Dono do menor litoral entre os estados costeiros, o Piauí não sabe aproveitar devidamente sua estreita faixa de 66 quilômetros de praias. Em vez de investimentos pesados para atrair turistas, o que se faz por lá é a eterna gambiarra de pequenas obras que, abandonadas, acabam se somando às ruínas de antigas tentativas.
Na praia de Atalaia, o balé dos sacos plásticos ao vento é um espetáculo à parte, que termina quando eventualmente acabam presos nos arames farpados que cercam os lotes demarcados areia adentro. Um enorme volume de tijolos quebrados em várias partes do chão de areia do outro lado da rua é o que restou de construções sucessivas, muitas abandonadas antes mesmo de finalizadas.
Foram tentativas, sempre inócuas, de levar para frente um potencial turístico que nunca se concretizou. O cenário é melancólico, como se tivéssemos chegado tarde demais para um compromisso que nunca aconteceria.
As barracas, que sempre serviram um razoável peixe e um excelente caranguejo, formam uma verdadeira favela sem um padrão de construção, algumas com telhados de amianto. Não há no Brasil paralelo de feiúra em matéria de litoral, a começar pelo nível do turismo que aprecia o local.
Mau gosto
Depois de esgotar totalmente a praia de Atalaia, a exploração anárquica do turismo tratou de aniquilar a bela paisagem da praia do Coqueiro, considerada uma espécie de Barra da Tijuca nos anos 60. Lá foi construído um hotel semelhante àqueles de postos de gasolina duas estrelas, revestido em azulejo, a menos de 60 metros do mar. O monstrengo é considerado pelas autoridades uma agressão ambiental, que ainda por cima aleijou a vista para o mar do Coqueiro. Romildo Macedo Mafra, gerente-executivo do Ibama do Piauí, explica: “Esse hotel jamais teve autorização do Ibama para funcionar, porque não é nossa atribuição. Mas nós concordamos que ele deve ser demolido. O prédio já foi embargado por falta de licença ambiental do estado, mas parece que funciona por força de liminar. O dono não seria doido de abrir o hotel à revelia da Justiça”. O diretor-técnico do Ibama, Carlos Moura Fé, acrescenta: “No nosso entendimento, o hotel está fora da faixa de praia, mas isso não redime aquela construção horrorosa”, acrescenta.
Jane Ramalho, turista paraibana que curtia a solidão de uma praia afastada, decepcionou-se quando viu a construção. “Sempre quis conhecer o Piauí. A Atalaia não dá, de longe eu vi o abandono escancarado e o nível dos turistas. Aí eu vim com um amigo para o Coqueiro, mas vi que o mau gosto já chegou por aqui. Eu gostaria sim que este prédio fosse retirado, me incomoda”. Dona Maria, dona de uma das mais simpáticas e antigas barracas da praia, garante: “O cliente quer ver uma coisa simples, primitiva, por isso vai mais longe. Aí chega aqui e tem essa ‘rodoviária’ plantada na praia. Pra gente é ruim, eles não voltam mais”, atesta. Mas o prefeito de Luís Correia, Antônio José dos Santos Lima, assegura: “O hotel atrai mais turistas para o Coqueiro, que é uma praia relativamente afastada. Eu garanto que eles gostam”.
O turista mais aventureiro que quer fugir do roteiro do Delta do Parnaíba — a maior atração turística do litoral piauiense — costuma rumar para Luís Correia na esperança de ser um dos primeiros a descobrir mais este segredo brasileiro. Pra nunca mais. Os empresários que também se rendem à beleza e ao potencial daquele belo litoral logo percebem que a visita não retorna. Os motivos são muitos. Não apenas o tenebroso cenário de Atalaia, primeira praia que surge em Luís Correia, serve como péssimo cartão de visitas, mas falta infra-estrutura hoteleira. Ou seja, não há turistas porque não há hotéis, e não há hotéis porque não há turistas. Os que se arriscam a investir na região acabam quebrando.
“O estado perde por ano cerca de 10 milhões de reais e 30 mil turistas por conta de um litoral pouco ou não aproveitado. É um número no mínimo alarmante”, diz Edson Correia, diretor de Planejamento da Pientur, órgão do governo estadual responsável pelo turismo. Até agosto deste ano, as 30 barracas de Atalaia serão demolidas, dando lugar a outras 27 que, promete, devem ter um padrão de construção mais charmoso. Ele diz que o problema do sucateamento das praias de Luís Correia é a falta de continuidade de projetos anteriores, além do acesso demorado e da falta de vôos para a capital Teresina, que fica a cerca de 350 km dali. “Mas o aeroporto de Parnaíba [cidade vizinha] foi reinaugurado e há um novo projeto de revitalização da praia que parece que vai dar certo”, completa.
Reeleição
A notícia seria animadora se as praias de Luís Correia já não tivessem passado por pelo menos quatro revitalizações que resultaram em coisa nenhuma, pela falta de um projeto político de longo prazo. O governador petista Wellington Dias é candidato à reeleição, e o diretor da estatal do turismo aproveita para se queixar da descontinuidade administrativa. “Devia haver uma lei que obrigasse o governo sucessor a completar e fazer a manutenção das obras pagas com o dinheiro público”, lamenta Edson Correia.
Entre os muitos hotéis que fecharam na região, um foi erguido na década de 80 pelo então governador Alberto Silva (PMDB), hoje senador. “Aquilo ali, esquece. O hotel ficou fragmentado e foi doado parte para o Sesc, parte para a prefeitura”, diz o senador. Aos 87 anos, ele ainda sonha com um litoral incrementado no Piauí, mas admite que as problemáticas praias de Luís Correia não estão mais entre suas prioridades. “Lutei muito mas a falta de continuidade é um mal da vaidade política. Agora minha atenção está voltada para a área próxima ao Delta, também subaproveitada. Vamos ter a primeira marina fluvial do país em um lugar estratégico, por onde passam cerca de 8 mil iates internacionais que precisam entrar na água doce para checar o casco e seguir viagem. Quero aproveitar esse potencial, realizando o primeiro hotel seis estrelas do Brasil às margens do rio Igaraçu, que encontra o mar”, planeja.
Enquanto sonha com o seis estrelas, o turismo piauiense segue adormecido sobre escombros.
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