O Pantanal está em um de seus momentos mais deslumbrantes. Com as chuvas torrenciais do verão, os rios transbordaram e os peixes agora nadam nos campos e florestas. As canoas navegam onde antes eram estradas de terra. As águas refletem o azul do céu no chão, e parecem emendar tudo em um único elemento. É chegada a cheia, que se completará até meados de abril.
Já são 8h quando a canoa motorizada, a chamada “voadeira”, parte de Porto Cercado, lugarejo do município de Poconé (MT). Subimos o rio Cuiabá até Porto Biguazal, para entrar nos campos alagados. No trajeto, uma mata baixinha forma belos túneis por onde passa a água corrente limpa, transparente e avermelhada, cor de chá. É a “dequada”, fenômeno natural que ocorre todos os anos por causa da decomposição de matéria orgânica, que altera a disponibilidade de nutrientes e oxigênio na água. Às vezes, causa a mortandade de peixes, mas não é comum que isso aconteça.
O destino do primeiro trecho da viagem, de cerca de 50 km, é o Posto de Proteção Ambiental São Luiz, no interior da maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do Brasil, a RPPN Sesc Pantanal. Dois pesquisadores estão no barco. Eles vão em busca de um lobo-guará selvagem, que usa uma coleira com rádio transmissor VHF cujos sinais não são recebidos há dias pela antena portátil que carregam.
“Vamos coletar amostras do sangue e urina do lobo para pesquisas sorológicas”, relata o veterinário Rodrigo Silva Pinto (na foto, à esquerda). Ele e o biólogo Edson de Souza Lima querem evitar o contágio dos animais silvestres com a cinomose, a parvovirose e a raiva, cujos vírus circulam entre os cães das comunidades ao redor da reserva. Para isso, precisam saber por onde andam os lobos. Os pesquisadores já encontraram agentes de leishmaniose nas análises de material de animais domésticos e selvagens.
A RPPN Sesc Pantanal tem 106 mil hectares, entre os rios Cuiabá e São Lourenço, em Barão de Melgaço, a 145 quilômetros da capital mato-grossense. Antes de serem comprados pelo Serviço Social do Comércio, em 1996, eram 16 fazendas de terras danificadas pelo pisoteio de gado. As reses foram retiradas e a vegetação nativa começou a se recuperar. Em 2003, a reserva passou a ser o primeiro Sítio Ramsar brasileiro em área privada. O Ramsar é um tratado de cooperação internacional que apontou no país oito unidades de conservação importantes para a preservação de áreas úmidas e aves aquáticas. Na RPPN são desenvolvidos cerca de 40 projetos científicos em parceria com instituições de pesquisa.
Gente, bicho, planta
Logo que a voadeira faz as primeiras curvas no córrego de águas avermelhadas, encontramos o pescador Joaquim Santana, 89 anos. Sentado na canoa, vagarosamente mexe pó de guaraná com açúcar. “Pra viajar”, explica. Ele se prepara para remar. A bebida energética é um forte hábito dos mato-grossenses, de uso tão comum nas casas e lugares públicos como é o cafezinho. O canoeiro nos mostra uma cuia com roncador e tucum, frutinho de uma palmeira típica do Pantanal, que usa como isca para pegar pacu.
O roncador é uma árvore que tem esse nome por causa do som produzido quando se bate no tronco, que se ouve de longe. “Por isso é usada como meio de comunicação pelos pantaneiros”, revela o agricultor Daniel Soares, morador de Poconé. Algumas espécies de peixes consomem os frutos que caem na água e por isso são importantes para a reprodução da flora, pois ajudam a espalhar as sementes, que germinam na época da seca.
Antes de entrar na reserva, nossa embarcação vai percorrer 33 km até a Vila São Pedro de Joselândia. “Essa comunidade só não desapareceu porque no ano passado chegou a energia elétrica”, conta o morador Manoel Pedro da Penha, guarda-parque da reserva que vai nos acompanhar no próximo trecho da viagem.
São Pedro tem cerca de 900 habitantes. Uns 300 estudam ou trabalham nas cidades, retornam nas férias. Mil foram embora. As novas gerações querem mais do que apenas a deslumbrante natureza. Mas muitos não vivem sem ela. “Não canso de falar que amo o Pantanal. Nasci em Nossa Senhora do Livramento e vim plantar minha raiz em Joselândia”, diz a professora Ângela Campos, 45 anos, que mora na comunidade há 13 anos.
