Reportagens

Podia ter sido melhor

2005 contrariou a máxima de que meio ambiente não rende notícia. Pena que foram sobre a continuação de uma tragédia ambiental. Mas salvaram-se boas histórias.

Lorenzo Aldé · Carolina Elia ·
22 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás

O ano de 2005 termina com as pessoas prestando mais atenção ao meio ambiente. Não por vontade própria, mas por receio do que está por vir. Começar um ano sabendo que ondas gigantes são capazes de matar quase 170 mil pessoas em poucas horas, assusta. Mas pior do que lembrar que estamos sujeitos aos caprichos da natureza é constatar que o homem tem a capacidade de agravá-los. Para os mais céticos, como o presidente americano George W. Bush, o poder de destruição do furacão Katrina, que acabou com Nova Orleans, serviu de alerta.

No Brasil, a Amazônia secou. Por quê? Ainda é cedo para explicar, mas quem conhece a região desconfia do casamento catastrófico entre ação humana e mudanças climáticas. Os acreanos sabem explicar. Após uma estiagem atípica no estado e uma temporada de queimadas fora de controle, eles terminaram isolados do resto do país por uma nuvem de fumaça.

Desmatamento

Enquanto isso, a Amazônia continua sendo posta abaixo. Em maio, o governo federal anunciou que entre agosto de 2003 e agosto de 2004 26 mil hectares de floresta foram cortados. Agora, em dezembro, se corrigiram, foram 27 mil – o segundo pior desmatamento da história. Em compensação, informaram que, em 2005, a taxa de destruição da floresta caiu em 30%. Foi a primeira vez que o índice oficial tornou-se público no mesmo ano em que ocorreu o desmate.

Os motivos da queda começam no assassinato da freira americana Dorothy Stang, que levou à criação de unidades de conservação numa região cobiçada por grileiros no Pará e à presença do exército na região. Depois, veio a Operação Curupira, que desbaratou um esquema de corrupção dentro do Ibama que dava cobertura ao corte ilegal de madeira na Amazônia. O freio na atividade e a falta de planos de manejos licenciados para a região levou o corte de madeira a despencar para quase zero em junho, como noticiou O Eco em primeira mão. A Amazônia ainda deu sorte da baixa do dólar ter paralisado a expansão da soja e do gado sobre a floresta, dois fatores econômicos que colaboram cada vez mais para a sua destruição. Não foi à toa que Blairo Maggi, governador de Mato Grosso e maior produtor de soja do país, ganhou do Greenpeace o prêmio moto-serra de ouro por ter transformado o estado em campeão de desmatamento.

Hidrelétrica de Norte a Sul

Além de investir em soja na Amazônia, Blairo Maggi também tentou fazer fortuna este ano com a construção de oito usinas hidrelétricas em plena selva amazônica. O investimento destruiria as belas cachoeiras de Dardanelos, mas não conseguiu licença prévia do Ibama para participar do leilão da Aneel. Pelo mesmo motivo, outras cinco hidrelétricas ficaram de fora do evento. Há quem diga que tudo não passou de uma estratégia para Dilma Roussef, chefe da Casa Civil e ex-ministra da pasta de Minas e Energia, conseguir licença do Ibama para erguer no ano que vem uma hidrelétrica no rio Madeira, na Amazônia.

Em 2005, Dilma já teve uma vitória. Apesar do licenciamento ambiental da usina de Barra Grande, na divisa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ter sido grosseiramente fraudado, a obra, suspensa temporariamente pela justiça, foi concluída e mais de 4 mil hectares de mata atlântica nativa foram alagados. Por ter denunciado o caso e ter lutado até o fim para impedir o crime ambiental, a ambientalista Miriam Prochnow ganhou o Prêmio Ford de Conservação Ambiental. Enquanto isso, a Engevix, principal responsável pela fraude, continua na ativa em vários projetos de hidrelétrica. Mesmo depois de o Ibama “multá-la” em 10 milhões de reais e “proibi-la” de concorrer a licitações.

A cara a tapa

Além de Miriam, outras pessoas se expuseram à mídia em defesa do meio ambiente no Brasil. Algumas de forma radical, como o ambientalista Francisco Ancelmo de Barros , que ateou fogo ao corpo contra o projeto do governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, de levar usinas de álcool para o Pantanal. Após a sua morte, a Assembléia Legislativa julgou a proposta inconstitucional e vetou o empreendimento. Na Bahia, Dom Luiz Flávio Cappio fez greve de fome para obrigar o governo federal a repensar a transposição do Rio São Francisco. Perdeu alguns quilos e ganhou a promessa do presidente Lula de que o Velho Chico seria revitalizado. Apaziguados os ânimos, as obras da transposição lançaram seus primeiros alicerces. Já o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho não teve a chance de se encontrar com o presidente e foi morto em fevereiro, no Rio de Janeiro, por denunciar crimes ambientais na Reserva do Tinguá.

Outras histórias

Mas o que o ano de 2005 também deixou claro para a equipe de O Eco é que apesar do meio ambiente quase sempre chegar às páginas dos jornais através do caminho chamativo da tragédia e da notícia ruim, há muita coisa boa para contar sobre natureza no Brasil. E isso graças ao trabalho de profissionais que são verdadeiros heróis da fauna e flora brasileira. Exemplos é o que não falta em nossas reportagens. Recentemente mostramos o trabalho minucioso da bióloga Pilar Guido Castro sobre sapinhos quase desconhecidos capazes de copular durante 24 horas no friozinho de Itatiaia. Mas há também Neiva Guedes, que pesquisa as araras azuis no pantanal, Jaime Martinez e Nêmora Paulete Prestes, que observam o comportamento do papagaio charão em Santa Catarina. Na Amazônia, Ronis Da Silveira troca a noite pelo dia para estudar jacarés e, em Fernando de Noronha, Ricardo Garla não se incomoda de levar mordidas de tubarão para se certificar que eles estão bem. E tem mais: o físico Germano Whoel Jr.compra terras em Santa Catarina para salvar sapos endêmicos e educar crianças sobre a importância do meio ambiente. Já o ecologista Paulo Nogueira Neto, aos 83 anos, ainda não desistiu de educar os adultos. Wilson José Eduardo Moreira da Costa, por sua vez, não cansa de procurar novas espécies brasileiras em poças de água.

A natureza também sabe tomar conta de si, basta o homem não chegar muito perto que ela se preserva quase que intocada. E isso acontece de norte a sul. Dos concheiros, no Chuí, aos manguezais amazônicos do Oiapoque. Espécies também estão escondidas por aí, como cobras corais verdadeiras desconhecidas da ciência e jararacas exclusivas de ilhas do litoral paulista.

Tomara que em 2006 O Eco tenha mais história boa para contar do que má notícia para dar.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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