Às duas horas da manhã começou uma operação da Polícia Federal contra um esquema de corrupção dentro do Ibama do Rio de Janeiro, mais precisamente no setor de fiscalização, que terminou o dia com 28% do seu quadro de funcionários presos. Eles são acusados de aceitar propina para liberar pesca ilegal e emitir pareceres técnicos para o setor imobiliário em áreas que por lei deveriam ser preservadas.
As 5h30 de quarta-feira, cinco carros da PF bloquearam a entrada da sede do Ibama no Rio. Com mandados de busca e apreensão, cerca de 20 homens vasculharam o prédio atrás de provas de crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa, entre outros. Na operação, participaram seis técnicos do Ibama de outros estados para ajudar os policiais a reconhecerem o valor dos documentos encontrados. Mas a maior evidência de que há algo de errado na fiscalização ambiental fluminense apareceu na garagem de um dos 25 funcionários presos nesta manhã, onde os agentes encontraram um carro do órgão com caixas contendo Taxas de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), um tipo de documento que não deveria estar fora do escritório.
A operação foi batizada pela Polícia Federal de Euterpe em homenagem ao seu ponto de origem. Euterpe edulis é um tipo de palmito da Mata Atlântica que movimenta um significativo comércio ilegal no estado e que boa parte é extraída da Reserva Biológica do Tinguá, localizada em Nova Iguaçu e onde o ambientalista Dionísio Julio Ribeiro Junior foi morto em 2005 por denunciar o crime. Lá, um servidor do Ibama atuante na área denunciou ao Ministério Público Federal e a Polícia Federal que outros tipos de irregularidades aconteciam em todo estado sob a vista grossa de fiscais do Ibama – a mesma denúncia já tinha sido feita à superintendência do órgão, onde as investigações internas nunca ganharam muito fôlego. Um inquérito policial foi então aberto pelo delegado da Polícia Federal de Nova Iguaçu, Alexandre Saraiva.
Crimes desvendados
Em um ano de investigação, ele conseguiu uma equipe para levantar os dados e descobriu que servidores do setor de fiscalização do Ibama eram cúmplices de crimes ambientais na área de pesca e especulação imobiliária. Na primeira, principalmente na região de Angra dos Reis, eles aceitavam propina para não combater a pesca de sardinha em período de defeso – época de procriação da espécie em que, por lei, é proibido capturá-la. Apesar de a sardinha encabeçar a lista, outros tipos de pescados, como o camarão, recebiam o mesmo tratamento. Por isso, Sérgio Antônio Silva de Almeida, chefe do escritório regional de Angra dos Reis, foi preso. E antes das seis da manhã, oito agentes da PF apreenderam boa parte dos papéis guardados no escritório, deixando os funcionários sem condições de trabalhar. Na outra ponta, também foi parar nas celas da Polinter Francesco Tommaso, presidente da Associação dos Pregoeiros de Pescado do rio e pessoa influente na Ceasa (Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro).
Já no ramo da construção civil, os analistas ambientais responsáveis emitiam pareceres técnicos favoráveis a empreendimentos e loteamentos em zonas restritas de áreas de proteção ambiental (APAs) sob jurisdição federal e Áreas de Preservação Permanente (APPs). Este tipo de crime aconteceu mais na região metropolitana do Rio, como no caso de condomínios erguidos às margens das lagoas de Itaipu e Piratininga, em Niterói, e em Cabo Frio. Na Baixada Fluminense, um fiscal aceitou um apartamento em troca de um parecer. A polícia estima que alguns laudos técnicos chegaram a valer 100 mil reais. Esse tipo de crime derrubou o chefe em exercício do escritório regional do Ibama em Cabo Frio, Alípio Villanova do Nascimento.
Ao todo, cerca de 200 agentes da Polícia Federal do Rio, Minas Gerais e São Paulo participaram da operação, além de servidores do Ibama. A ministra Marina Silva e o presidente do instituto, Marcus Barros, viajaram na noite de terça-feira para o Rio especificamente para se inteirarem do desfecho da investigação e anunciá-lo para a imprensa. Na coletiva, Marina disse que será implantado um plano emergencial no Ibama do Rio como foi feito em Mato Grosso logo após a operação Curupira, no ano passado. Barros anunciou que 17 analistas ambientais de outros estados vão ser deslocados temporariamente para o Rio com o objetivo de ajudar a reestruturar o Ibama fluminense. Na tarde desta quarta ele se reuniu com o superintendente do órgão no estado, Rogério Rocco, para acertar os últimos detalhes da mudança. Segundo Barros, Rocco só soube hoje da investigação contra seus subordinados.
Os presos ficarão à disposição da Justiça Federal na sede da Polinter e responderão por crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva, ativa, violação de sigilo funcional, concussão e crimes ambientais.
*Colaborou Eric Macedo.
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