Reportagens

Embalagens do futuro

Novas tecnologias permitem que o tempo de decomposição do plástico diminua drasticamente. Agora para fabricar o produto não é preciso contar só com petróleo.

Ana Antunes ·
28 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Imagine a seguinte situação: uma senhora sai de férias. Pronta para passar o verão na sua casa de praia ela lembra de verificar se fechou todas as janelas e se desligou todas as luzes. Mas se esquece de jogar fora o copo de plástico que ficou em cima da pia. Quando volta à casa, alguns meses depois, percebe que o copo não estava mais lá. Havia sumido, literalmente. Mágica? Não. Tecnologia a serviço do meio ambiente.

A historinha aí de cima está prestes a se tornar realidade, pelo menos no que depender dos pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo (IPT). Eles estão desenvolvendo, em pesquisas separadas, maneiras de reduzir o tempo de degradação do plástico de algumas centenas de anos para alguns poucos meses. E ainda estão apresentando alternativas para um problema futuro: a falta de matéria-prima, já que, como sabemos, o petróleo não dura para sempre.

Por enquanto esses projetos ainda estão em fase de testes e, por isso, não são produzidos em escala industrial. Para resolver o problema mais imediato do destino do plástico após o descarte, a empresa britânica Symphony Plastic Technology desenvolveu um aditivo, o d2w, que ajuda na decomposição de polímeros sintéticos, ou seja, o plástico derivado do petróleo.

Esse produto chegou por aqui pela empresa Res Brasil, responsável pela sua comercialização. Eduardo Vanurst, diretor de superintendência da Res Brasil, explica que o agente químico em contato com oxigênio e calor – o que o torna oxidegradável – acelera o processo de quebra das cadeias de carbono e hidrogênio que formam o plástico. Por essa característica química, o aditivo só pode ser usado em polímeros constituídos apenas por essas duas substâncias: o polietileno (sacola plástica), polipropileno (tampas e embalagens plásticas de CD), e poliestireno (bandeja de frios do supermercado que parece isopor).

O tempo de decomposição varia de acordo com a espessura do plástico, a quantidade de produto utilizado na sua produção e, claro, da quantidade de oxigênio e calor a que é exposto. “Uma sacola de supermercado pendurada no varal no verão leva de três a quatro meses para se decompor,” diz Vanrust. Pelo fato de ser oxidegradável, o processo de decomposição começa assim que o plástico sai da fábrica. Mas o diretor da Res Brasil lembra que isso não é motivo para achar que precisa usar todo o seu xampu antes que a embalagem evapore. “O tempo de decomposição é calculado de acordo com a necessidade do cliente.”

Plástico de açúcar

No interior de São Paulo, mais precisamente na cidade de Serrana, a empresa PHB Industrial S.A produz, em pequena escala, plástico a partir de açúcar, o chamado Biocycle. Por enquanto, a produção anual de 60 toneladas é usada apenas para testar as possíveis aplicações do material. Porém, Eduardo Brondi, administrador da empresa, diz que a comercialização deve começar em 2007.

Esse plástico foi resultado de uma parceria entre o IPT, a Coopersucar e a Universidade de São Paulo (USP) no início da década de 90. Luiziana Ferreira, pesquisadora da USP, afirma que o polihidroxidobutirato, ou PHB (nome químico do plástico derivado do açúcar), é feito a partir da resina resultante da digestão do açúcar pela bactéria Burkholderia sacchari.

Luiziana explica que a produção do PHB funciona mais ou menos como acúmulo de gordura no nosso corpo. Quando a Burkholderia sacchari come açúcar demais, não consegue eliminar o excesso. Ao invés do açúcar se transformar em “pneuzinhos”, como acontece com a gente, na bactéria ele se transforma em uma espécie de grânulo. Depois que as bactérias já estão bem gordinhas, elas são mortas e os grânulos se dissolvem, dando origem à resina. Para finalmente se transformar em plástico, a resina é processada com uma série de plastificantes, corantes e estabilizantes. Na Biocycle, a bactéria que participa do processo é outra, a Alcaligenes s.p, mas o mecanismo é o mesmo.

O PHB é biodegradável, mas Luiziana lembra que o tempo de decomposição depende da espessura do plástico, da quantidade de produtos adicionados na fabricação e das condições a que é exposto. Porém, uma placa de meio centímetro de espessura em um aterro sanitário demora cerca de quatro meses para se decompor. O preço de produção do plástico (cerca de 12 dólares por quilo) ainda é alto se comparado ao plástico derivado do petróleo, que custa menos de um dólar por quilo.

Mas a pesquisadora afirma que com o desenvolvimento das tecnologias de produção o custo deve baratear em pouco tempo. Apesar da discrepância de valores, Luiziana acredita que já existe um mercado para o plástico derivado do açúcar. “Além de ser biodegradável, o material também é biocompatível, ou seja, pode ser utilizado em próteses humanas sem o perigo de rejeição,” disse ela.


A pesquisadora informa ainda que a pesquisa agora está tentando produzir a resina que dá origem ao plástico a partir do bagaço da cana de açúcar. Segundo ela, apesar do processo ser um pouco mais caro por que a matéria-prima deve passar por um processo de hidrólise antes de virar comida de bactéria, ela é resíduo e, por isso, está disponível em excesso.


100% biodegradável

Também no estado de São Paulo Leonard Sebio, doutor em Engenharia de Alimentos pela Unicamp, desenvolveu um plástico à base de amido, gelatina, glicerol e água: o amidoplast. Ele explica que tanto o amido quanto a gelatina são polímeros naturais e por isso possibilitam a manufatura de um produto parecido com o plástico, um polímero sintético – inclusive com a mesma máquina que fabrica os produtos convencionais.

Por ser basicamente constituído de elementos naturais, o amidoplast é 100% biodegradável. Sebio afirma que se o plástico estiver em contato com água, sua decomposição leva apenas alguns meses, mas se ficar ao ar livre leva entre 2 e 5 anos para se degradar totalmente. No entanto, ainda falta para este produto estar disponível no mercado. Sebio diz que apesar de terem surgido diversas pessoas interessadas em licenciar o amidoplast, a sua produção ainda é mais cara do que os plásticos comuns, o que dificulta sua inserção no mercado.

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