Ninguém gosta de falar de lixo, o imprestável por definição. E no entanto, fingir que o problema não existe não resolve nada. E o problema é grande. A cidade de São Paulo sozinha gera em torno de 15 mil toneladas de lixo por dia, dos quais 9 mil de resíduos domiciliares. Esse lixo todo vai parar em aterros sanitários. São dois: o São João, na Zona Leste, e o Bandeirantes, em Perus, à margem da rodovia do mesmo nome. São aterros modernos, que seguem a legislação ambiental, sujeitos à fiscalização. Seu impacto é minimizado pela implantação de sistemas de controle e monitoramento, e por elementos de proteção ambiental que fazem a diferença entre um aterro e um “lixão.” Elementos como os sistemas de drenagem de águas pluviais, drenagem e tratamento de gases, detecção de vazamentos, impermeabilização e cobertura final.
Os sistemas modernos minimizam, mas não eliminam os problemas ambientais causados pelos aterros sanitários. O lixo doméstico que chega ao aterro está longe de ser material inerte. Pelo contrário. Ele continua se degradando, daí a necessidade das medidas acima, e, provavelmente, de restrições crescentes ao seu funcionamento no futuro, exigindo investimentos cada vez maiores em tecnologia de projeto e na operação dos aterros – seja nos atuais, seja naqueles que vierem a substituí-los.
E substituir os aterros atuais, quando cheios, não será brincadeira. Nenhum cidadão quer um depósito de lixo à sua porta, e o espaço livre está rareando ao redor de cidades como São Paulo, São Bernardo de Campo, Jundiaí, Santos ou Ribeirão Preto. O problema, portanto, já deixou de ser local – justificando assim a intervenção do governo do Estado de São Paulo, que já era responsável, através da CETESB, pela fiscalização dos aterros.
Esses problemas não são exclusivamente brasileiros. Pelo contrário: países desenvolvidos, com grandes populações, alto padrão de consumo e território limitado já vêm se deparando com eles faz anos. O estado de São Paulo foi buscar ajuda na província da Baviera, no sul da Alemanha. As duas unidades sub-nacionais já vinham conversando sobre temas ambientais, mas as discussões sobre resíduos sólidos começaram em 2004. Já aconteceram dois seminários em São Paulo para a troca de experiências e definição de rumos. Wolfgang Scholz, Baudirektor do Ministério do Meio Ambiente, Saúde e Proteção do Consumidor da Baviera, esteve em São Paulo no início de junho para o segundo seminário.
A experiência bávara
Assim como outras regiões da Alemanha, a Baviera começou a enfrentar sérios problemas com o lixo no final dos anos oitenta. Segundo Wolfgang Scholz, os aterros sanitários da província – grandes, modernos, com efeitos sobre água e solo monitorados – estavam chegando ao seu limite de capacidade. Consciente da importância do campo para o seu bolso e para o seu espírito, a população não queria novos aterros. A solução foi buscar o que Scholz chama de “um novo conceito de gestão de resíduos.”
A primeira providência foi transferir a responsabilidade pelo lixo doméstico dos municípios para os Landkreise, instância administrativa entre eles e o estado. Isso foi necessário, segundo Scholz, por que só unidades maiores têm escala para operar economicamente plantas de lixo modernas e de altos padrões ambientais.
O próximo passo foi a redução do volume de lixo. Para minimizar o volume de lixo que vai ao aterro, os alemães implementaram padrões de separação / triagem, reuso, reciclagem e, finalmente, um conceito radical: um esforço para evitar a produção de lixo. Evitar a produção de resíduos sólidos implica, por exemplo, em desencorajar o uso de embalagens cada vez mais elaboradas em produtos de consumo. Ou usar a mesma sacola sempre que você for ao supermercado, ao invés dos sacos descartáveis de plástico ou papel.
