Não é só de arranha-céus, trânsito conturbado e corre-corre que São Paulo é feita. Em meio às porções de mata que restaram na capital, escondem-se ainda hoje pelo menos 432 diferentes espécies de animais. O número inédito é fruto de 12 anos de um estudo que mapeou 48 parques e áreas verdes da cidade, incluindo terrenos municipais, estaduais e particulares. Na lista, estão animais como furões, cágados, preguiças, carpas, gaviões, rãs, gambás, tatus, cobras, pererecas, macacos e uma diversidade de aves. Do total, há 25 espécies ameaçadas de extinção.Entre elas, a anta, a onça-parda, a lontra e a araponga.
Como a contagem foi feita pela primeira vez, a lista pode e deve crescer ao longo dos anos. “O número pode aumentar não só por causa do surgimento de novas espécies, mas porque melhoraremos o mapeamento”, explica Anelisa Magalhães, coordenadora do projeto e técnica da Divisão de Fauna da Secretaria Municipal de Verde e Meio Ambiente. Até agora, foram registradas 285 espécies de aves (macuco, jandaia-de-testa-vermelha e cabeça-seca), 57 mamíferos (paca, sagüi e furão), 40 anfíbios (sapo-cururu e pererecas), 37 répteis (falsa coral, jararaca, cascavel), 9 peixes (carpa, tilápia, guarú), 2 aracnídeos (armadeira e caranguejeira) e 2 malacostracas (caranguejos e lagostinhas de água doce). “Demos atenção maior para a avifauna, seguida dos mamíferos e da herpetofauna. Os esforços para a identificação de peixes ainda são pequenos”, diz.
Como o estudo é pioneiro, fica difícil saber a evolução do número de espécies no município. “O que temos certeza é que algumas desapareceram, como o macaco mono-carvoeiro (também conhecido por muriqui), a onça-pintada, a queixada e algumas aves”, afirma Anelisa. Na Área de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos, localizada no extremo sul de São Paulo, próximo à Serra do Mar, o encontro com o muriqui era razoavelmente comum no passado. Como a região sul é onde há a maior concentração de matas preservadas, é lá que ocorre o maior número de espécies paulistas.
Utilidades
A listagem, mais que um inventário da fauna de São Paulo, será utilizada como suporte para a soltura dos animais que chegam à secretaria por meio da população ou da Polícia Ambiental e Guarda Civil. Todo mês, cerca de 200 bichos apreendidos do tráfico ou encontrados machucados na capital paulistana são encaminhados para a divisão. Quase 70% deles são aves. Agora, já será possível saber em que local eles vão encontrar comida e se adaptar com mais facilidade.
A pesquisa também é útil para subsidiar projetos de licenciamento ambiental, apontando quais espécies ocorrem no terreno onde determinada obra será erguida. Desta forma, empresas e o poder público poderão consultar a listagem da fauna, para depois aprovar ou não um empreendimento. Antes de ser concluído, o estudo já foi utilizado na elaboração do EIA-RIMA do Rodoanel. “O levantamento é um bioindicador das áreas verdes de São Paulo. Essas informações servirão de base para outras ações”, reforça Maria Amélia de Carvalho, técnica da Divisão de Fauna da secretaria.
O estudo é resultado dos trabalhos da Divisão de Fauna, com a ajuda do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Instituto Butantã, Centro de Controle de Zoonoses, Instituto Adolfo Lutz, Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Sabesp. Para a identificação completa dos animais, os técnicos da divisão permaneceram um ano em cada área. “O correto é pegar todas as estações do ano, para ver quais espécies ocorrem em cada uma delas”, explica Maria Amélia.
Para a identificação das aves, foram utilizados binóculos e gravações com as vozes dos bichos (útil para atrair os pássaros). Já os pequenos mamíferos – de difícil visualização – tiveram de ser capturados com armadilhas. Os grandes mamíferos foram computados por meio de seus vestígios, como pegadas, fezes e pêlos. Os répteis e anfíbios foram coletados e encaminhados aos institutos especializados para análise.
Além das 25 espécies ameaçadas de extinção, outras 14 da lista têm status de provavelmente ameaçadas. As endêmicas são 73. O inventário que relaciona todas as espécies saiu no Diário Oficial do Município, mas não há previsão de quando será disponibilizado na internet. Além de nomes popular e científico, o levantamento traz a classificação da espécie e o nome do técnico que a avistou.
Estranho cotidiano
Na lista de animais recebidos mensalmente pela secretaria, algumas espécies são bastante inusitadas. “Certa vez, um morador trouxe um macho jovem de onça que estava bastante acuado. Depois de manejado, foi solto numa área de sua ocorrência”, lembra a diretora da Divisão de Fauna da secretaria, Vilma Geraldi. Ela conta que, quando há a abertura de loteamentos e estradas, é comum o encaminhamento de veados à divisão.
E esses não são casos isolados. Animais dos 28 municípios da Grande São Paulo são entregues para a secretaria. “Dia desses, um carcará foi mandado pra nós com a perna quebrada. Ele foi encontrado na rodovia Washington Luís.” Com certa freqüência, bugios intimidados pela pressão antrópica da região da Serra da Cantareira (região norte) também têm “aparecido” na divisão. “Eles são expulsos por condomínios de classe média e alta e favelas”, diz Vilma.
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