Reportagens

Sem lar

Capivaras que ainda sobrevivem em São Paulo têm dificuldade para conseguir onde morar. Alguns grupos se rendem a áreas mais urbanizadas e sofrem com riscos de atropelamento.

Aline Ribeiro ·
18 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

As capivaras que resistiram à urbanização da Região Metropolitana de São Paulo enfrentam cada vez mais problemas para encontrar um local para morar. Andam para cima e para baixo com seus filhotes, à procura de um trecho de pasto viçoso onde possam conseguir alimento e água – condições mínimas para garantir a sobrevivência. Na Marginal do Rio Pinheiros é comum se deparar com os grupos. São dezenas de animais que, diariamente, desfrutam do capim da encosta e tomam sol à beira do rio poluído, como se não se incomodassem com a água pestilenta que infesta a região. 

Mas as capivaras já não estão sendo bem vistas por ali. O atropelamento de alguns animais fez com que órgãos públicos criassem, em maio deste ano, um grupo de trabalho para discutir o destino desses mamíferos. Como os bichos, neste caso, não oferecem nenhum risco à saúde humana, o grupo optou por não retirá-los dali. Em contrapartida, pretende instalar uma barreira física que impeça a saída das capivaras para a pista. “É a melhor solução”, diz Rossana Borioni, analista ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Caso seja colocada, a barreira vai separar a margem do rio e a pista por onde trafegam os veículos. Desta forma, os animais serão impedidos de avançar para a Marginal Pinheiros, o que evitaria acidentes. Segundo Rossana, ainda não ficou decidido de que material a barreira será feita, qual extensão irá ocupar e nem quem vai pagar a conta. “Tudo isso será definido em reuniões futuras.”

Desabrigadas

Recentemente, as capivaras também chamaram a atenção de moradores da região de Barueri (na Grande São Paulo). Famílias desses mamíferos estão migrando em direção ao Alphaville, condomínio de luxo da cidade, em busca de um lugar para viver. Tudo indica que, antes da “viagem forçada”, elas habitavam área próxima ao residencial, às margens da porção oeste do rio Tietê. Mas a construção de uma avenida ao lado, chamada de Via Parque, as teria feito buscar outro terreno para ficar. “Já vi uma mãe com seu filhote comendo grama no canteiro central de uma avenida dentro do condomínio”, conta o morador Mauricio Silveira de Matos. 

A equipe de O Eco foi até o local para tentar entender os motivos pelos quais elas saíram de lá. Pelo que tudo indica, o que desagradou os bichos foi mesmo a construção da avenida Via Parque – que vai possibilitar o acesso de Santana do Parnaíba ao Rodoanel, rodovia Castelo Branco e Osasco. A rua, sem nenhum semáforo ou lombada, representa perigo para as capivaras que arriscam atravessá-la. Na semana passada, elas foram vistas pela última vez numa área próxima à avenida. Provavelmente, tiveram de cortá-la para chegar ao terreno em que estão hoje. Mesmo depois de alocadas em novo espaço, os riscos não acabaram. “Elas estão desprotegidas. O tráfego das avenidas ao redor é intenso e as chances de atropelamento são grandes. Já encontrei uma morta tempos atrás”, diz Matos.

Além de desamparados, tudo indica que esses mamíferos não são muito bem-vindos na região. Uma placa da Prefeitura de Barueri previne a população sobre os perigos da área que, segundo os dizeres, está “infestada pelo carrapato estrela, transmissor da Febre Maculosa”. Culpa das capivaras, reconhecidas como hospedeiros naturais do agente causador da doença. Mas, apesar de a prefeitura estar informada sobre a ocorrência dos animais na região, diz que não pode fazer nada. “Não temos como restringir a passagem delas nem tirá-las da área, porque a legislação não permite”, argumenta Ricardo Pinto Filho, diretor técnico da Secretaria de Recursos Naturais e Meio Ambiente de Barueri. 

Ele se refere à Lei de Crimes Ambientais 9.605/ 1998, segundo a qual é proibido “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”. O Ibama, por sua vez, alegou não ter sido comunicado sobre a situação das capivaras de Alphaville. “Se os moradores nos informarem oficialmente, podemos realizar uma vistoria no local e dar as recomendações técnicas”, diz Rossana Borioni.

Sem saída

Há cerca de um ano, o leque de opções de moradia das capivaras da região de Alphaville era um pouco maior. Além da várzea do rio Tietê, podiam contar com os gramados verdes do centro de lazer Ilha do Tamboré (unidade do Parque Ecológico Tietê localizada na região oeste, entre Barueri e Santana do Parnaíba). Mas a área foi cercada. “Elas sujavam as quadras esportivas, roíam os troncos das árvores, comiam plantas, enfim, estragavam tudo. Sem contar que onde tem capivara tem carrapatos”, justifica Antônio Carlos Tancredi, diretor administrativo da unidade. Segundo ele, um quarto da área total do parque (que gira em torno de 1,4 milhão de m²) foi rodeado com arames.

Desde então, restaram somente algumas famílias dentro da área verde. Poucas ainda vivem ao redor do lago do parque, sempre longe do centro de visitantes. As outras, possivelmente, são essas que saíram em busca de algum lugar para ficar. “Notei que deram uma boa diminuída, mas não sei direito o por quê. Acho que a cerca ajudou a espantar, porque tiramos delas a graminha verde, macia”, admite Tancredi.

Da poluição para o abate

Quem passa pela Marginal Tietê já não encontra as capivaras que viviam por ali. Num plano de manejo realizado em 2002 e coordenado pelo Ibama, cerca de cem mamíferos foram levados para um ambiente menos insalubre, a unidade Engenheiro Goulart do Parque Ecológico do Tietê (região leste). A captura foi necessária porque as obras de rebaixamento da calha do rio eliminaram a vegetação das margens, que servia de pasto e abrigo aos mamíferos. Participaram do processo o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), Departamento de Parques e Áreas Verdes da Prefeitura de São Paulo, o Instituto Biológico, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo.

Uma empresa terceirizada ficou responsável por montar as armadilhas e as cercas de contenção, para evitar que mais animais migrassem do Parque Ecológico. Na época, foram feitos coleta de sangue, exame de fezes dos animais e monitoramento e análise de DNA como parte do manejo. Isso porque o patrimônio genético dos animais pode interessar a criadores comerciais e representar subsídios para outras ações semelhantes.


Se você, leitor, pensa que essas famílias foram habitar os 14 milhões de m² do parque, está enganado. As capivaras ficaram em quarentena num recinto fechado, para que fosse identificado qualquer tipo de contaminação. Em seguida, 80% delas foram destinadas a criadores comerciais, onde reproduzem, são mortas e têm a carne vendida. O restante, que apresentava algum tipo de doença, foi sacrificado. “Não poderíamos deixá-las no parque, porque já temos cerca de 250 indivíduos lá. Os grupos desse animal são muito bem estabelecidos, hierarquicamente falando, além de terem territórios determinados. Eles iriam expulsar as novas capivaras ou matá-las”, comenta a veterinária no parque, Liliane Milanelo. O que se espera, agora, é que este triste fim não se repita para as outras sobreviventes da selva de pedra.

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