Reportagens

Limpando a barra

Mega-condomínio na Barra da Tijuca vira exemplo de recuperação ambiental numa área degradada, graças à atuação do Ministério Público e à parceria com o estado.

Cynthia Howlett ·
20 de janeiro de 2006 · 18 anos atrás

Ao longo das últimas décadas, a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, vem sendo um modelo de como não urbanizar uma região. A expansão populacional é caótica, o poder público não tem um plano para ordená-la e os impactos ao meio ambiente são devastadores. De vez em quando, surgem iniciativas para mostrar como as coisas podem ser diferentes.

É o caso do condomínio Península. Com investimentos estimados em 2 bilhões de reais, em uma área de 780 mil m² (tamanho equivalente ao bairro do Leblon, na Zona Sul), o empreendimento se propõe a oferecer qualidade de vida a moradores classe A. Para tanto, precisou recuperar um bom pedaço de natureza que se perdia.

O terreno ocupado pela Península foi, durante muitos anos, uma área conhecida como Gleba. Fazia parte da antiga Fazenda da Restinga, localização privilegiada às margens da Lagoa da Tijuca. A vegetação original era composta por restingas e manguezais e foi praticamente destruída nos anos 80, com o surgimento da favela Via Parque (foto).

Em 1978, a construtora Carvalho Hosken comprou a área da Gleba. Dois anos depois, a Prefeitura Municipal concedeu licença para a construção do condomínio Península em parte do terreno. Mas só em 1985, depois que os barracos que havia na área foram retirados e os moradores levados para um conjunto habitacional, é que as obras começaram pra valer.

“Foram investidos mais de 50 milhões de dólares na urbanização total da área, concluindo-se orla, parques, sistemas de drenagem, água potável, esgotamento sanitário, iluminação, sistema de capeamento asfáltico e segurança, entre outros”, afirma Ricardo Correa, diretor de marketing da empresa.

Ainda eram providências comuns de um condomínio rico, como tantos outros. Faltava um compromisso ambiental efetivo. Ele veio em 2003, quando o Ministério Público Estadual ajuizou uma Ação Civil Pública exigindo da Carvalho Hosken alterações no projeto original da Península.

Àquela altura, a falta de saneamento básico já se tornara um problema crônico na Barra da Tijuca, e um condomínio do porte do Península ameaçava poluir ainda mais o complexo lagunar do bairro. A ação do Ministério Público determinou que a empresa reduzisse a área total edificável do projeto original em 21% e a quantidade de pavimentos da cada prédio de 18 para 15 andares. A Carvalho Hosken também foi instruída a construir uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e dragar o canal da parte central da Lagoa da Tijuca. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) oficializou o compromisso.

Reflorestamento

Foi então que a paisagem começou a mudar de verdade. A dragagem teve início em setembro de 2003. “Retiramos os resíduos sólidos e o lixo do fundo, aumentando a profundidade da lagoa e permitindo uma maior oxigenação da água”, explica o biólogo Mário Moscatelli.

O trabalho incluiu a recuperação da vegetação no entorno da lagoa. “Além de remover os resíduos sólidos, construímos duas barragens para bloquear a entrada de novos resíduos, retiramos as espécies exóticas do local e fizemos um replantio das nativas. Agora estamos construindo um horto para plantar mudas de mangue. Apenas 8% da área total foi destinada à construção de prédios, todo o restante foi reflorestado. Existem hoje vários tipos de bromélias, samambaia do brejo, vegetação de restinga, cactáceas… Conseguimos juntar o interesse do caranguejo com o do empresário”, resume, animado, o biólogo.

O paisagista Fernando Chacel, autor e principal responsável pelo projeto de revitalização, alerta entretanto que o trabalho de recuperação ambiental é apenas a parte inicial do processo. “A idéia surge no projeto, se materializa na execução, mas se perpetua na manutenção e na conservação”, explica. Para isso será cobrada uma taxa mensal dos Amigos da Península, a associação de moradores do condomínio. Eles começaram a chegar em 2004. Atualmente, 164 famílias moram lá.

No final de 2005, as obras de dragagem foram paralisadas pelo Ministério Publico Federal (MPF). Mais uma Ação Civil Pública foi ajuizada contra o empreendimento, alegando que as obras de dragagem feitas pela construtora, em conjunto com Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla), deveriam ter sido submetidas a um estudo de impacto ambiental (Eia-Rima).

Como isso, outro acordo foi firmado. A empreiteira obrigou-se a executar o trecho restante do canal de drenagem da lagoa da Tijuca até atingir o rio Anil, assim como restabelecer a vegetação original no entorno da Pedra da Panela, local destinado ao bota-fora do material resultante da dragagem.

Papel do Estado

Graças ao novo acordo, o estado também assumiu sua responsabilidade pela área. A Serla se comprometeu a fazer um Eia-Rima do projeto de Revitalização do Complexo Lagunar de Jacarepaguá, que além da dragagem da Lagoa da Tijuca inclui a integração dos Canais do Portelo, Cortado e Taxas ao Canal de Sernambetiba.

O órgão deverá enviar ao MPF relatórios trimestrais a respeito das obras. O prazo estabelecido é dezembro de 2006.

O promotor federal Mauricio Andreiolo vê na parceria entre os órgãos públicos e o empresariado um bom caminho para a preservação do meio ambiente. “Hoje a solução é fazer convênios com os empresários. Através dos Termos de Ajustamento de Conduta, podemos solucionar muito mais coisas do que brigando de frente. O empresário gosta da palavra convênio, ele se sente parceiro do poder público”, explica o promotor. “Acredito que a visão ecológica da Carvalho Hosken mudou. Eles passaram a ver que o meio ambiente é um capital, é um ativo, e que eles têm que promover a conservação”, acrescenta.

A promotora Ana Paula Petra, do Ministério Publico Estadual, concorda com o promotor. “O empreendimento é positivo. Toda aquela área era favelizada, abandonada, e com o investimento da Península o crime ambiental diminui. Para o poder público, fazer a dragagem sozinho é muito caro. Hoje não temos fiscalização que dê conta de tudo. A justiça demora e a expansão é muito rápida. Quando podemos amarrar um acordo assim, conseguimos encontrar uma solução. É a única ação possível a curto prazo”, explica.

* Cynthia Howlett é jornalista e advogada ambiental, e integra o conselho consultivo da WWF-Brasil.

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