Scholz acredita que o sucesso desses programas não se deve tanto à educação do cidadão-consumidor, mas sim ao impacto no bolso de medidas como, por exemplo, a cobrança de um valor significativo pelos sacos de plástico descartáveis nos supermercados. É preciso também, segundo ele, que o estado cobre pelo serviço de processamento dos resíduos sólidos. Cobre pelo volume produzido por cada um, ao invés de financiar a atividade com recursos do custeio do estado.
Apesar de todas essas medidas, o volume de resíduos que precisam ser levados a uma destinação final ainda é muito grande. Daí a necessidade da incineração como alternativa aos aterros sanitários. Ou melhor, como complemento, pois a incineração reduz mas não elimina a fração dos resíduos que precisa ser aterrada.
A Baviera começou a implantar incineradores ainda nos anos 90. A técnica traz diversas vantagens, segundo Scholz. Ela permite que se aproveite a fração energética do resíduo, reduzindo e tornando inerte a fração que vai para o aterro. Houve resistências à instalação dos incineradores, mas Scholz diz que elas foram vencidas através da ação ao nível local, informando as comunidades a respeito da segurança do processo, desde que conduzido corretamente. A transparência é importante, segundo ele, e o governo da Baviera tem uma política de oferecer à comunidade informações completas sobre emissões, seja na internet, seja em centros de informações, seja através de visitas escolares.
Aplicando os conceitos a São Paulo
Scholz acredita que a experiência da Baviera pode ser transferida para São Paulo. A escala das cidades não é um problema. Pelo contrário, a concentração das fontes de resíduo sólido permite que o sistema seja operado com maior eficiência, com custos menores de transporte e de operação dos incineradores. O conhecimento está à disposição, mas é São Paulo quem precisa encontrar os seus caminhos, diz ele.
Para começo de conversa, será preciso convencer os prefeitos das cidades do estado que a cooperação é do seu interesse, pois a responsabilidade pela gestão dos resíduos sólidos é dos municípios. O governo do estado, no entanto, tem um papel importante nesse assunto. Em primeiro lugar por que é a CETESB, órgão do governo do estado, que acompanha e fiscaliza os aterros sanitários geridos pelas prefeituras. Em segundo lugar, porque a CETESB oferece também assistência técnica aos municípios, tarefa que deverá crescer nos próximos anos.
Existem economias de escala no tratamento de lixo. De acordo com Milton Norio Sogabe, Assessor Executivo da Secretaria do Meio Ambiente, cidades de 5 mil habitantes não comportam um aterro sanitário moderno, muito menos um incinerador. A solução, diz ele, é facilitar a cooperação entre municípios vizinhos, que podem dirigir os seus resíduos para uma destinação comum. Para Norio, um bom exemplo são as cidades do litoral norte do estado: um incinerador dimensionado corretamente poderia minimizar os problemas dos municípios da região.
Minimizar é a palavra certa: a incineração do lixo não é uma panacéia, mas ajuda a manter o problema dos resíduos sólidos dentro do administrável. Para Norio, a tecnologia de incineração está longe de ser o único interesse do governo do estado nessa conversa. Segundo ele, interessa muito a experiência alemã na minimização do volume de lixo, assim como na reutilização e reciclagem de resíduos.
A experiência da Baviera trouxe muita informação a respeito de custos e incentivos financeiros. Hoje as contas parecem indicar que um incinerador custa muito mais caro do que um aterro sanitário. Mas isso acontece por causa da maneira como os custos do aterro se prolongam no tempo, depois do seu fechamento, quando ele já não gera mais nenhuma receita para o seu operador. Custos que acabam sendo absorvidos pela sociedade.
Norio acredita que a primeira planta de incineração de São Paulo precisará ser especial, para gerar o efeito de demonstração – talvez algo como Spittelau, em Viena, na Áustria, que acabou se tornando atração turística (fotos). Mas ainda vai levar alguns anos para que isso aconteça – no mínimo três ou quatro anos para encomendar a planta. Tempo suficiente, espera-se, para educar o empresariado e a população, mostrando que não existe solução mágica para o problema do lixo e que a cooperação de todos é necessária para minimizá-lo.
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