“Meu marido tem terra no baixo, lá onde tem muita água, mas a casa fica meio no alto. Essa época é de verde e fartura, pesco meus peixinhos sem precisar sair longe. E fico ouvindo o cabeça-seca”. Ângela se refere à espécie Mycteria americana, uma grande ave que chega em março e fica até novembro, quando migra para o Sul. “Nesta época é o jacaré, às vezes preciso descarrilhar com pau, pra ele não pegar as galinhas. Quando as águas começam a vazar, são os pássaros, essa figueira fica branquinha deles”, ela conta.
A Vila São Pedro é conhecida em toda a região por causa das tradicionais festas de santo com reza cantada, o cururu e siriri. “A gente se vira com benzição. Sou fanática na garrafada. Casca de paratudo, jatobá, rapadura caseira, é bom pra anemia de criança. Casca de mangaba, as pessoas usam muito pra inflamação”.
A flora pantaneira é um mosaico. Até em viagens curtas é fácil perceber os nichos com diferentes influências paisagísticas de três grandes sistemas naturais. O principal é o Cerrado, desde os campos limpos às matas ciliares restritas às margens dos cursos d’água. As extensas matas da região de Cáceres e Poconé também apresentam vínculos com a bacia amazônica. Um exemplo é a vitória-régia, encontrada ao longo do rio Paraguai e subindo o São Lourenço na região da reserva. Observa-se ainda o Chaco, formação de áreas mais secas semelhante à Caatinga, presente em Barão de Melgaço.
Mas o equilíbrio entre moradores e natureza precisa ser estimulado com a valorização da mão-de-obra local. O Sesc compra de uma cooperativa de mulheres de São Pedro os doces que oferece aos hóspedes do hotel cinco estrelas que mantém em Porto Cercado. Entre os 128 funcionários da reserva, 90% são moradores de Poconé e Barão de Melgaço, municípios onde apóia diversos projetos de geração de renda e proteção ambiental.
O conhecimento do homem pantaneiro tem sido de grande valia para as pesquisas desenvolvidas na RPPN. Especialmente para a formação de uma nova consciência ecológica na região. Apenas 3% do Pantanal estão protegidos em unidades de conservação.
Depois da criação da RPPN Sesc Pantanal, as antigas cercas das fazendas foram derrubadas para dar passagem livre aos animais. As araras azuis, ameaçadas de extinção, em 1997 eram 15, e agora são 210. Constroem ninhos nos manduvi, mulateira e ximbuva. “Os filhotes ficam no ninho cerca de 100 dias”, conta Luciana Pinheiro Ferreira, 25 anos, estudante de Biologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) que faz estágio na reserva. Para acompanhar o desenvolvimento dos filhotes que começaram a voar em janeiro, a jovem faz rapel nas árvores, que chegam a 15 metros de altura.
A cavalo
A partir da Vila de São Pedro, será impossível continuar de barco, por causa dos desníveis dos campos, às vezes muito baixos para a navegação. Daqui pra frente, o único meio de transporte possível nesta época é o cavalo. Serão 20 km até o Posto São Luiz. Cerca de quatro horas de viagem. Um carro de bois vai seguir o mesmo percurso levando as bagagens, que nunca estarão à mão na hora em que se precisa delas. A aventura exige muita disposição, pouca troca de roupa e um estoque de vitamina C, pois os tênis e as roupas ficarão o tempo todo molhados.
Os animais conhecem bem o percurso e estão sempre atentos ao risco de pisar em algum jacaré. Os conhecedores da região, entretanto, garantem que eles costumam permanecer em sua placidez na beira do caminho enquanto as caravanas passam. Os cavalos levantam as orelhas a qualquer sinal estranho e é preciso firmeza na sela para não cair quando eles se assustam ou tropeçam por causa de buracos submersos.
Não chove há cerca de três dias. “Mas as águas estão subindo”, observa o guarda-parque Manoel Pedro. A chuva que cai direto no Pantanal contribui pouco para o sistema de cheias e vazantes, alimentado principalmente pelas águas do entorno da planície, nas cabeceiras dos rios e riachos nos planaltos, como a Chapada dos Guimarães. Com isso, os leitos transbordam e escorrem para áreas mais baixas.
