as maiores pressões de desflorestamento) ainda não foi concluído, como era previsto para julho de 2004. Esse atraso acarretou a não realização de seis das sete atividades relacionadas ao ordenamento fundiário.

Entre as obrigações do setor de Controle e Monitoramento, 64 operações de grande porte estavam previstas para 2004, mas apenas oito foram feitas. Também no ano passado, as 19 bases de operação do plano deveriam ter sido estruturadas, com veículos, computadores, GPS e consultores especializados em geoprocessamento para treinar os fiscais do Ibama. Isso ocorreu em apenas três bases, e aquém do desejado. A base operacional criada em Alta Floresta (MT) é um exemplo de como vem acontecendo, na prática, a implantação das que receberam algum recurso.

Para fazer essas e outras ações, o Ibama deveria ter recebido, em 2004, 82 milhões de reais. Só em agosto chegou a primeira parcela, de 40 milhões. E no dia 29 de dezembro, outros 20 milhões, com dois dias de prazo para serem gastos. Segundo Marcelo Marquesini, do Greenpeace, essa prática de liberar o dinheiro quando o período está acabando é rotineira no governo, que faz de tudo para guardar dinheiro em caixa a fim de conseguir passar o ano com superávit em suas contas. Um funcionário do Ibama responsável pelo orçamento confirma o hábito, que leva as gerências do instituto a se pendurarem em dívidas. O Greenpeace diz que, mesmo com a liberação tardia do dinheiro, as bases entraram em “crise” por escassez crônica de recursos, algo que está se repetindo este ano.

A dificuldade em obter informações do governo foi uma novela à parte. Desde janeiro de 2005 diversas cartas foram enviadas com perguntas a todos os ministérios envolvidos no plano e, segundo o Greenpeace, o único retorno veio do Ministério do Meio Ambiente, que mandou um ofício dizendo que a instância mais apropriada para responder era a Casa Civil, que, por sinal, ficou em silêncio. Esse comportamento parece ser típico de lá. Pelo desandar de boa parte do plano de combate ao desmatamento, que deveria coordenar política e operacionalmente, o desempenho da Casa Civil, ainda sob a chefia de José Dirceu, foi considerado frágil pelo relatório do Greenpeace. Daí a explicação da baixa adesão dos outros 13 ministérios que assinam o plano.

Mas não é um relatório só de críticas. O Greenpeace se esforçou para mostrar o que de louvável o governo conseguiu realizar na Amazônia, como a interdição administrativa de uma área superior a 8 milhões de hectares na margem oeste da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), a suspensão de autorizações para desmatamento em áreas maiores que 100 hectares e de planos de manejo com irregularidades pelo Ibama de Santarém, no início deste ano, além do aumento da presença do governo no Pará após a morte da freira americana Dorothy Stang. No entanto, nem nessas análises o relatório deixou de revelar alguns deslizes.

Foram criados 7,7 milhões de hectares de áreas protegidas. Segundo o levantamento, em dois anos surgiram mais unidades de conservação do que nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Ainda assim, a meta para 2004 era a criação de 13,4 milhões de hectares em áreas protegidas. Apenas duas unidades de uso sustentável saíram do papel, entre dez almejadas pelo plano. Outras duas de proteção integral foram criadas, mas o objetivo era fazer seis. O governo homologou 55 terras indígenas na Amazônia Legal, mas outras sete, previstas no plano, ficaram de fora. Justamente nessas áreas, o Greenpeace documentou, no início deste ano, grandes desmatamentos. Foi o caso das terras dos Apyterewa, que lideraram o ranking da devastação em áreas indígenas em 200 4.

Graças ao plano, nasceu o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), um mecanismo que mostra, em muito pouco tempo, onde a floresta precisa mais da intervenção interministerial. Pena que os dados do Deter só ficaram acessíveis a partir de novembro de 2004, ainda assim com imagens de satélite de agosto, que mostraram o auge dos grandes desmatamentos sem que o governo pudesse fazer mais nada para evitá-los. Do mesmo modo, o Greenpeace aplaude o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra por terem editado a portaria nº 010 em dezembro do ano passado, medida que dificultou a obtenção de financiamento por fazendeiros, com intuito de frear a grilagem em terras públicas. Mas ressalta que a medida não pôde impedir o alto índice de desmatamento que o país acompanhou justamente no primeiro ano do plano.

As conclusões do levantamento estão longe de ter tom de festa, mas tentam apontar um rumo no meio de tantos problemas. O Greenpeace reconhece que, mesmo não sendo ideal, já é um avanço pensar as questões amazônicas quando os órgãos do governo e diversos ministérios estão envolvidos. E que a própria existência do plano inibiu o processo de ocupação e exploração predatória. Mas essa não é a moral da história que o Greenpeace está contando. “O resultado até maio de 2005 lamentavelmente confirma a máxima de que o Brasil é bom de planos e leis, mas ruim de implementação”. E assim acaba o texto.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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