“O Pantanal vai encher até 15 de abril”, calcula Rodrigo Gonçalo Moura Brandão, que também trabalha como guarda-parque na RPPN. “O pico da chuva é dezembro e janeiro, a cheia começa em fevereiro. Em maio é a vazante”, explica. É quando as águas vão diminuindo, para ficar só nos rios, baias e corixos (riachos). “O pico da seca é entre setembro e outubro. Em novembro vêm as primeiras chuvas”.
Em qualquer período do ano vêem-se bichos no Pantanal, mas durante a cheia eles são mais escassos. Nesta época são as plantas que chamam a atenção pelo viço. E o céu se pinta de cores berrantes duas vezes ao dia, sempre que o sol toca o horizonte. Não há alvorecer ou pôr-do-sol pálidos. Os tons são intensos e bonitos, mesmo quando graves em cinza das nuvens carregadas de chuva.
Lobo-guará
Chegamos ao Posto São Luiz quase ao anoitecer. Este é um dos sete pontos de apoio que serve como alojamento de cientistas e guardas-parque e também para a estrutura de combate a incêndios. O fogo é uma ameaça constante na seca, e para evitá-lo o Sesc trabalha com um plano de combate desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 2005, foram queimados 300 mil hectares ao sul da RPPN, e atingidos 400 hectares da reserva. “Uma frente com mais de 50 km de largura”, lembra o agrimensor Waldir Wolfgang Valutky, gerente de infra-estrutura da unidade de conservação.
Edson Lima e Rodrigo Pinto saem ainda à noite para montar armadilhas para o lobo-guará. Experientes, enfrentam a mata escura e emaranhada. No outro dia, saímos novamente a cavalo. Os pesquisadores levam uma antena na tentativa de captar sinais. Apenas um lobinho caiu na jaula (foto).
Somente três dias depois eles vão conseguir capturar uma loba. Recebo a notícia quando já estou em Cuiabá. Mais um carnívoro circula na reserva com rádio VHF na coleira. Os dois pesquisadores já têm cerca de 60 animais com chip de identificação.
Depois de uma noite de calor no Posto São Luiz, vamos para o Posto Espírito Santo, no caminho de volta. Cruzamos com florestas de cambará, que formam uma das mais belas paisagens do Pantanal. “Durante a cheia, o cambarazal retém água. E na seca ele pinga, chega a empoçar, dá vida pra muito vivente. É bom para os pássaros”, ensina José Fernandes, morador de Retiro, comunidade do entorno da reserva. A árvore a que se refere é a Vochysia divergens Pohl, que alcança 25 metros de altura, tem copa frondosa e mais de um metro de diâmetro.
De carroça, mais 10 km até chegar à voadeira que nos leva ao ponto de partida, em Porto Cercado, onde fica o hotel do Sesc e seus 108 apartamentos à margem do rio Cuiabá. A estrutura é ecológica, com tratamento de água de subsolo e afluentes e de esgotos, reciclagem de lixo, energia solar e tratamento acústico das instalações para evitar impacto sonoro para os animais. O conjunto tem um Centro de Interpretação Ambiental com informações em multimídia sobre a RPPN. A qualidade do material exposto é a de um museu de ciências naturais.
No conforto do banho quente e ar condicionado, vêm à mente os pantaneiros que encontrei pelo caminho. Gente marcada pela cada vez mais rara experiência de viver imersa em natureza, toca a vida no ritmo das cheias e vazantes deste pedaço alagadiço de Brasil. Com acesso a informação e oportunidades de trabalho e renda, tem tudo para continuar assim. Bom para eles e para o Pantanal.
* Cristina Ávila é jornalista freelancer, mora em Porto Alegre e viajou a convite do Sesc Pantanal.
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O período das vazantes é o período chuvoso,no qual as águas começam a baixar.
Todas as áreas do Pantanal se mantém alagadas permanentementes,pois as águas não conseguem escoar por causa de pouca devacilidade dos terrenos.
Por favor gente pra amanhã 😘😘
Me ajudou muito esse texto
Fala pessoal
Eu achei muito legal
EU ESTOU FAZENDO UM TRABALHO SOBRE ISSO
estou estudando o pantanal e achei muito interessante
eu tive que pesquisar pq estou fazendo um cartais
estou estudando isso pantanal e cheio de bicho mais to na internet pesquisando
muito bom o texto eu to fazendo um treco na escola e me serviu pra nada mas aindsab do obregado pela oportunidade perdida
foi o ano que eu nasci
que legal